O corpo no limiar da subjetividade: desvelando categorias

O corpo no limiar da subjetividade: desvelando categorias

corpo

O corpo como lugar privilegiado da ação desempenha papel fundamental na construção da existência do ser-no-mundo, porque carrega um conjunto de categorias que o impedem de sair de cena,   e são construídas a partir das significações das representações, dos imaginários e dos limites, pois a realidade permite perceber as nuanças que esse carrega, bem como exercer a função de mediação entre o sujeito  e o mundo e, desempenhar os vários papéis que lhe são apresentados no decorrer da sua existência, proliferando novas imagens de subjetividade apresentadas, neste texto, a partir das diversas categorias elencadas que, reunidas, buscam explicitar por que o corpo é um nó de significações vivas.

O corpo é um elemento percipiente que abarca o espaço e o habita. É o que propicia o conhecimento, uma vez que, inicialmente, apreende a significação das coisas e, desta forma, realiza-se como corpo-próprio e, não é entendido como um mero objeto exterior que ofereceria somente a particularidade de estar em um lugar, em um determinado momento; seu contorno é uma fronteira em que as relações espaciais não transpõem, pois, as partes do espaço se relacionam umas com as outras de maneira original, porque elas não são mostradas umas ao lado das outras, mas envolvidas umas com as outras.

Diante do exposto, pode-se afirmar que o corpo é um mediador entre o ser-no-mundo, os objetos e o mundo, constituindo-se campo privilegiado onde as experiências são realizadas, e se move em um espaço  construído a partir das experiências vivenciadas pelo ser-no-mundo. Por isso, o que possibilita a realização dessas experiências é a motricidade, e esta é compreendida como uma ferramenta da intencionalidade, pois “[…] quando dirijo minha mão para um objeto, sei implicitamente que meu braço se distende, e, quando movimento os olhos, levo em conta seu movimento, sem tomar consciência expressa dele, e compreendo através dele […].” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 196, p.97).

Caso o ser-no-mundo resolva andar, saltar, correr ou pegar um objeto, as pernas e os braços se movem sem a necessidade de pensar ou mesmo dirigir a atenção para a parte do corpo que busca executar um movimento, haja vista que, estes mecanismos motores se encontram introjetados na memória corporal, e, quando se deseja executar as ações anteriormente descritas, o corpo-próprio realiza seu cálculo espacial.

No dizer de  Merleau-Ponty (1994), a motricidade é uma das potencialidades da corporeidade presente durante toda a existência, oferecendo um exercício de aprendizado constante. O corpo possui uma sabedoria que lhe é própria, aprende, incorpora, reformula e jamais esquece certos hábitos, o que ressalta seu aspecto particular de ser um espaço de saberes e aprendizados.

O hábito expressa o poder que o corpo tem de compreender e se deixar “penetrar por uma significação nova” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 203), possibilita ao ser-no-mundo entrar em contato com os objetos, uma vez que, este contato gera um emaranhado de significados e tem a capacidade de “emprestar aos movimentos instantâneos um pouco de ação renovável e existência independente. O hábito é apenas um pouco desse poder fundamental”. (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 203).

Ao adquirir determinados hábitos o ser-no-mundo está “assimilando” significados e, ao mesmo tempo, doando significações. Isto acontece, por que é o corpo que realiza as interpretações desses aprendizados, e, nesse sentido, pode-se citar o corpo que dança como enunciador de hábitos adquiridos e, ao executar o ato, apresenta ideias conceitos e sensações adquiridas, e uma comunicação se estabelece entre corpo, danças e vestígios de vida, e são nela representados e informações são passadas por meio do ato executado. O movimento nascido dessas informações apresenta falas instituídas e organizadas no discurso que emana do corpo quando ele dança.

É no mundo que o ser-no-mundo aprende a viver, a existência é construída a partir das situações vivenciadas que carregam as benesses e as mazelas de se estar em um mundo, em um processo permanente de devir. Ademais, o corpo se movimenta em função da intencionalidade que o gesto propõe.

