1 Bullying Transfóbico
A pessoa transgênero não se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento. Assim, os transgêneros transitam pelas definições de gênero masculino ou feminino. Ainda por normatizações nacionais e internacionais, a questão do transgênero não é entendida como doença.
O transgênero se manifesta durante os primeiros anos de vida, ou seja, na infância, podendo, ainda, ocorrer na adolescência, são fases da vida em que a pessoa está em construção de suas próprias concepções, de suas descobertas e das modulações acerca de sua identidade gênero (Terra; Souza; Guedes, 2018, p. 7).
A identidade de gênero não está relacionada obrigatoriamente com a orientação sexual da pessoa, ou seja, um homem transgênero equivale a uma mulher que se identifica com o gênero masculino. Importante destacar também que o transexual é aquele que opta pela modificação corporal por meio de cirurgias ou cargas elevadas de hormônios. Do mesmo modo, o transexual é o indivíduo transgênero que passa pela submissão de tratamento hormonais, cirurgia ou outros mecanismos de adequação sexual.
Importante destacar todo o processo de identificação e tomada de decisões em fase de infância ou adolescência, esta decisão pode acarretar danos motivados por preconceito e ainda o bullying em formato de transfobia. Nesse sentido, o bullying transfóbico consiste em uma gama de atitudes, negativas, preconceituosas, incluindo ainda atos de perseguição por parte do agressor.
As entidades internacionais não consideram o transgênero como doença, desse modo qualquer tratamento cruel e desumano deve ser embutido nos atos tanto preconceituosos, que hoje estão previstos na lei de racismo, quanto nas condutas violadoras dos direitos fundamentais que estão previstas na legislação de bullying.
Ocorre que a transfobia ainda é apresentada como algo contornável na sociedade, por outro lado, quando os sujeitos da relação são crianças ou adolescentes que deveriam passar por processo de proteção, tornam-se verdadeiras vítimas de atos preconceituoso. Vale destacar também que as escolas não contam com profissionais adequados no combate e enfrentamento de bullying transfóbico.
Este ato violador causa, além dos danos psicológicos, baixo rendimento escolar e, ainda, potencializa a desvalorização e a desumanização da pessoa transgênero. Desta feita, crianças e adolescentes que passam pelas dificuldades da não aceitação de sua origem sofrem não somente com perdas imensuráveis a ela, mas para toda sua família que presencia os direitos fundamentais de seus filhos sendo violados.
Evidentemente que a homofobia e a transfobia transformam a simples brincadeira de corredor em uma conduta delituosa complexa, pois o Brasil modificou a sua legislação acerca do racismo e incluiu a violência especializada de gênero contra comunidade LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersexo, agêneros, assexuados, pansexuais e mais) como enquadramento de racismo. Percebe-se que esta forma de violência é caracterizada pelo ódio e pela não aceitação de membros da sociedade, desclassificando assim os valores e preceitos fundamentais que a crianças e adolescentes têm, dentre eles, destacam-se o bem-estar e a saúde de todos (Bortoletto, 2019, p. 6).
O contexto escolar tornou-se um ambiente improdutivo para educação de pessoas trans, pois, dependendo da ideologia dos coordenadores e professores, o ambiente escolar torna-se um verdadeiro pesadelo para crianças e adolescentes transgêneros.
Ainda não podem ser deixadas de lado as evidências e as pesquisas científicas da relação do bullying transfóbico com o suicídio e a ideação suicida. O suicídio de crianças e adolescentes apresenta-se como uma falha institucional, familiar e social. A família tem o dever de assistência e educação para com os seus filhos que não atingiram a fase adulta, bem como de dar assistência afetiva e humanizada para os filhos menores de idade. Cabe também à sociedade civil organizada identificar e planejar ações de controle e prevenção nos casos de bullying transfóbico.
O Estado tem o dever e a responsabilidade no que tange ao bem-estar de criança e de adolescentes que estão em fase de formação, os atos preconceituosos fazem que esta pessoa tenha a sua liberdade condicionada.
De tal maneira, o bullying transfóbico acarreta gastos aos cofres públicos, pois a vítima necessita de atendimento e não pode ser diferenciada das demais pessoas por preceitos preconceituosos, tampouco reduzir as oportunidades de uma pessoa em seu pleno desenvolvimento (Reis et al., 2021, p. 83).
Ainda, se as políticas de planejamento de combate ao bullying transfóbico não forem adotadas, podem ocorrer danos mais severos, tais como atendimentos em hospitais privados por determinação judicial, custeado pelo governo, gastos com equipes multidisciplinares de contratação emergencial, bem como a necessidade de implantação organizada e premeditada de pessoal qualificado por meio de equipes interdisciplinares.
