A degradação ambiental e o processo de tutela internacional do meio ambiente
A preocupação com o meio ambiente não é recente, advém desde os tempos mais remotos.1 O meio ambiente sempre esteve ligado ao progresso ou ao fracasso das civilizações. O desequilíbrio ambiental gerou guerras por áreas mais prósperas e modificou o quadro das sociedades em diversos períodos da história.
No momento atual não é diferente. Contudo, as mudanças climáticas não são mais oriundas um processo natural, de uma certa região, mas o resultado da própria conduta humana. A partir do século XVIII iniciou se, com a Revolução Industrial, um processo de mudanças aceleradas. O desenvolvimento tecnológico possibilitou o crescimento demográfico, o prolongamento da vida humana e a ocupação de novas terras; mas, por outro lado, criou o grande problema da degradação ambiental.2
Nas décadas de 1960 e 1970, momento do “despertar” na esfera comunitária para os valores ecológicos e mesmo para uma ética ecológica,3 o mundo consagrou a importância da tutela ao direito difuso ao meio ambiente equilibrado. A Declaração de Estocolmo4 organizada no âmbito das Nações Unidas dispôs:
Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa vida e nosso bem-estar.
Antes da década de 1970, a proteção ambiental era justificada muito mais pelo prisma dos interesses econômicos, do que sob o ângulo dos interesses ambientais. Foram nos contextos norte-americano e alemão que os sistemas político-jurídicos primeiro se desenvolveram a fim de impulsionar a proteção jurídica dos valores e direitos de matriz ecológica.5 Surge um sentimento de reconhecer um bem jurídico autônomo e de próprio valor intrínseco da natureza, pautado não só nas questões econômicas, mas, principalmente, nos interesses morais, culturais sociais, ecológicos e éticos.
Proteção constitucional ao meio ambiente e disposições acerca da geração de energia
Sarlet identifica três distintas fases legislativas no reconhecimento da legislação ambiental no Brasil: (I) a fase legislativa-fragmentária instrumental da produção ambiental; (II) a fase legislativa sistemático-valorativa da proteção ambiental; e (III) a fase legislativa da constitucionalização da proteção ambiental.6
Sobre o assunto, Benjamim leciona que o Brasil passou de colônia a Império; de Império a República; alternou regimes autoritários e democráticos; viveu diferentes ciclos econômicos; migrou do campo para as cidades; construiu meios de transportes modernos; fomentou a indústria; promulgou constituições e, por fim, incorporou direitos fundamentais.
Ensina que somente a partir de 1981 com a promulgação da Lei n. 6.938 de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, que se iniciou de fato um paradigma jurídico econômico que tratou da Terra e de seus processos ecológicos essenciais.7
Como descreve o autor, em uma primeira onda de constitucionalização ambiental, sobre a direta influência da declaração de Estocolmo, advieram as novas constituições dos países europeus que estavam se libertando de regime ditatoriais, como a Grécia em 1975 Portugal em 1976 e a Espanha em 1978. A Constituição Brasileira veio logo após, em 1988, e foi seguida por outras que foram promulgadas ou reformadas após a Rio-92.8
Em uma digressão histórica, a primeira constituição brasileira, outorgada em 1824, estava voltada à manutenção do Estado Monárquico, marcada pela figura do Poder Moderador. A Constituição de 1891, por sua vez, estabeleceu a independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, instituindo a forma federativa de Estado e a forma republicana de governo. Em razão de seu momento histórico, nenhuma delas abordou a respeito do tema.
A Constituição de 1934 foi a primeira a abordar explicitamente o assunto da energia, no seu artigo 5º, inciso XIX, “j”, estipulando que apenas à União cabia legislar sobre bens do domínio federal, riquezas do subsolo e, entre outros, energia hidrelétrica. Além disso, no artigo 119, tratou das questões relacionadas a minas, jazidas minerais, águas e energia hidráulica, regulamentando as autorizações e concessões.9 Já a Constituição de 1937, em período ditatorial, intensificou a intervenção do Estado na economia, mantendo à União a competência para legislar sobre energia. Em 1946, houve um retorno ao sistema adotado em 1934.
