Os advogados familiaristas são os primeiros a serem instados a buscar instrumentos jurídicos que possam colaborar com os novos anseios sociais, porque mais do que ferramentas jurídicas, esses profissionais buscam a realização da felicidade e da paz das pessoas e das famílias que os procuram.
Por isso mesmo, foi nos escritórios desses advogados que começou a se perceber o aumento do divórcio de pessoas com mais de 50 anos; aumento esse significativo quando se analisado os números divulgados pela Estatísticas do Registro Civil do IBGE.
Segundo o divulgado, 30% dos divórcios ocorrem entre pessoas de 50 anos, demonstrando um crescimento de 200% se comparado com o percentual de uma década que era inferior a 10% dos divórcios.
Assim não é difícil dizer que se trata de uma revolução no contexto social, e que exige uma análise jurídica para que se possa entender os novos anseios sociais e assim criar respostas e medidas eficientes para a proteção das pessoas que buscam amparo na legislação brasileira.
O fenômeno está sendo chamado de “divórcio cinza”, e não é uma tendência apenas brasileira, ganhando força na Europa e Estados Unidos, também; e tem características especificas: a faixa etária que se concentra entre 50 e 70 anos de idade; a duração do casamento é entre 15 e 30 anos; são as mulheres com independência financeira consolidada que mais buscam esse tipo de divórcio, e a motivação está na busca por realização pessoal e novos propósitos de vida.
A longevidade da vida humana, com o aumento da busca da qualidade de vida e assim o consequente aumento da expectativa de vida trouxe as pessoas a possibilidade de transformar conceitos de vida aos quais uma geração foi submetida, entre elas os valores matrimoniais rígidos.
A transformação que possibilitou as pessoas dessa geração a entender que não se deve manter um casamento apenas por obrigação social, possibilitou que elas pudessem resignificar o conceito de felicidade, sem mais carregar o estigma do divórcio das décadas passadas.
As pessoas passaram a buscar a realização de desejos, planos esquecidos e a busca de novos relacionamentos, porque entenderam que a busca pela felicidade não está limitada pela idade, e novos recomeços são possíveis e bem-vindos.
Embora possa causar estranheza o término do casamento no divórcio cinza seja de casamentos com, no mínimo, 16 anos de duração, a explicação pode estar no fato dos filhos já serem adultos e serem independentes, muitos já com famílias constituídas, o que faz com que os pais se sintam mais livres para buscar a felicidade e recomeçar.
Mas, acredito, que a independência financeira das mulheres pode ser considerada a mais forte e importante característica para o divórcio cinza, que não vê mais necessidade em permanecerem em casamentos infelizes, ou sem perspectiva de mudanças por medo de enfrentar trabalho ou solidão, sentindo-se mais livres para tomar decisões para a felicidade, bem-estar delas e recomeços.
A decisão de divorciar-se, contudo, nunca é fácil, nem mesmo na hipótese do divórcio cinza, onde se verifica uma escolha consciente e libertadora de pessoas mais maduras e com experiência de vida; e irá acarretar desafios emocionais significativos após décadas de convivência.
Por isso é importante nos divórcios tardios que se busquem cuidados necessários focados na segurança patrimonial e no bem-estar emocional.
É preciso observar os riscos financeiros que esse divorcio pode acarretar para as partes, especialmente se um dos cônjuges não poderá ficar fragilizado financeiramente, pois embora se identifique que em grande parte dos casos há independência financeira dos cônjuges, podem haver situações em que um dos não tenha essa independência financeira.
Assim, é necessário que se pensa na reorganização financeira que não abrangerão a aposentadoria e as previdências privadas; mas também a renda mensal e os planos de saúde desse casal, do mesmo modo se estudar como será a partilha dos bens adquiridos ao longo dos anos de casamento, sem que nenhum dos cônjuges sofra prejuízo na partilha, mas também na manutenção dos bens que lhe couber.
Na hipótese do cônjuge dependente financeiramente, muito além do direito à meação, ainda, será necessário se planejar como será seu futuro e assim verificar a possibilidade de alimentos compensatórios e a pensão alimentícia, uma vez que em nenhum dos casos há direito automático, mas que não impede de que seja planejado e acordado pelo casal.
Quanto ao impacto emocional, ainda que o casal se sinta preparado e deseje buscar novos caminhos para recomeçar e ser feliz, pode haver, em maior ou menor escala, desafios emocionais oriundos dos anos de compartilhamento de vida onde se fará necessário a busca de apoio terapêutico, individual e até familiar.
E no âmbito jurídico, é preciso que os advogados familiaristas estejam preparados para receber essas famílias buscando organizar esse divórcio tardio de forma que não haja uma família também divorciada, mas uma família resignificada.
Para isso, é preciso que se observe, em alguns casos, as proteções especiais do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003), que estabelece proteções especiais para pessoas acima de 60 anos, até mesmo porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já vem consolidando entendimentos importantes sobre o tema, como a manutenção de alimentícia em favor de pessoa idosa custeada pelo ex-cônjuge, considerando o princípio de solidariedade familiar e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
E, ainda, a não obrigatoriedade do regime da separa de bens no casamento de pessoas idosas se já viviam em união estável iniciadas quando não havia a restrição legal à escolha do regime.
É, assim, fundamental que se busque equilibrar a autonomia de vontade do casal com a proteção contra abusos em caso de capacidade civil, diferenças patrimoniais significativas e, principalmente, a existência de influências indevidas na tomada de decisões de um ou de ambos os cônjuges.
Portanto, o divórcio cinza torna possível o direito ao recomeço e a busca pela felicidade, demonstrando que ninguém está limitado pela idade que tem, mas é igualmente importante que se busque orientação jurídica e psicológica para que esse recomeço seja mais fácil e não haja arrependimentos e prejuízos que tornarão as pessoas prisioneiras de más decisões, que serão impeditivos do recomeço e felicidade almejados.
Referências
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas do Registro Civil 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2024.
SEGREDO, O. Entendendo o “divórcio cinza”: por que essa tendência tem crescido? https://osegredo.com.br/entendendo-divorcio-cinza/
COSTA, Gabriela. O Divórcio Cinza no Brasil: Uma Análise Jurídica e Social do Fenômeno que Transforma o Direito de Família Contemporâneo. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/divorcio-cinza/4024173172?msockid=0a81ca16cd7e682f220edf29cc29699e
VALTÃO, Maria Elisa. Divórcio Cinza: o Fim do Casamento Após os 50 Anos. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/divorcio-cinza-o-fim-do-casamento-apos-os-50-anos/4166482418?msockid=0a81ca16cd7e682f220edf29cc29699e
EXAME. O que é o ‘divórcio cinza’ e por que ele está crescendo nos últimos anos? https://exame.com/pop/o-que-e-o-divorcio-cinza-e-por-que-ele-esta-crescendo-nos-ultimos-anos/.
Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto da Pessoa Idosa. Brasília, DF: Presidência da República.