Infelizmente temos visto episódios com maior frequência relacionados à violência escolar, e a sociedade, ao se deparar com fatos violentos, a exemplo dos acontecidos em São Paulo e em Santa Catarina, questiona-se sobre se a violência poderia ser evitada e quem são os responsáveis por ela.
O relacionamento entre alunos e professores teve uma significativa alteração na pós-modernidade, isso decorre de políticas públicas, muitas as quais tornam a sociedade e as escolas vítimas, e da própria evolução social que perpassa pela família.
O século XXI já está marcado pela revolução Digital, que, por natureza, traz ao homem uma sensação de incompletude, visto que a tecnologia avança com uma rapidez nunca vista, e passou-se a viver em uma sociedade do consumo.
A felicidade, o afeto, na pós-modernidade, passam a ser sinônimos de ter, possuir, presentear, e não mais ser, estar, compartilhar. Esse desequilíbrio imposto pelo novo padrão social apresenta consequências para os mais vulneráveis.
O afeto no âmbito familiar é descrito por psicólogos e psiquiatras como essencial na formação do indivíduo, e a sua ausência não pode ser substituída por bens materiais. Face a esse contexto, a família é vista como o espaço em que encontramos o afeto, o cuidado, a educação e a solidariedade, todos elementos fundamentais para o pleno desenvolvimento de seus membros,1[^] assim a família é mais do que um grupo social de indivíduos que auxilia um ao outro mutuamente com o instinto de sobrevivência.
A família é responsável pela construção social e afetiva do indivíduo, assim, além de contribuir financeiramente para a manutenção das necessidades do indivíduo, ela é responsável por transmitir conhecimento, valores e ensinar o indivíduo a construir vínculos afetivos.
Diante da IV Revolução Industrial, à qual a sociedade está submetida, a velocidade e a profundidade das relações humanas foram substancialmente alteradas, de modo que mensagens de textos são consideradas mais adequadas do que ligações telefônicas, videochamadas são mais bem recebidas do que visitas presenciais.
A virtualização do afeto gerou um verdadeiro abandono digital, pelo qual as crianças e adolescentes são “abandonadas” por seus pais e guardiões em frente a uma tela (de computador, tablet ou celular com acesso à Internet) para que possam permanecer com tranquilidade em suas atividades.
Essa geração digital chega às escolas com uma característica marcante de indisciplina, consequente da ampla liberdade de ação, resultante da forma liberal com que tem sido educada por seus pais.
Neste sentido, Içami Tiba2 defende que os pais da atualidade, temendo repetir o modelo autoritário do passado, fracassaram na imposição de limite e criaram uma geração de prazer sem custos, gerando uma indisciplina globalizada.
Dessa forma, tanto o esvaziamento das preocupações éticas nas relações sociais como a falha na preservação de valores culturais e históricos, somados à ineficácia do sistema público educacional, podem ser considerados os responsáveis pela banalização das situações de violência, vista com frequência cada vez maior nas escolas.
Ademais, crianças e adolescentes, caso estejam inseridos em um ambiente tóxico, em meio a violências (físicas ou psicológicas), tendem a reproduzir esse ambiente hostil no meio em que transitam, ou seja, a escola.3
A violência nas escolas entre alunos não é um tema recente, o chamado Bullying já vem sendo tratado pela Lei n. 13.185, de 2015 (a lei conhecida como “Lei do Bullying”) com a devida seriedade.
Nessa legislação, é definido que essa modalidade de violência refere-se à forma física ou psicológica, intencional e repetitiva, sem motivação evidente, praticada por indivíduo ou grupo contra uma ou mais pessoas, com o objetivo intimidar ou agredir a vítima em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
Essa questão se agravou com a chegada da tecnologia, por meio de celulares com acesso à Internet rápida, pois o Bullying saltou da violência presencial para a sua continuidade no espaço virtual.
E com o surgimento do cyberbullying, considerado uma extensão da agressividade escolar transferida para o universo digital, as agressões que antes eram físicas, tornam-se verbais e psicológicas, sendo transmitidas rapidamente via smartphone, computadores, tablet e quaisquer outros meios eletrônicos com acesso à Internet, como bem dispõe o art. 2º da Lei n. 13.185/2015.
