Introdução
O planejamento sucessório visa garantir a transferência eficiente e organizada de bens e direitos após o falecimento de um indivíduo. Quando o patrimônio se encontra distribuído em diferentes países, como Brasil e Estados Unidos, o processo se torna mais complexo devido às diferenças legislativas e tributárias entre as jurisdições. Com o aumento de pessoas e empresas com ativos em ambos os países, a necessidade de um planejamento adequado é essencial para evitar custos desnecessários e disputas entre herdeiros.
Neste artigo, serão abordadas as principais características do planejamento sucessório internacional, com ênfase nos aspectos legais e tributários que envolvem a sucessão de bens, direitos e empresas localizados no Brasil e nos Estados Unidos. Serão discutidos os principais instrumentos utilizados para a efetivação de um planejamento sucessório eficiente, como testamentos, trustes e doações em vida, com base em uma análise comparativa das legislações dos dois países.
1. Diferenças Legais entre o Brasil e os EUA
Brasil e Estados Unidos possuem sistemas jurídicos distintos. O Brasil adota o sistema de civil law, baseado em códigos legais abrangentes, enquanto os EUA utilizam o common law, fundado em precedentes judiciais. Essas diferenças impactam diretamente a forma de herança de bens e empresas, influenciando o planejamento sucessório.
No Brasil, a herança é regulamentada pelo Código Civil (Lei 10.406/2002), garantindo aos herdeiros necessários, como cônjuges e filhos, uma parte da herança, independentemente da vontade do falecido (reserva legítima). Já nos Estados Unidos, o testador tem maior liberdade para dispor de seus bens, com poucas restrições, o que proporciona mais flexibilidade no planejamento sucessório. Além disso, o processo sucessório nos EUA costuma ocorrer nos tribunais de “probate”, onde a validade do testamento é avaliada.
Diante dessas diferenças, o planejamento sucessório internacional exige uma análise cuidadosa das legislações de ambas as jurisdições, para garantir que a transferência de bens ocorra conforme a vontade do titular, respeitando as normas de cada país.
2. Aspectos Tributários do Planejamento Sucessório
Os aspectos tributários são uma preocupação central no planejamento sucessório internacional, especialmente quando o patrimônio está distribuído entre Brasil e Estados Unidos. Cada país possui regras próprias para a tributação de heranças e doações.
No Brasil, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) incide sobre a transferência de bens e direitos por herança ou doação, com alíquotas que variam conforme o estado, mas com um teto de 8%. Apesar da existência do imposto de sucessão, as alíquotas brasileiras são consideradas baixas em comparação a outros países.
Nos Estados Unidos, a tributação sobre heranças é mais complexa e pode ser significativamente mais alta. O imposto federal sobre heranças (“estate tax”) é aplicado a patrimônios acima de um certo valor (atualmente cerca de US$ 12,92 milhões, conforme dados de 2023), com alíquotas que podem chegar a 40%. Além disso, alguns estados, como Nova York e Califórnia, também impõem tributos estaduais sobre heranças, aumentando a carga tributária sobre os herdeiros.
Para reduzir a tributação em ambas as jurisdições, é crucial que o planejamento sucessório considere as isenções e limites estabelecidos por cada país, bem como o uso de instrumentos que facilitem a transferência eficiente de patrimônio, como trustes, que proporcionam flexibilidade para evitar a dupla tributação.
3. Instrumentos de Planejamento Sucessório
Dentre os principais instrumentos utilizados no planejamento sucessório internacional estão os testamentos, os trustes e as doações em vida.
3.1. Testamento
O testamento é amplamente utilizado no planejamento sucessório. No Brasil, pode ser elaborado de forma pública, particular ou cerrado, conforme previsto no Código Civil. Nos Estados Unidos, o testamento também é comum, com sua validade sendo verificada pelo processo de “probate”. No entanto, o testamento por si só pode não ser suficiente para proteger o patrimônio de maneira eficiente, especialmente em países com sistemas tributários mais rigorosos.
3.2. Trustes
O truste é uma ferramenta amplamente utilizada nos Estados Unidos e outros países de common law, mas de aplicação mais restrita no Brasil. Ele permite que o titular dos bens transfira sua propriedade para um terceiro (o “trustee”), que administrará o patrimônio em benefício de um ou mais beneficiários. Trustes podem ser revogáveis ou irrevogáveis e são uma forma eficaz de evitar o “probate” e reduzir a carga tributária.
No contexto de um planejamento sucessório internacional, o truste pode ser uma ferramenta essencial para proteger o patrimônio de tributações excessivas e conflitos judiciais. Além disso, trustes podem ser utilizados para gerir empresas familiares e garantir que sua administração seja mantida conforme os desejos do falecido.
3.4. Doação em Vida
A doação em vida é outro mecanismo eficiente para antecipar a transferência de bens, evitando a tributação sobre herança. No Brasil, as doações em vida também estão sujeitas ao ITCMD, porém, em muitos casos, pode ser mais vantajoso do que aguardar o processo sucessório. Nos Estados Unidos, as doações também são tributadas, mas existem isenções anuais, que permitem a doação de até US$ 17.000 por ano, por doador, sem a incidência de impostos.
4. Sucessão de Empresas
A sucessão de empresas é um dos aspectos mais complexos do planejamento sucessório, especialmente em contextos internacionais. No Brasil, a sucessão de empresas familiares é regulada tanto pelo Código Civil quanto pela legislação específica de sociedades empresariais. Nos Estados Unidos, a transferência de empresas pode ser realizada por meio de ações ou participações societárias, o que facilita a gestão do processo sucessório.
A criação de uma holding patrimonial é uma estratégia amplamente utilizada em ambos os países, permitindo proteger o patrimônio empresarial e viabilizar sua transferência de forma mais eficiente. Ao incluir participações societárias em um truste ou em uma holding, é possível garantir a continuidade das operações empresariais e reduzir o risco de disputas entre herdeiros.
Conclusão
O planejamento sucessório internacional é indispensável para indivíduos com patrimônio em diferentes países, como Brasil e Estados Unidos. As distintas legislações e regimes tributários dessas jurisdições apresentam desafios que podem ser superados com o uso de ferramentas adequadas, como testamentos, trustes e doações em vida. Um planejamento sucessório bem elaborado não apenas assegura a transferência eficiente de bens e empresas, mas também minimiza conflitos e a carga tributária, garantindo a proteção do patrimônio e a segurança dos herdeiros, além de preservar a continuidade das operações empresariais.
Referências
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ANDRADE, Maria de Fátima. Planejamento sucessório: aspectos jurídicos e fiscais. São Paulo: Atlas, 2015.
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