2 Responsabilidade em casos de bullying transfóbico escolar
Os direitos fundamentais da criança e dos adolescentes são protegidos pela Constituição Federal, quando se refere à dignidade, à liberdade, à integridade físico-psíquica, levando-se em consideração a condição especial de pessoa em desenvolvimento (Brasil, 1988, p. 1).
Ainda, a Constituição Federal de 1988, dispõe em seu artigo 227, estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado garantir o pleno desenvolvimento dessas pessoas. Logo, quando é debatido a temática direitos fundamentais da criança ou do adolescente transgêneros a proteção jurídica é isonômica, ou seja, não pode existir diferentes aplicações em detrimento de gênero, identidade de gênero ou qualquer outra espécie de preconceito (Brasil, 1988, p. 1).
Logo, alguns desses direitos devem ser catalogados, tais como: direito à vida, à educação, à saúde, à alimentação, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além da garantia de uma vida sem discriminação e violência.
Ademais, a lei n. 13.185 de 2015, que institui a lei de bullying traz uma série de condutas que são enquadradas como intimidação sistemática, porém, na prática, a presente lei não fornece ferramentas usuais para as escolas em caso de violência escolar (Brasil, 2015, p. 1).
A lei n. 7.716 de 1989 que dispõe sobre o racismo e demais práticas racistas passou por votação no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de enquadrar as condutas de homofobia e transfobia na lei de racismo.
Por outro lado, apesar da votação de dez por um, mesmo assim, percebe-se que a lei de racismo não traz de forma expressa em seu texto os termos transfobia e nem homofobia, na prática, quando o operador do direito necessita formular uma petição inicial, conforme o artigo 319 do Código de Processo Civil (Brasil, 2015, p. 1), um dos pressupostos da peça inaugural é justamente a fundamentação, mas como é notável, essas duas condutas atentatórias ao gênero e a identidade de gênero não possui nem súmula publicada.
Além disso, em caso de violência motivada por bullying transfóbico, uma das soluções seria a utilização da lei n. 10.406 de 2002 – Código Civil, dispõe em seu artigo 186 que: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (Brasil, 2002, p. 1).
Ademais, o ordenamento jurídico civil trata da responsabilidade civil em seu artigo 932, I do Código Civil – que prevê a responsabilidade de quem causar o dano e na ausência de recursos para reestabelecer o dano causado, cabe aos pais ou responsáveis arcar com os prejuízos (Brasil, 2002, p. 1).
Nesse diapasão, o Código Penal traz alguns tipos penais, tais como: calúnia, injúria e difamação. Por outro lado, como o bullying transfóbico geralmente é praticado por crianças e adolescentes que são tratados com medida protetiva ou socioeducativa.
CONCLUSÃO
Por fim, é importante destacar que antes da publicação do Relatório Mundial sobre violência e saúde da OMS, o Ministério da Saúde já havia se pronunciado sobre o assunto. Após longos debates com diversos segmentos sociais acerca da saúde e violência no Brasil, o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, aprovou uma portaria e publicou a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por acidentes e violências, ou seja, a portaria MS/GM n. 737 de 16 de maio de 2001.
Ainda, esse documento insere o tema da violência no marco da promoção da saúde, dialogando inclusive com o princípio da universalização da cidadania e da busca de atuações proativas diante de problemas de saúde pública. Nota-se a necessidade de investir na compreensão do fenômeno da violência para poder gerar um diagnóstico.
O bullying transfóbico escolar além de ser um problema de saúde pública, ainda pode desencadear questões mais sensíveis como é o caso da ideação suicida e do suicídio. Assim, transportando para a realidade escolar percebe-se que o suicídio pode estar atrelado com os fatores de ausência de assistência tanto da família, quanto da escola, que inclusive dialogando com as leis respectivas, ou seja, a lei de bullying e a LDB nota-se que esse apoio, na maioria das vezes não é executado pelos atores mencionados.
Referências
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BORTOLETTO, Guilherme Engelman. LGBTQIA+: identidade e alteridade na comunidade. São Paulo: USP, 2019.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: site. Acesso em: 25 jun. 2023.
BRASIL. Lei n. 10.406 de 2002. Código Civil. Disponível em: site. Acesso em: 10 jan. 2024.
BRASIL. Lei n. 13.185, de 6 de novembro de 2015. Dispõe sobre a lei de bullying. Disponível em: site. Acesso em: 25 mar. 2023.
REIS, Pamela Suelen de Oliveira et al. Transfobia velada: sentidos produzidos por enfermeiros (as) sobre o acolhimento de travestis e transexuais. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental, p. 80-85, 2021.
TERRA, Ana Paula Chagas; SOUZA, Isilda Guimaraes; GUEDES, Ivan Claudio. AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS DA CRIANÇA TRANSGÊNERO NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO DO ENSINO MÉDIO. REVISTA ACADÊMICA FACULDADE PROGRESSO, v. 4, n. 2, 2018.