A Lei n. 10.741 foi publicada no dia 1º de outubro de 2003, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2004. Denominada de Estatuto do idoso, esta lei é um exemplo de microssistema jurídico em nossa legislação. A lei possui uma parte de direito material, no qual ela aborda os principais direitos das pessoas idosas, possui uma parte processual, uma parte administrativa e uma parte penal, seguindo os preceitos dessas normas denominadas de microssistemas.
Já em seu art. 1º, a lei define quem é considerado idoso no Brasil. Nesse sentido, é instituído o Estatuto da Pessoa Idosa, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Hoje muito se discute a atribuição dessa idade, já que houve um aumento da expectativa de vida da população de um modo geral. Segundo dados do IBGE, Uma pessoa nascida no Brasil em 2019 tinha expectativa de viver, em média, até os 76,6 anos. Isso representa um aumento de três meses em relação a 2018 (76,3 anos). A expectativa de vida dos homens passou de 72,8 para 73,1 anos e a das mulheres foi de 79,9 para 80,1 anos. Aos 50 anos, expectativa de vida é 11,8 anos mais alta do que era em 1940. Em 1940, um indivíduo ao completar 50 anos tinha uma expectativa de vida de 19,1 anos, vivendo em média 69,1 anos. Já em 2019, a pessoa de 50 anos teria uma expectativa de vida de 30,8 anos, esperando viver em média até 80,8 anos (11,8 anos a mais).1
Esse aumento na expectativa de vida, por si já é capaz de promover a rediscussão do aumento da faixa etária, já que a população vivendo mais, tende-se a aumentar essa idade inicial, uma vez que há a necessidade de se proteger os que estão mais no limite dessa expectativa.
Segundo a referida lei, a pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Ademais, é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Um dos principais direitos previstos no estatuto do idoso é o direito à prioridade. Essa garantia prevê que o idoso tem direito à atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à pessoa idosa; viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio da pessoa idosa com as demais gerações; priorização do atendimento da pessoa idosa por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços às pessoas idosas; estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais e prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda.
Ocorre que na própria categoria de idosos, que é considerada no direito do consumidor como hipervulneráveis, existe uma categoria que merece proteção especial. É o que diz o § 2º do art. 3º, que determina uma atenção especial aos idosos com idade igual ou superior a 80 anos. São os chamados idosos de categoria especial. Dentre os idosos, esses possuem prioridade.
A lei também dispõe que nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei, e é dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos da pessoa idosa.
É obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. Para isso, o idoso tem a faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; o direito à opinião e expressão; o direito de crença e culto religioso; o direito à prática de esportes e de diversões, dentre outros.
O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. Infelizmente, direitos muito desrespeitados aqui no País onde existe uma cultura de que a pessoa que se torna idosa, torna-se automaticamente incapaz. O direito à autonomia, deve ser preservado. Existem inúmeros exemplos de idosos extremamente produtivos até o final de suas vidas, como Oscar Niemeyer, Jô Soares, Ministros do STJ e STF, professores catedráticos de universidades, dentre outros.
A Lei também aborda o direito à alimentos na forma da lei civil.
Um dos principais direitos previstos no Estatuto é o direito à saúde. Na sua proteção pode-se destacar a atenção integral à saúde da pessoa idosa, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente as pessoas idosas. Além disso, é garantido o atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para as pessoas idosas abrigadas e acolhidas por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o poder público, nos meios urbano e rural.
Também incumbe ao poder público fornecer às pessoas idosas, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.
O Estatuto veda a exigência de comparecimento do idoso perante órgãos públicos, trazendo duas possibilidades: a primeira, quando de interesse do poder público, o agente promoverá o contato necessário com a pessoa idosa em sua residência, ou quando de interesse da própria pessoa idosa, esta se fará representar por procurador legalmente constituído.
Um dos temas mais controversos do Estatuto do Idoso é o previsto no §3 do art. 15 ao dispor que é vedada a discriminação da pessoa idosa nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Isso contraria expressamente o previsto na Lei n. 9656/98. O tema foi objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça. O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que o STJ já estabeleceu tese sobre a validade dos reajustes por faixa etária, aplicável aos planos individuais ou familiares. No julgamento do Tema 952, ressaltou, a Segunda Seção definiu que “o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”. Segundo o magistrado, embora o Tema 952 tenha sido firmado para os planos individuais e familiares, as razões de decidir do respectivo recurso repetitivo contêm argumentação abrangente, que não se limita às particularidades desses tipos de plano de saúde. Em função disso, destacou, o entendimento passou a ser aplicado no STJ, por analogia, aos planos coletivos – os quais, inclusive, existem em maior proporção.2
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 630.852 (Tema 381) está julgando o assunto e ainda não se tem uma resposta definitiva.
