Intervalo para Recuperação Térmica: Uma Análise Técnica do Parâmetro Decisório do Acórdão TST-Ag-RR-1166-57.2019.5.22.0101

Intervalo para Recuperação Térmica: Uma Análise Técnica do Parâmetro Decisório do Acórdão TST-Ag-RR-1166-57.2019.5.22.0101

Recuperação Térmica

INTRODUÇÃO

A partir de uma abordagem metodologia indutiva, a presente reflexão analisará o caso em que se decidiu sob a natureza jurídica do intervalo para recuperação térmica, assim como de que forma será o pagamento destas, em caso de supressão frente a sua eventual não concessão. Além de apontamentos frente ao caso concreto, pretende-se estabelecer construções para situações outras, mas que, naturalmente, devem ser refletidas dentro de circunstâncias correlatas. De forma a procedimentalizar o ato ponderado, o estudo de caso visa prospectar modelos ideais a partir do apreço do tema destacado.

ANÁLISE DE CASO – TST-Ag-RR-1166-57.2019.5.22.0101

Em análise, o acórdão TST-Ag-RR-1166-57.2019.5.22.0101 julgado pela 3ª Turma do TST, relatado pelo Ministro Mauricio Godinho Delgado.

O caso em apreço versa sobre o intervalo para recuperação térmica previsto no anexo n.º 3 da NR-15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata dos limites de exposição ao calor. E o objeto central é a decisão sobre a natureza jurídica da não concessão desse intervalo, ou seja, se, na sua ausência, o tempo poderá ser considerado como de hora extraordinária.

Em breve síntese, a parte autora alega ter percebido adicional de insalubridade pelo trabalho exposto ao calor, mas pleiteia o pagamento de trinta minutos de forma extraordinária para cada hora de trabalho, tendo em vista a ausência de concessão de intervalo para fins de recuperação térmica. Alega que laborava exposto ao sol, em atividade considerada moderada com IBUTG calculado média de 28,0ºC e com a taxa de metabolismo médio de 300 Kcal/h.

O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido, por entender que o anexo n.º 3 da NR-15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego não fixa uma nova jornada de trabalho com a previsão de intervalos, mas apenas fixa limites de tolerância. Caso desrespeitados, incide, apenas, o adicional de insalubridade, já que se estaria diante de uma atividade prejudicial à saúde do trabalhador, tal como todas as demais que contemplam a exigência no pagamento do adicional. Alega o julgador de origem, ainda, que a própria norma estabelece que esse período de pausa não trata de intervalo – tal como previsto nos arts. 71 e 253 da CLT – já que autoriza que o trabalho prossiga, mas em ambiente com temperatura mais amena. Não se trata, pois, de intervalo legal obrigatório.

Com Recurso Ordinário pela parte reclamante, o acórdão seguiu na mesma linha decisória, acrescendo que, se as pausas de recuperação térmica tivessem sido concedidas, estaria neutralizado o fator gerador do adicional de insalubridade. Logo, corolário lógico seria interpretar que o pagamento do adicional de insalubridade ocorreu justamente pela falta do intervalo. Ademais, a sonegação dessas pausas constituiria mera infração administrativa, e não o pagamento como hora extraordinária.

A parte autora interpôs Recurso de Revista, que foi admitido por divergência jurisprudencial. No TST, o Recurso de Revista foi provido de forma monocrática pelo Ministro Mauricio Godinho Delgado, o que motivou a interposição de Agravo Regimental que, finalmente, deu origem ao acórdão que ora se analisa.

Pois bem, entendeu o Ministro relator que se aplica, ao caso, de forma analógica, a Súmula 438 do TST, que determina o pagamento de horas extraordinárias para o caso de não concessão de intervalos térmicos para trabalhadores em câmaras frigoríficas. Prossegue no entendimento, afirmando que o pagamento de adicional de insalubridade não isenta a concessão de intervalos e não conflita com o pagamento de horas extraordinárias em sua ausência, visto que parcelas distintas. O Ministro relator cita diversos julgados oriundos do TST que corroboram a tese esposada. Os Ministros que compõem a Turma seguiram o entendimento do relator e negaram provimento ao Agravo Regimental. Esse acórdão transitou em julgado.

COMENTÁRIO CRÍTICO – IDEOLOGIA CELETISTA E O PERIGOSO “BIS IN IDEM” NO INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA

Desde a sua Exposição de Motivos,1 a CLT apontava a preocupação com o tema que toca a Higiene do Trabalho,2 seja no que engloba a parte instrumental para a realização de determinadas atividades (equipamentos de segurança); seja no que compreende a respeitabilidade (condutas e métodos de prevenção a serem adotados no exercício da lida), cuidados estes, que o sistema exige que aqueles que possuem o condão de gerir o negócio, os tenham.

É por isso que, Góes e Alves3 sustentam que:

[…] mesmo ainda enquanto Projeto de Lei (Brasil, 1943b), as linhas celetistas já se desenhavam protetivas, não apenas no que abrange os direitos trabalhistas que ali passariam a ser garantidos, mas através de todo o invólucro social-humano que lhe permeia e conclamaria a sua preservação. Tal argumento se sustenta, especialmente, por seu projeto sinalizar passagens relativas à Higiene e Segurança do Trabalho, à exigência de verificações em instalações de estabelecimentos de trabalho, assim como a necessidade de utilização dos equipamentos de segurança para fins de exercício da labuta.

Naturalmente, sob a égide de documento que desde o seu introito se preocupou com tal matéria, a CLT4 dedicou-se através de capítulo próprio a disciplinar detalhes a serem observados quando diante de relações trabalhistas. Ainda assim, ao longo de seus quase mil artigos, as linhas destinadas a regulamentar as relações de trabalho possuem diversas outras particularidades que tocam os assuntos que se aproximam da qualidade sanitária do ambiente laboral, bem como a necessidade de sua proteção. Para os fins deste estudo, destaque-se a circunstância prevista no artigo celetista de número 200, inciso V, da seção XV, a qual prevê capítulo que dispõe sobre Outras Medidas Especiais de Proteção.

