1. Introdução
Com o avanço da sociedade da informação e a consequente migração das interações humanas para o meio digital, é inevitável que o Poder Judiciário enfrente o desafio de adaptar os seus paradigmas probatórios às novas formas de comunicação. Dentre os elementos mais recorrentes nesse cenário estão as capturas de tela, popularmente conhecidas como prints, utilizadas como tentativa de demonstração de diálogos travados em aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, Telegram, Facebook Messenger, entre outros.
Não obstante a sua aparente simplicidade e praticidade, a utilização dos prints como meio de prova levanta importantes questões no campo do direito processual civil, sobretudo quanto à sua autenticidade, unilateralidade e fragilidade técnica. Tais características impõem limites à sua eficácia e ensejam a busca por mecanismos probatórios mais robustos, dentre os quais se destaca a ata notarial, instrumento dotado de fé pública e presunção de veracidade.
Este artigo propõe-se a analisar criticamente a admissibilidade e a força probante dos prints no processo civil brasileiro, à luz do art. 373 do CPC, bem como a demonstrar as vantagens e restrições do uso da ata notarial como meio de prova documental com maior valor jurídico.
2. A Distribuição do Ônus da Prova no Código de Processo Civil
Nos termos do art. 373 do Código de Processo Civil de 2015, “o ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. Trata-se da consagração do princípio da distribuição estática do ônus da prova, com ressalvas às hipóteses de distribuição dinâmica.
Dessa forma, é ônus da parte interessada demonstrar os fatos por ela alegados, valendo-se dos meios de prova admitidos em direito. Nesse contexto, as provas digitais passaram a ganhar relevância processual, sendo os prints uma das formas mais acessíveis e utilizadas, por sua simplicidade de obtenção e baixo custo.
3. A Natureza Jurídica da Captura de Tela como Documento
A doutrina majoritária reconhece que o print constitui um documento digital, ainda que de confecção unilateral. Enquadra-se, portanto, na definição ampla de documento e meio de prova constante do CPC, que compreende todo escrito, instrumento ou papel público ou particular, passível de comprovação de fatos juridicamente relevantes.
A despeito disso, sua eficácia probatória, temos que ela é passível de questionamentos, notadamente porque não se reveste de qualquer formalidade pública, tampouco é imune à manipulação. Por ser produzido fora do contraditório, carece de presunção de veracidade e, se impugnado, requer confirmação por outros meios de prova.
4. Limitações Técnicas e Riscos de Manipulação
É notório que as capturas de tela podem ser facilmente editadas mediante o uso de ferramentas amplamente disponíveis, tais como o Paint, o Photoshop, o Canva, ou ainda pela simples alteração de elementos HTML em navegadores como o Google Chrome e o Firefox. A simulação de conversas falsas, adulteração de horários e conteúdo textual, torna-se possível mesmo para usuários leigos.
Essa fragilidade técnica acarreta severas implicações para o processo, pois permite à parte adversa questionar a autenticidade da prova, exigindo do juiz maior cautela ao valorar tais documentos. Em muitas oportunidades, as instâncias superiores têm reiterado que a prova digital sem lastro contextual e sem elementos de autenticação não pode ser considerada isoladamente como suficiente à formação da convicção judicial.
Assim, a simples juntada de prints, desacompanhada de metadados, informações de origem, identificação inequívoca de interlocutores ou reforço probatório complementar, não supre o grau de certeza exigido para a demonstração de fatos relevantes.
5. A Ata Notarial como Alternativa Técnica Segura
Diante das limitações mencionadas, a ata notarial desponta como instrumento de elevada utilidade prática. Trata-se de instrumento público lavrado por tabelião de notas, nos termos dos arts. 7º, III, e 215 do Código Civil, e regulado pela Lei nº 8.935/94. Possui fé pública e presunção relativa de veracidade, conferindo maior confiabilidade às informações nela descritas.
Ao lavrar uma ata, o tabelião constata e relata fielmente o conteúdo exibido em dispositivos eletrônicos, tais como conversas, postagens, mensagens e sites, descrevendo, inclusive, dados como números de telefone, endereços eletrônicos, horários, plataformas acessadas e contexto geral da informação. Tal procedimento quebra a unilateralidade da produção da prova, oferecendo à parte requerente um documento dotado de maior credibilidade perante o juízo.
De mais a mais o artigo 405 do CPC nos explica que “O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença”, aumentando ainda mais a credibilidade da ata notarial.
Apesar disso, é imprescindível destacar que a ata notarial não goza de presunção absoluta de veracidade, podendo ser infirmada por prova em sentido contrário. Sua eficácia probatória reside na fé pública do tabelião, não em eventual prova técnica pericial.
6. Limitações Práticas da Ata Notarial: Custo e Acesso
Não obstante a sua superioridade técnica e jurídica, a ata notarial encontra limitações práticas significativas. Por ser um ato notarial remunerado por tabela própria, pode se tornar onerosa para as partes hipossuficientes economicamente, notadamente em localidades com poucos cartórios ou com tabelas elevadas.
Além disso, muitos tabeliães recusam a aplicação do benefício da gratuidade de justiça ao ato notarial, sob a justificativa de que a Lei nº 8.935/94 não prevê expressamente tal isenção. Alegam, com fundamento no art. 5º, II, da Constituição Federal, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, motivo pelo qual apenas uma alteração legislativa ou decisão judicial específica poderia compelir o tabelião a conceder o benefício.
Essa limitação fática acaba por restringir o acesso à ata notarial às classes mais favorecidas economicamente, comprometendo a paridade de armas entre os litigantes.
7. Considerações Finais
A evolução da prova digital impõe ao operador do direito o dever de refletir criticamente sobre os instrumentos utilizados pelas partes para demonstrar seus direitos. As capturas de tela, conquanto aceitas como meio de prova documental, devem ser tratadas com cautela, especialmente quando desacompanhadas de elementos que lhes confiram maior robustez, como metadados, registros complementares ou testemunhos convergentes.
A ata notarial, por sua vez, apresenta-se como meio probatório idôneo e eficaz, apto a conferir maior credibilidade às alegações formuladas, sobretudo em casos que envolvam prova digital suscetível de contestação.
Contudo, a restrição econômica ao seu acesso impõe ao legislador e ao sistema de justiça uma reflexão urgente sobre a possibilidade de ampliação do benefício da gratuidade de justiça aos atos notariais essenciais à formação do convencimento judicial, sob pena de se criar uma prova de primeira classe, acessível a poucos, e uma prova de segunda classe, vulnerável e insuficiente, imposta aos economicamente desfavorecidos.
Diante disso, recomenda-se que o litigante, sempre que possível, reforce os prints com outros elementos probatórios convergentes e, nos casos de maior complexidade ou relevância, considere a lavratura de ata notarial, visando a uma melhor recepção judicial da prova produzida.