Em 1967, durante os regimes militares, o texto constitucional era significativamente mais abrangente que os anteriores, refletindo os avanços tecnológicos da época ao incluir não apenas a regulação da energia hidrelétrica, mas também outras fontes de energia. Como marco histórico importante, foi o primeiro documento constitucional a mencionar formas de geração de energia como elétrica, térmica e nuclear. No entanto, devido ao contexto social da época, manteve-se um caráter intervencionista.
Somente com o fim do regime militar e a promulgação da Constituição de 1988 o cenário pôde realmente progredir. A pressão internacional, em relação à consagração de valores ambientais, contribuiu para a promulgação de uma Constituição que refletisse mais diretamente os princípios do desenvolvimento sustentável.
Como pontua Sarlet:10
A nova formatação ecológica do Estado de Direito à luz de uma Constituição Ecológica, nesse novo cenário constitucional, tem por missão e dever jurídico vinculante para todos os entes estatais (Estado-Legislador, Estado-Administrador e Estado-Juiz)18 de atender ao comando normativo emanado do art. 225 da CF/1988, considerando, inclusive, o extenso rol exemplificativo de deveres de proteção ecológica elencado no seu § 1º, sob pena de, não o fazendo, tanto sob a ótica da sua ação quanto da sua omissão, incorrer em práticas inconstitucionais ou antijurídicas autorizadoras da sua responsabilização por danos causados a terceiros – além do dano causado ao meio ambiente em si.
Assim, a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova realidade para a proteção jurídica do meio ambiente. Especialmente, o artigo 225 tratou da obrigação da sociedade, do indivíduo e do poder público para com a preservação ambiental. Não desconsiderou o meio ambiente como um elemento indispensável para o desenvolvimento da infraestrutura e economia; pelo contrário, aprofundou as relações que este possui com a infraestrutura econômica.11 Ou seja, tratou de forma expressa sob o conceito de desenvolvimento sustentável.
Destaca-se que o termo foi cunhado no âmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas por meio do Relatório Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland) em 1987. O documento definiu-o como: “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.12
Disposições normativas a respeito das energias renováveis e seu papel para o desenvolvimento sustentável e a proteção ao meio ambiente
Com a promulgação da Constituição Federal, mais alinhada às questões ambientais, iniciou-se uma busca por maneiras de otimizar o setor de energia. Para isso, os poderes da República se empenharam em encontrar soluções para o problema, revisando e modernizando a legislação, com o objetivo de aumentar os investimentos em energia alternativa e aprimorar o planejamento do setor energético, considerado essencial para o progresso econômico do país.
Neste contexto, destacam-se algumas mudanças legislativas, como a promulgação da Lei n. 10.295 de 2001, que instituiu a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia, a Lei n. 10.438 de 2002, que criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (PROINFA), e a Lei n. 10.848 de 2004, que regulamentou a Comercialização de Energia Elétrica.13
A Lei n. 10.295 de 2001 visou a eficiência no uso dos recursos energéticos e a preservação ambiental. O poder executivo foi encarregado de estabelecer limites máximos de consumo de energia para máquinas e aparelhos, com base em critérios técnicos adequados, vinculando importadores fabricantes por meio de um programa de metas para monitorar o seu progresso.
A fim de implementar essas medidas, foi criado o Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência Energética (CGIEE) pelo Decreto n. 4.059 de 2001. Foi composto por representantes dos setores estratégicos de energia e por especialistas no assunto. As suas ações resultaram na necessidade de que os produtos disponíveis no mercado atendam aos padrões estabelecidos, o que consequentemente resultou em uma economia de energia para os consumidores finais.14
Outra relevante iniciativa foi a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, com o objetivo de aumentar a sua participação na matriz energética brasileira. De acordo com a Eletrobras, no levantamento feito em 2017, já possui um total de 119 empreendimentos, constituído por 41 usinas eólicas, 59 pequenas usinas hidrelétricas e 19 usinas térmicas movidas a biomassa. Embora não haja um incentivo específico de geração solar o PROINFA tem promovido a diversificação e a descentralização da geração de energia no Brasil.15
Além disso, a Lei de Comercialização de Energia Elétrica apresentou disposições que contemplam as fontes alternativas, especialmente no artigo 2º, §5º, II e III. Com o advento da Lei n. 14.300 de 2022, foi incluída a geração distribuída, gerada por consumidores independentes, em um contexto de incentivo à produção de energia solar.
