As mortes de Guilherme Dias Santos Ferreira e Fernando Vilaça da Silva revelam como o racismo e a ciseterobrutalidade operam como sistemas políticos que não apenas regulamentam a experiência social, mas também determinam como — e quais — vidas podem seguir livremente seus cursos. Guilherme Dias, homem negro, foi executado com um tiro na cabeça ao sair do trabalho. Fernando Vilaça, adolescente de 17 anos, foi brutalmente assassinado em razão de sua homossexualidade.
O racismo, enquanto forma de gestão das relações político-sociais, tem como premissa a hierarquização das presenças políticas, a partir da designação de um corpo normativo. A ciseterobrutalidade, por sua vez, impede que pessoas LGBTQIAPN+ sejam significadas como humanas, pois coloca em negociação constante suas vidas e mortes. Além disso, associa suas corporalidades, experiências, intelectualidades e afetos à injúria, à patologia e à criminalização — fazendo com que se exija, como um compromisso moral restritivo, a sua execução, simbólica e concreta.
Observamos, nesse contexto, a construção de uma moralidade que, no afã de naturalizar uma ordem de mundo alicerçada na branquitude e na ciseteronorma, implementa processos sistêmicos de execução — de necropolítica, nos termos do filósofo camaronês Achille Mbembe. Trata-se de uma composição da realidade política que se interessa, de forma multidimensional, pela neutralização da humanidade dos corpos designados como dissidentes e, mais do que isso, que não economiza o uso de tecnologias brutalidade, pois seu maior propósito é fazer morrer.
Estamos diante de um sistema moral que restringe os limites do reconhecimento e opera por meio de uma lógica de poder antropofágica: grupos sociais que se apresentam como norma — e que manipulam os dispositivos de poder para naturalizar sua presença nos centros político-sociais — alimentam-se dos “outros”, dos corpos dissidentes eliminados, como estratégia para garantir a continuidade de sua hegemonia.
Só avançamos na construção de uma realidade ética se caminharmos na contramão das moralidades estruturalmente restritivas que, ao cristalizarem e naturalizarem a barbárie, fazem da morte não uma exceção, mas uma ferramenta política recorrente.