Por ser conteúdo publicizado na Internet e plataformas digitais de grande aderência do público infantojuvenil, o cyberbullying apresenta um caráter perverso, posto que a capacidade de visualizações de qualquer pessoa com acesso ao conteúdo é infinita e a capacidade de defesa é muito limitada.
Soma-se a isso o fator tempo, que é de extrema relevância, posto que a agressão tem extensa duração e, por isso, diferencia-se do bullying, o qual se limita ao momento em que vítima e o agressor se confrontam, enquanto no virtual, a agressão permanece por um tempo perene, até que seja retirada do ar, mas se antes disso o conteúdo for compartilhado entre outros usuários, ficará impossível de restringir o acesso, uma vez que se perde o controle.
Agravando esse cenário, existe a possibilidade de o agressor permanecer (mesmo que temporariamente) anônimo, o que gera nele um sentimento de confiança e impunidade, sentimento este que resulta em insultos, agressões e assédio mais violentos.
Em decorrência da extensão, duração e da quantidade de pessoas que podem visualizar a agressão, a dimensão dos danos à vítima também muda, torna-se muito maior, na medida em que a vítima passa a ter “holofotes” sobre a sua humilhação virtual, que reverbera inclusive em outras áreas sociais de sua vida privada, podendo ecoar, inclusive, dentro do seio familiar.
É preciso relembrar os papéis de cada indivíduo dentro deste contexto, aos professores cabe o papel de ser o facilitador do processo de ensino-aprendizagem junto ao aluno, por intermédio de um processo de aprendizagem colaborativa, em que os alunos trabalham em conjunto com o professor na construção do seu conhecimento.
Quanto aos pais, é importante que tenham em mente a responsabilidade parental (art.1.634 CC), a eles é concedido o livre planejamento familiar e, da mesma forma que dispõem do poder familiar para administrar a sua família conforme seus valores morais e religiosos, e é imposto a eles o dever por responder pelos atos de seus filhos.4
Os pais têm o dever de cuidado de seus filhos e são responsáveis civilmente pela violência perpetrada por seus rebentos, a responsabilidade parental depreende da hipótese em que um menor viola a honra e a imagem de terceiros ou agride fisicamente alguém; nesse caso é certo que caberá a aplicação do art. 932, inciso I do Código Civil, o qual dispõe que os pais são responsáveis pela reparação dos danos causados pelos filhos que estiverem sob sua autoridade.
Neste sentido, os danos ocorridos dentro do universo virtual, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018), em seu artigo 14º, o qual trata do necessário consentimento específico dos pais e responsáveis legais, para o ingresso dos menores nas redes sociais, são vistos em consonância com o art. 932, I do CC, que inclui os pais e seus responsáveis para responder no lugar de seus filhos aos danos por eles ocasionados.
A ausência de autoridade parental na administração da vida dos filhos, a qual gera a violência escolar, é proveniente de negligência parental, pela falta de acompanhamento dos genitores, seja na vida escolar ou nos acessos ao mundo virtual, fato que pode levar à destituição do poder parental (art.1.635 e 1.638 CC), devido à grave violação ao dever de guarda e educação pelo abandono, que se traduz na retirada da guarda da criança ou adolescente dos seus pais (art.157 ECA).
Referências
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1. MAZZORANA, Danielle Gonçalves Rech. Afeto, convivência e constituição da pessoa: etnografia das relações familiares a partir de indenizações morais por abandono afetivo no Estado de Santa Catarina. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. p. 35, publicada em 26/10/2012. Disponível em: https://bit.ly/41nD1Sv.
2. TIBA, Içami. Disciplina Limite na medida certa. São Paulo: Integrare, 2006, p.10.
3. SENA, M. C. de; SILVA, F. M. F. da; MARQUES, H. R.; BASTOS, P. R. H. de O. Mediação de conflito escolar como ferramenta de prevenção ao bullying: ação em saúde pública. Multitemas, 2020, p. 53. https://bit.ly/43xLR2b.
4. LAS CASAS, Fernanda. A Lei Geral de Proteção de Dados e o Controle Parental de Crianças e Adolescentes. In: Direito digital e desenvolvimento: contribuições à sociedade informacional. Etiene Luiza Ferreira Pleti, Heloisa Helena de Almeida Portugal, Jefferson Patrik Germinari, Michel Canuto de Sena, Valter Moura do Carmo (Orgs.). Uberlândia: LAECC, v. 2. 2022, p. 369.