Condomínios proíbem aluguel por plataformas digitais por inúmeros problemas ocasionados e preocupação com a segurança dos moradores regulares

Condomínios proíbem aluguel por plataformas digitais por inúmeros problemas ocasionados e preocupação com a segurança dos moradores regulares

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Desde que a internet começou a funcionar no mundo todo, o mundo tem passado por grandes transformações. Essas mudanças atingem a sociedade, os costumes e também o direito. O uso de aplicativos, acentuado pela pandemia de covid-19, fez com que as pessoas se habituassem a esses instrumentos de forma mais rápida, lapidando o comportamento das pessoas.

Alguns desses aplicativos tornaram-se os maiores fornecedores de produtos e serviços na maioria das sociedades. Tome-se como exemplo, o Ifood e e o Airbnb. O primeiro relacionado à compra de produtos alimentícios e o segundo, ao aluguel de hotéis e imóveis pela internet. É impossível falar desses aplicativos, sem se referir ao Uber que revolucionou o transporte no mundo inteiro.

Onde esses aplicativos atuaram, houve polêmica e discussões acerca da limitação e regulação de seu uso. Isso também se aplica aos aplicativos de aluguel por temporada como Airbnb, Booking e Hotéis.com.

Tem sido noticiado em todo mundo uma discussão bem intensa sobre o uso desses aplicativos de aluguéis por temporada, inclusive com a proibição de seu uso em cidades inteiras como Nova York1, Lisboa, Paris e Berlim. 2 Dentre os motivos apontados para a proibição estão o barulho, lixo e problemas de segurança, além do aumento do preço dos aluguéis regulares nessas localidades. Na cidade de Berlim, por exemplo, foi fixada uma multa de 100 mil euros (aproximadamente 400 mil reais) para quem descumprir a medida. Segundo a prefeitura, o aluguel por temporada “estrangula” o mercado de imóveis de locação a longo prazo e desequilibra a relação daqueles que querem alugar para morar. 3 As prefeituras de Madri, Barcelona, Bruxelas, Paris, Cracóvia, Viena, Reikjavik e Amsterdã querem propor barreiras. Representantes das oito cidades enviarão uma carta a Bruxelas expressando o desejo de manter o equilíbrio entre o fluxo de turistas e a proteção dos moradores dos bairros afetados. A decisão foi adotada durante uma conferência sobre Renda Turística Europeia, realizada esta semana na capital holandesa. 4

Como, percebe-se pelas notícias apresentadas pela imprensa do mundo todo, o assunto é bastante polêmico, afetando não só os moradores dessas regiões, mas também o poder público que começa a interferir nesse tipo de empreendimento.

E aqui no Brasil? Existem alguns municípios já discutindo o assunto e querendo regulamentar o uso dessas plataformas. 5 Mas a discussão chegou antes ao Superior Tribunal de Justiça, pelo menos em duas oportunidades. Muitos condomínios no país afora estão se adiantando a esse aspecto e proibindo o aluguel por plataforma, inclusive em locais turísticos. 6

A discussão passará pela limitação ao direito de propriedade, que não é absoluto em nosso País. Mesmo previsto e garantido no art. 5, caput, e inciso XXII, da Constituição, esse mesmo direito sofre inúmeras limitações para se coadunar com a finalidade do seu uso, principalmente quando está inserido em uma propriedade coletiva, como é o caso dos condomínios. Cite-se como exemplo o art. 1299 do Código Civil ao estabelecer sobre o direito de construir que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos, além disso, a doutrina aponta como limitação ao direito de construir, a função social da propriedade e os próprios contratos estabelecidos entre as partes.

O art. 1228 do Código Civil dispõe que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Já em seu parágrafo primeiro, o mesmo dispositivo alerta que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Além disso, o art. 1277, explicita que o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. O parágrafo único desse mesmo dispositivo dispõe que Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança. Percebe-se que a interpretação dada a essa discussão, esbarra no direito de propriedade, no direito de vizinhança e no direito condominial, quando for o caso.

No aspecto condominial, o art. 1335, II, determina que são direitos dos condôminos, usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores. Já o art. 1336, IV, dispõe são deveres dos condôminos, dentre outros, dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

A polêmica que envolve o aluguel por plataforma esbarra em vários dispositivos do Código Civil. A maioria dos condomínios não está preparada para a rotatividade de inquilinos desse tipo de uso. Existem situações que em uma semana, passam mais de 10 pessoas diferentes pelo imóvel, trazendo uma imensa insegurança para seus moradores. Além do aspecto da segurança, que já é, por si só, muito grave, esses aluguéis por plataforma geram outros impactos tão graves quanto esse. Existem as perturbações ao sossego e à saúde dos moradores, principalmente em dias de vírus respiratórios que circulam pelo mundo todo.

Outra questão a ser apontada é que muitos condomínios possuem dias e horários definidos para coleta de lixo e outros serviços, e esses moradores temporários normalmente não conhecem e nem vão ter tempo de conhecer as regras condominiais, trazendo na maioria das vezes transtornos aos moradores regulares. Imagine-se morando em um lugar que a cada dia aparece um vizinho diferente, às vezes até de outro país? Isso mostra-se surreal para a maioria dos condomínios.

