O Brasil é um país de dimensões continentais, albergando um dos territórios políticos mais diversos nos quesitos de biodiversidade, paisagens e de demais riquezas naturais e culturais.
Sua extensão é tão vasta, que nela observamos a presença de vários biomas, formações e paisagens que, analisadas em separado, parecem tratar de regiões diferentes do mundo. Como pesquisadora nascida e criada na Amazônia, e tendo residido em outras regiões brasileiras, minha visão sobre esta diversidade toma uma dimensão especial, a qual gostaria de compartilhar nas linhas que seguem.
Enquanto temos na Amazônia (ainda), um gigantesco tapete verde no meio do continente, de clima quente, ricamente entrecortado por rios e igarapés, com uma carga inimaginável de vapor d’água (rios voadores) que regula todo o clima do continente, temos no Cerrado, um bioma de características mais secas, com biodiversidade diferenciada e outro tipo de conformação hidrobiogeográfica. A Mata Atlântica, por sua vez, igualmente bem servida de águas e biodiversidade, diferencia-se pelo distanciamento da linha do Equador, com menores temperaturas e influenciada pelo litoral, com uma flora paradisíaca e exuberante. O Pantanal, na porção Centro-Oeste brasileira, permeia o imaginário popular em razão de suas paisagens singulares, elevadas temperaturas e pelo conjunto de condições que caracterizam essa depressão alimentada pelos rios da Bacia do Alto Paraná. A Caatinga, por sua vez, apresenta conformação climática seca, localizada no Nordeste brasileiro, sendo também possuidora de paisagens singulares e rica biodiversidade, a Caatinga também integra o mosaico natural brasileiro, constituindo um bioma único, com sua vegetação sui generis, e periodicamente afetado pelas secas que o acometem. Por fim, no sul do Brasil encontramos o bioma Pampa, também conhecido como Campos do Sul, constituído por uma região plana, com formações de campo e de florestas com clima temperado e biodiversidade próprios. Este último, apesar de menos lembrado quando se pensa em paisagens típicas do Brasil, também possui sua essencialidade ao equilíbrio ambiental da região e também enfrenta problemas oriundos de desequilíbrios ambientais.
Cada um desses biomas, comporta, ainda, uma série de variações dentro de si, porém, os seis apresentados são considerados componentes da divisão básica para o estudo das formações geográficas no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seu Mapa de Biomas Brasileiros (2003), a consideração dos biomas Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pantanal e Pampa, é adotada para melhor formulação de políticas públicas específicas para cada um deles. Aparentemente, a gestão e proteção desses espaços constitui a justificativa para a classificação formulada.
Não obstante é interessante considerar a definição de bioma para melhor compreendê-los. Segundo Coutinho (2006, p. 18), bioma é uma área de espaço geográfico, com mais de um milhão de quilômetros quadrados e com características definidas com uniformidade de macroclima, fitofisionomia, fauna e outras características que conferem ao espaço, uma ecologia própria. Outro termo também usado para referir-se às áreas de singularidade ambiental é “formação”, quando houver vinculação à questão da vegetação característica do espaço (COUTINHO, 2006, p. 21).
Considerando, assim, a importância dos biomas e a necessidade de conhecer suas especificidades para garantir uma proteção jurídica adequada, optou-se por dar proteção constitucional a alguns desses deles, consoante o disposto no artigo 225, § 4º, que determina: “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Como visto, a proteção constitucional não albergou os seis biomas na esfera especial de proteção, mas menciona a floresta amazônica, predominante no bioma Amazônia, além da Mata Atlântica e do Pantanal. Analisando sistematicamente o ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, não se pode dizer que os demais não contem com proteção, mas sim, que os três citados, além das formações geográficas Serra do Mar e Zona Costeira possuem uma relevância específica enquanto patrimônio ambiental do país.
Deste modo, a definição institucional dos principais biomas brasileiros e a menção constitucional a alguns deles têm uma motivação prática: a necessidade de sistematização do conhecimento sobre o espaço para a sua necessária gestão e a proteção deste por meio de políticas públicas.
Não obstante, é preciso pontuar que a previsão legal de medidas específicas para os biomas e para as formações geográficas ainda deixa a desejar: aqueles que estudam as questões relativas à proteção ambiental acabam observando que esses ricos espaços territoriais nem sempre recebem a proteção jurídica merecida, seja no que se refere à existência de normas adequadamente destinadas à sua proteção, seja pela efetividade das normas existentes.
Nesse sentido, cumpre mencionar que dadas as características dos biomas serem tão diversas, as medidas necessárias à sua proteção deveriam ser apropriadas para cada um deles. De fato, esta preocupação é refletida em alguns dispositivos da legislação ambiental brasileira. Um exemplo disso é a questão elaboração dos Planos de Recursos Hídricos, que constituem importante instrumento para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos. De acordo com a referida norma, a formulação dos Planos deve ser feita separadamente com base em cada bacia hidrográfica, na tentativa de torná-los adequados às necessidades ambientais locais.
No entanto, ainda assim há dificuldades nessa seara, pois, ao observar realidades específicas, observa-se a insuficiência dessa construção de políticas ambientais setorizada de acordo com a bacia. Exemplo disso é o Pantanal, que atualmente tem sofrido de escassez hídrica em razão do comprometimento da Bacia do Alto Paraguai (Conferir: MAPBIOMAS, 2021). Apesar de se localizar fora da região pantaneira, a BAP abriga as nascentes que fornecem água ao bioma. Nesse caso, a elaboração de planos não pode se dar de forma setorizada, pois, desta forma, não se tem a obrigação de levar em conta a dinâmica hídrica existente entre as bacias.
Este é apenas um dos exemplos que poderiam ser levantados e que demonstram a necessidade de pensar melhor a proteção jurídica necessária aos biomas brasileiros. Há aspectos mais óbvios que também transparecem no cotidiano, como por exemplo, a necessidade de contenção de queimadas e outros processos destrutivos, como o desmatamento ilegal, a mineração ilegal e o uso irracional dos recursos hídricos. A proteção jurídica das águas e das florestas, bem como a equalização do uso da terra no geral, constituem algumas das medidas imprescindíveis para pensar um futuro sustentável para os biomas brasileiros.
Referências
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COUTINHO, Leopoldo Magno. O conceito de bioma. Acta Botanica Brasilica. 20 (1). Mar 2006.
MAPBIOMAS. A dinâmica da superfície de água do território brasileiro: principais resultados do Mapeamento anual e mensal da superfície de água no Brasil entre 1985 até 2020. Disponível em: https://bit.ly/3ZdFU7r. Acesso em 20 de fevereiro de 2023.
MAMED, D; PORTUGAL, H. e PEREIRA, L. O Direito Socioambiental e o Pantanal: da emergência ecológica à proteção jurídica efetiva. João Pessoa: Editora Porta, 2022.