5º Os processos licitatórios necessários para o atendimento ao disposto neste artigo deverão contemplar, dentre outros, tratamento para:
I – energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes;
II – energia proveniente de novos empreendimentos de geração; e
III – fontes alternativas.
IV – geração distribuída. (Incluído pela Lei nº 14.300, de 2022).
Observa se a verdadeira preocupação legislativa com a questão das energias renováveis, com início nos anos 2000. Esse processo permitiu o crescimento da produção de energia elétrica por fontes alternativas, inclusive fazendo com que os agentes econômicos do setor buscassem cada vez mais influenciar nas decisões de planejamento do Estado.
A legislação obrigou o poder público a dar maior atenção na gestão dos interesses do segmento, como por exemplo entre os interesses conflitantes do mercado de energias renováveis em relação ao mercado já estabelecido e consolidado de energias não renováveis, antes da necessidade de uma transição energética.16
Por fim, ainda há muito a ser feito, mas cabe destacar o importante papel do Marco Legal da Energia Solar. Após um processo regulatório por meio de Resoluções Normativas, que regeram a instalação e distribuição da energia solar no país, a legislação trouxe segurança jurídica para o setor de energia fotovoltaica, conceitos atualizados para o autoconsumo local e remoto, além de novas regras de conexão para o sistema. Resta claro que o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente dependem intrinsecamente da geração de energia limpa.
Referências
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ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Barueri: Atlas, p. 3-7; 31-40, 2023.
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição Brasileira. In: José Joaquim Gomes Canotilho, José Rubens Morato Leite (Orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 35-59.
ELETROBRAS. PROINFA. Eletrobras, 2017. Disponível em: Link. Acesso em: 10 jul. 2024.
NASCIMENTO, Rodrigo Limp. Energia solar no brasil: situação e perspectivas. Disponível em: Link. Acesso em: 10 jul. 2024.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo. Disponível em: Link. Acesso em 10 jul. 2024.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Our Commom Future. Disponível em: Link. Acesso em 10 jul. 2024.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, p. 19-34, p. 87-93, p. 117-144, 2023.
SILVA, Wanderson de Carvalho. A geração de energia solar como fator de desenvolvimento sustentável: aspectos jurídicos, econômicos e perspectivas para seu incentivo. São Paulo: Dialética, p. 42-81, 2022.
TRENNEPOHL, Terence Dorneles. A proteção do meio ambiente na Constituição Federal. In: Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento (Coords). Tratado de direito constitucional. São Paulo, Saraiva, 2012, p. 333-359.
1. TRENNEPOHL, T. D. A proteção do meio ambiente na Constituição Federal. In: Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento (Coords). Tratado de direito constitucional. São Paulo, Saraiva, 2012, p. 333.
2. Id. 2012, p. 334.
3. SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, p. 117.
4. ONU, 1972, p. 1.
5. SARLET; FENSTERSEIFER, op. cit., p. 118.
6. SARLET; FENSTERSEIFER, op. cit., p. 119.
7. BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição Brasileira. In: José Joaquim Gomes Canotilho, José Rubens Morato Leite (Orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 35.
8. Id., 2015, p. 36.
9. ANTUNES, P. B. Direito ambiental. Barueri: Atlas, p. 40, 2023.
10. SARLET; FENSTERSEIFER, op. cit., p. 349.
11. ANTUNES, op. cit., p. 40, 2023.
12. ONU, 1987, p. 1.
13. SILVA, Wanderson de Carvalho. A geração de energia solar como fator de desenvolvimento sustentável: aspectos jurídicos, econômicos e perspectivas para seu incentivo. São Paulo: Dialética, p. 66, 2022.
14. NASCIMENTO, Rodrigo Limp. Energia solar no brasil: situação e perspectivas. Disponível em: Link. Acesso em: 10 jul. 2024.
15. ELETROBRAS, 2017, p. 1.
16. SILVA, op. cit., p. 67.