O abre-alas do apontado capítulo, traz conjugações importantes sobre tema. Isto, porque, aduz que será incumbência do Ministério do Trabalho estabelecer disposições normativas capazes de complementar todas as peculiaridades que o correspondente traria.5 Em outras palavras, ao Órgão correspondente incumbe determinar de que forma as condições de trabalho, ali apontadas como nocivas, devem ser prevenidas, protegidas ou evitadas. Não é à atoa, que atualmente, no que toca o mundo laborativo, existem quase quatro dezenas delas.6

Ademais, ainda, as discussões que envolvem a área que se preocupa com a Higiene e Segurança do Trabalho possuem manancial de súmulas e orientações jurisprudenciais visando acomodar aquilo que se desenvolve no campo dos fatos, arrimados pela tradução legislativa corresponde, mesmo que isso, na prática judiciária, suscite discussões, como no caso e apreço, notoriamente, a partir da inteligência da Orientação Jurisprudencial 173, da SBDI-1:7

173. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR. (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE). II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE.

Nesse contexto, não se desconhece que um ambiente de trabalho saudável e equilibrado é o fim a ser buscado pelos empregadores em um contrato de emprego.8 Entretanto, necessário se ter em mente que o adicional de insalubridade, sem entrar em um estudo aprofundado sobre o tema, representa compensar o empregado por uma atividade que lhe pode causar danos contínuos, o que pode lhe trazer complicações a longo prazo.9

Diante disso, se torna necessário refletir se, na hipótese de pagamento do adicional de insalubridade, a indenização pela não concessão de pausas configura “bis in idem”, visto que ambas as parcelas, ainda que sejam evidentemente distintas, possuem o mesmo fato gerador, ou seja, ambas as parcelas decorrem do trabalho em condições superiores aos limites de tolerância para exposição ao calor. Some-se a isso o fato de que as Normas Reguladoras que tratam da questão não identificam a obrigação de pausas, mas apenas apresentam um balizador para enquadramento, ou não, de trabalho insalubre. Não são, como bem entendeu o Juiz de origem e os Desembargadores, intervalos legais e obrigatórios previstos nos arts. 71 e 253 da CLT.

Elucidadora é a Súmula n.º 58 do TRT da 18ª Região:

SÚMULA Nº 58
TRABALHO A CÉU ABERTO. CALOR. PAUSAS PREVISTAS NO QUADRO 1 DO ANEXO 3 DA NR-15. NÃO CONCESSÃO. DIREITO ÀS HORAS EXTRAS CORRESPONDENTES.
A não concessão ou a concessão parcial das pausas previstas no Quadro 1 do Anexo 3 da NR-15, do Ministério do Trabalho e Emprego, não enseja o pagamento do período correspondente como labor extraordinário, porquanto apenas caracteriza esteve o empregado exposto ao agente insalubre calor acima dos limites de tolerância.
(RA nº 098/2016 – DEJT: 29.08.2016, 30.08.2016, 31.08.2016)

A origem dessa Súmula foi o incidente de uniformização jurisprudencial de n.º 0010105-54.2016.5.18.0000, relatado, à época, pelo agora Ministro do TST Breno Medeiros e representa, no entender dos autores, o caminho a ser seguido em casos análogos ao que ora se analisa.

CONCLUSÃO

Ainda que, de fato, seja o entendimento adotado no acórdão ora analisado o dominante na Corte Superior Trabalhista, o presente texto convida à reflexão, diante de claros indícios de pagamento em repetição ou, pelo menos, parcelas decorrentes do mesmo fato gerador. Em que pese esse entendimento majoritário fundamente na diferenciação da natureza das parcelas, o fato gerador é, indiscutivelmente, o mesmo, e é essa a característica que deveria ser analisada, a teor do que ocorreu nos julgados das instâncias inferiores do caso que ora se analisa e, a exemplo, os casos oriundos do TRT da 18ª Região, que, por sua recorrência, fizeram merecer uma Súmula específica nesse Tribunal.

 

Referências

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1. BRASIL. Exposição de Motivos da Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, 19 abr. 1943. Disponível em: link. Acesso em: 19 jun. 2024.

2. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1943. Disponível em: link. Acesso em: 19 jun. 2024.

3. GÓES, Maurício de Carvalho; ALVES, Andressa Munaro. O Princípio da Precaução e o Ambiente de Trabalho: Nanotecnologias no passado, presente (e futuro?) In: Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: convergências, divergências e insurgências Tecnológicas / Jorge Luiz dos Santos Junior (organizador) – Curitiba: CRV, 2024. 240 p. 200.

4. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1943. Disponível em: link. Acesso em: 19 jun. 2024.

5. “Art. 200 – Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: […]” (BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1943. Disponível em: link. Acesso em: 19 jun. 2024.)

6. BRASIL. Normas Regulamentadoras Vigentes. Ministério do Trabalho e Emprego. Publicado em 22/10/2020. 08h22. Atualizado em 12/12/2023. 18h03. Disponível em: link. Acesso em: 19 jun. 2024.

7. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial 173, da SBDI-1. Disponível em: link. Acesso em: 15 jun. 2024.

8. STÜRMER, Gilberto; MIRANDA, Diogo Antonio Pereira. A cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade sob uma ótica constitucional e protetiva no Brasil. REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO (SÃO PAULO), v. 227, p. 69-89, 2023.

9. BUCK, Regina Célia. Cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. São Paulo: LTr, 2001. p. 65.

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