Esses são alguns problemas que podem ocorrer nessas locações por temporadas em condomínios, daí a sua polêmica e corrida aos cartórios e à justiça para se proibir esse tipo de uso.

Em uma primeira decisão, no REsp n. 1819075, o Superior Tribunal de Justiça por maioria de votos, entendeu que caso a convenção do condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o Airbnb. No entanto, a convenção do condomínio pode autorizar a utilização das unidades nessa modalidade de aluguel. Para o colegiado, o sistema de reserva de imóveis pela plataforma digital é caracterizado como uma espécie de contrato atípico de hospedagem – distinto da locação por temporada e da hospedagem oferecida por empreendimentos hoteleiros, que possuem regulamentações específicas. Havendo previsão expressa de destinação residencial das unidades do condomínio, será impossível a sua utilização para a atividade de hospedagem remunerada.

No voto do relator Ministro Raul Araújo, o mesmo fez uma distinção entre os conceitos de residência (morada habitual e estável), domicílio (residência com a intenção de permanência definitiva) e hospedagem (habitação temporária). Segundo o relator, entre as características da hospedagem estão a alta rotatividade no local e a oferta de serviços – situação presente no caso em julgamento, em que o imóvel era disponibilizado para diferentes pessoas em curto espaço de tempo, com oferta de serviços como lavagem de roupas.

Já no aspecto normativo, Raul Araújo lembrou que a Lei de Locações considera aluguel para temporada aquele destinado à residência temporária do locatário, por prazo não superior a 90 dias. A legislação, segundo o ministro, não trata da hipótese de oferta de imóveis com alta rotatividade nem da possibilidade de divisão de uma mesma unidade entre pessoas sem vínculo – como ocorreu no caso dos autos. As atividades realizadas por meio de plataformas como o Airbnb não possuem o modelo de negócio, nem a estrutura ou o profissionalismo suficientes para serem enquadradas na Lei 11.771/2008 (Política Nacional de Turismo), embora as características desse tipo de locação lembrem um contrato de hospedagem na modalidade atípica.

“Tem-se um contrato atípico de hospedagem, expressando uma nova modalidade, singela e inovadora, de hospedagem de pessoas sem vínculo entre si, em ambientes físicos de padrão residencial e de precário fracionamento para utilização privativa, de limitado conforto, exercida sem inerente profissionalismo por proprietário ou possuidor do imóvel, sendo a atividade comumente anunciada e contratada por meio de plataformas digitais variadas”, explicou o ministro.

“Assim, o direito do proprietário condômino de usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos artigos 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/1964, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício”, concluiu o ministro.

Posteriormente, em dezembro de 2023, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os embargos de declaração no âmbito do Recurso Especial nº 1819075 /RS, rediscutiu a questão sobre a possibilidade de condomínios proibirem condôminos de alugarem suas unidades residenciais através de plataformas digitais. Na análise dos embargos de declaração, a 4ª turma do STJ manteve a decisão anterior, proferida em abril de 2021.  Entretanto, nessa segunda decisão, o Superior Tribunal de Justiça argumentou que caso haja uma deliberação com quórum qualificado de dois terços entre os condôminos (art. 1351, CC), seria possível permitir a hospedagem via plataformas digitais, ou seja, ficaria a critério dos condomínios proibirem ou não esse tipo de uso.

Essa decisão tem um caráter bastante interessante, pois para o entendimento do STJ, se os condomínios possuem destinação residencial, a proibição desse tipo de uso já está expressa, e, portanto não haveria necessidade de se alterar a convenção de condomínio, a não ser para autorizar o uso por plataforma de aplicativo. Muitos condomínios pelo país estão alterando suas convenções para permitir ou proibir, de forma expressa esse tipo de uso. É certo que o quórum de alteração da convenção dá-se por dois terços dos votos.

Entende-se nesse texto, que a proibição de aluguel por plataforma depende da destinação do condomínio, se a destinação é residencial, o aluguel já é proibido, uma vez que viola a sua própria destinação, e, portanto, não haveria necessidade de alteração da convenção. Agora, se a convenção não é expressa a respeito, ou se há dúvidas da destinação do condomínio, seria interessante que os condôminos, em assembleia, decidam acerca do mesmo para que se evite problemas futuros e a proibição ou autorização fique expressa em ata e, de preferência, fique registrada na convenção de condomínio.

 

Referências

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1. Cidade de Nova York proíbe aluguéis por curto prazo como os do Airbnb. Disponível em: link.

2. GARATTONI, Bruno. Berlim proíbe aluguel de apartamentos pelo Airbnb; multa é de 100 mil euros Disponível em: link.

3. GARATTONI, Bruno. Berlim proíbe aluguel de apartamentos pelo Airbnb; multa é de 100 mil euros Disponível em: link.

4. FERRER, Isabel. Cidades europeias saturadas de turistas se unem contra o Airbnb. Disponível em: link.

5. SPAUTZ, Dagmara.  Balneário Camboriú proíbe aluguel por aplicativo para turistas de São Paulo. Disponível em: link. Acesso em: 02.06.2024.

6.   PROSCHOLDT, Eliane. Mudanças de normas para proibir aluguel por aplicativos. Disponível em: link. Acesso em 02.06.2024.

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