Enquanto estratégia política de aniquilamento, o racismo possui múltiplas articulações. A raça — paradigma que estrutura a hierarquia, moderna e contemporânea, das humanidades — produz dinâmicas sistêmicas de ocultamento e execução de todas as presenças lidas pelas suas lentes injuriosas. Trata-se, portanto, de uma construção generalizada de desumanidades, a fim de que se justifique a barbárie contra vidas designadas como descartáveis. É comum às políticas discriminatórias requisitar a desmontagem das humanidades de corpos designados como dissidentes. Dessa forma, a violência pode atingi-los, visto que; além de escaparem aos limites da humanidade, tais corpos não são tocados pelo cuidado comumente associado à categoria humanidade.
A raça e o racismo gerenciam os espaços sociais que, em conexão com outras forças destrutivas como classe, gênero, sexualidade e capacidade, por exemplo, ampliam as chances de precarização das vidas. É importante frisar que a letalidade institucional que encurta a vida de jovens negros no Brasil é efeito de um sistema técnico, histórico e intencionalmente comprometido com a naturalização da violência. A banalização da violência é o fio condutor das práticas de extermínio que transitam na impossibilidade de reconhecimento em função do racismo estético, na negação da intelectualidade de sujeitos racializados pelo pacto destrutivo das epistemologias hegemônicas cadenciado pela branquitude, na execução pública de um homem negro no que podemos chamar de atualização técnica das câmaras de gás ou nos onze tiros nas costas de um corpo racializado.
A brutalidade, enquanto produto do racismo, revela uma estrutura que capitaliza a violência investida diuturnamente contra os sujeitos negros, aviltando a sua presença, a fim de que se normalize as tessituras de uma moralidade perversa que não mede esforços para capilarizar instrumentos de destruição mobilizados pela memória colonial. Nesse contexto, é possível observar que a violência explícita é, na verdade, efeito de uma estrutura que não só dá suporte às táticas de aniquilamento, mas garante que esses processos sejam incorporados como um destino, como parte substancial da realidade social. Se o racismo alimenta a moral restritiva e o seu fetiche pela destruição, é preciso um esforço ético que desnaturalize a barbárie.