O Termo “policrise” tem se tornado comum. Geralmente quando ocorre uma situação de recessão econômica é muito utilizada a expressão “crise econômica”. No entanto, a “policrise” diz respeito a multiplicidade de crises que afetam a existência humana no planeta, bem como sua perspectiva de melhora na qualidade de vida. Pode-se ilustrar como um “bloco de crises” caracterizada por sua simultaneidade, a qual atinge diversos sistemas regionais ou globais. Outra ilustração seria imaginar diversas avalanches descendo de inúmeras montanhas cobertas de neve ao mesmo tempo. Um dos precursores do referido termo é o sociólogo francês Edgar Morin.1
A policrise global ocorre em decorrência de crises nos mais variados sistemas ou áreas de atuação humana, incluindo a sanitária, a ambiental, a climática, a segurança pública, a crise migratória e os conflitos internacionais (bem como instabilidades internas nos Estados Nacionais). Os resultados são considerados “catastróficos e irreversíveis”, ainda que o grau de certeza da previsão não seja considerado absoluto.
Neste sentido, podem ser citados como exemplos de “policrise sistêmica” os seguintes fatos: pandemias (como a gripe H1N1),2 epidemias (como a Covid-19), o aumento de catástrofes naturais, constantes fenômenos de alteração climática, redução das áreas cultiváveis, o retorno da atmosfera da Guerra Fria nas “guerras por procuração” entre as grandes potências e o crescente descontentamento da população civil com os seus governos, resultando em ondas de violência e terrorismo. Tudo isso ocorrendo simultaneamente, em grande escala e de forma descontrolada, configura o atual cenário de “policrise”.3
É muito difícil estabelecer uma data exata de quando a humanidade ingressou na atual “policrise global”. Tem sido sugerido como marco o ataque terrorista às torres gêmeas (World Trade Center), em Nova York (EUA), no dia 11 de setembro de 2001. Outros sugerem a “Grande Crise Financeira” de 2008 que se iniciou com a quebra do Lehman Brothers (banco americano) e abalou as bolsas ao redor do mundo, em um efeito semelhante a Crise de 1929. Alguns historiadores analisam o assunto em um contexto mais amplo, e dizem que desde o início da Primeira Guerra Mundial (1914), o mundo entrou em um cenário de colapso, do qual não conseguiu mais sair.
De qualquer forma, o fato é que a policrise afeta diretamente a saúde física e principalmente a emocional das pessoas. Não é mera coincidência que as enfermidades e distúrbios mentais têm sido chamados de “o mal do século XXI”. Sintomas como ansiedade, depressão, sentimento de revolta e impotência, inquietude, descontentamento em larga escala, dentre outros, estão associadas a policrise. Este cenário aumenta a escalada de ódio, intolerância e a procura de “bodes expiatórios”, a fim de se tentar explicar a crise dos sistemas que estruturam a sociedade. Crise de confiança nas instituições e ruptura de relações maritais e familiares se tornam ainda mais comuns.
Algo que também não pode ser esquecido é que a humanidade passa pela maior crise migratória em decorrência de múltiplos fatores (guerras, crises econômicas, governos autoritários, dentre outros), o que acarreta ainda mais pressão sobre os sistemas públicos dos países que precisam absorver os imigrantes. Segundo a ACNUR (Agência da ONU Para Refugiados), cerca de 114 milhões de pessoas tiveram de abandonar suas casas, sendo que 36,4 milhões se tornaram oficialmente refugiados até setembro de 2023.4 5
Outro fator que não pode ser ignorado é o desenvolvimento da Inteligência Artificial e os avanços na Biotecnologia e Neurologia que, se por um lado apresenta perspectivas de curas para enfermidades degenerativas (como o mal de Alzheimer), por outro traz riscos para a sobrevivência da espécie humana. Notícias envolvendo guerras e ataques cibernéticos, bombardeios por meio de drones, uso de robôs militares, têm se tornado mais comuns.
Foto: ataques de drones são capazes de causar grande destruição
Outro fato de grande relevância é que as crianças e adolescentes estão entre os mais afetados pela policrise. Estudos indicam que só “a pandemia de COVID-19 resultou em cerca de 10,5 milhões de crianças perdendo o cuidado de um adulto”.6 Milhões de outras crianças sofrem com os efeitos da guerra, migração, pobreza e outras situações traumáticas. Desta forma, uma geração inteira cresce sob os efeitos de traumas psicológicos.
Portanto, a policrise é um fenômeno real e contemporâneo, a qual afeta vários sistemas e impacta de forma considerável a saúde física e emocional das pessoas. Por isso, merece maiores estudos por parte de vários setores da sociedade, incluindo os juristas.
Referências
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2. A H1N1 quando se manifesta de forma simultânea e global, pode assumir aspecto de epidemia.
4. O número de pessoas deslocadas já havia atingido recorde em 2021, conforme: link.