Ainda sobre a saúde, é assegurado à pessoa idosa enferma o atendimento domiciliar pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo serviço público de saúde ou pelo serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o SUS, para expedição do laudo de saúde necessário ao exercício de seus direitos sociais e de isenção tributária.
À pessoa idosa internada ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico.
Caberá ao profissional de saúde responsável pelo tratamento conceder autorização para o acompanhamento da pessoa idosa ou, no caso de impossibilidade, justificá-la por escrito. O estatuto também prevê o direito à autonomia do paciente idoso, que dá pessoa idosa que esteja no domínio de suas faculdades mentais, o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.
Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra pessoas idosas serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária e a outros órgãos previstos na legislação.
A pessoa idosa também tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. O poder público criará oportunidades de acesso da pessoa idosa à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ela destinados. Os cursos especiais para pessoas idosas incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna. As pessoas idosas participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da memória e da identidade culturais.
O art. 23 do Estatuto prevê que a participação das pessoas idosas em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinquenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais.
Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados às pessoas idosas, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento. O poder público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados à pessoa idosa, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual.
No aspecto do trabalho, é garantido à pessoa idosa o exercício da atividade profissional de acordo com suas condições físicas, vedadas a discriminação por idade, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.
No aspecto da previdência social, os benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral da Previdência Social observarão, na sua concessão, critérios de cálculo que preservem o valor real dos salários sobre os quais incidiram contribuição. Já no que pertine à assistência social, será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), na Política Nacional da Pessoa Idosa, no SUS e nas demais normas pertinentes. Às pessoas idosas, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termo.
Com relação à habitação, a pessoa idosa tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhada de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada. As instituições que abrigarem pessoas idosas são obrigadas a manter padrões de habitação compatíveis com as necessidades delas, bem como provê-las com alimentação regular e higiene indispensáveis às normas sanitárias e com estas condizentes, sob as penas da lei.
Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, a pessoa idosa goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria.
Já no aspecto do transporte, é garantido aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares. Para isso, serão reservados 10% (dez por cento) dos assentos para as pessoas idosas, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para pessoas idosas. No caso das pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação local dispor sobre as condições para exercício da gratuidade nos meios de transporte.
No transporte interestadual, haverá reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para pessoas idosas com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos e desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para as pessoas idosas que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos.
Nos estacionamentos, são asseguradas a reserva para as pessoas idosas, nos termos da lei local, de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade à pessoa idosa, além disso, são asseguradas a prioridade e a segurança da pessoa idosa nos procedimentos de embarque e desembarque nos veículos do sistema de transporte coletivo.
Todo esse arcabouço jurídico é garantido por medidas de proteção a serem efetivadas pelo Ministério Público ou poder judiciário. O idoso também tem um acesso à justiça diferenciado, nesse sentido, é assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. Ademais, o poder público poderá criar varas especializadas e exclusivas da pessoa idosa.
Dentre os crimes previstos no Estatuto do Idoso, pode-se destacar o crime de discriminação, ausência de assistência, abandono, exposição ao perigo, apropriação de bens, pensão ou outros proventos, retenção de cartão magnético do idoso, exibir imagens depreciativas, induzir a outorga de procuração, coação e lavratura de ato notarial sem discernimento. Todos eles de ação penal pública incondicionada.
Esses são os principais direitos previstos nessa legislação tão importante para a nossa sociedade que este ano completa 10 anos de existência. Ainda temos muito a fazer por essa parcela da população, principalmente em um mundo cada vez mais digital que exclui de forma cruel esses cidadãos. O desenvolvimento tem provocado uma exclusão digital dessa parcela da população, sem precedentes. Temos um longo desafio para os próximos 10 anos.
Referências
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1. Em 2019, expectativa de vida era de 76,6 anos. Disponível em : site. acesso em: 21.06.2023.
2. Segunda Seção, em repetitivo reconhece validade do reajuste por faixa etária em planos de saúde coletivos. Disponível em: site. acesso em 21.06.2023.