O gesto é a linguagem silenciosa do corpo carregada de significações e sentidos que possibilitam ao ser-no-mundo tecer relações, uma vez que ele é ofertado deliberadamente para um determinado espectador, e oferecido como um ato que possibilita uma interação entre sujeitos cuja comunicação acontece por intermédio da compreensão entre a intenção de quem faz o gesto e a de quem o percebe, porquanto, ao gesticular, “fala com o corpo”.

O corpo que fala por intermédio dos gestos é uma teia simbólica provocadora de significações e, neste sentido, a corporeidade é sinônimo de individualidade, visto que cada ser-no-mundo sente e percebe o mundo e as coisas que nele estão, de maneira única e, neste sentido é um corpo que demanda estilo.

Reitere-se que a relação com o mundo se encontra inscrita na corporeidade, e é o estilo que a traduz. Ele une as percepções das diferentes partes do corpo e viabiliza sua expressão global. É a síntese que o corpo realiza entre o dito e o não dito; é a forma de ser do corpo que funda a palavra, dá consistência, conteúdo ao falado, revelando, portanto, a individualidade da existência de cada um.

O ser-no-mundo pode se expressar por intermédio do gesto, e o que assinala a diferença entre gestos é o estilo que cada um utiliza ao esboçá-lo. Mesmo que alguém busque imitar o gesto de outrem, ele jamais será igual, pois cada corpo carrega sua marca própria no gestual, e, o estilo de cada um encontra-se na subjetividade de se experienciar o mundo, de falar, de narrar acontecimentos, de gesticular, de olhar.

O estilo está presente em cada ação, bem como garante a expressão individual, revelando em cada gesto a intenção do sujeito. A linguagem constituída, pelo corpo vivido apresenta um estilo, é um local de inscrição de significados que se grafa no gesto, na dinâmica do corpo, quando entra em ação, assim como nos ritmos e timbres da voz.

O corpo está no mundo e é nele que se manifesta. Consoante Merleau-Ponty (1994, p. 208), por irradiar opacidade, silêncio, movimento de sensibilidade, criação e representação deve ser comparado a uma obra de arte.

O corpo como obra de arte se manifesta em um espaço por intermédio da linguagem não verbal, de gestos, as significações expressivas podem ser percebidas pelos diversos espectadores que admiram ou negam as características peculiares a cada corpo cuja significação é, segundo Merleau-Ponty (1994), o estilo e o silêncio que dele emanam. É como obra de arte passível de reconhecimento  que, o corpo é percebido.

O corpo como obra de arte também é compreendido como ser sexuado; a expressividade anuncia os desejos e as intenções do ser-no-mundo e, conforme  Merleau-Ponty (1994), é o que possibilita perceber a sexualidade não apenas como um mosaico de estados afetivos, prazeres ou dores fechados em si mesmos, mas como um modo original de ser e estar no mundo; corpo, sexualidade e linguagem são organizadores da condição humana e imprimem sentidos aos acontecimentos.

Nas palavras Merleau-Ponty (1994), o ser-no-mundo fala com seu corpo, expressando uma linguagem que emana do corpo como um nó de significações. Portanto, o sujeito, ao falar com o corpo expressa e tece relações e, neste contexto é o próprio movimento da expressão.

O corpo, como um ser de linguagem que traduz significação,  é determinado em função das particularidades e das experiências vivenciadas; seu objetivo é ressaltar os atributos com os quais o ser-no-mundo é compreendido na sua individualidade e, por ser dotado de expressão, cada sujeito tem o direito de dispor, construir, manipular, reparar, utilizar seu corpo como ser de linguagem, favorecendo o nascimento e a manifestação do desejo, das sensações e das emoções, forjando, também, a tessitura de relações.

O corpo que expressa a existência é, reitere-se, também aquele compreendido como ser sexuado; a experiência do desejo do afeto como comunicação silenciosa; é, um modo original de ser e estar no mundo.

Segundo o filósofo francês já referido diversas vezes neste texto, o ser-no-mundo busca compreender como um objeto ou um ser existem para outrem pelo desejo, pelo amor e ou pela afetividade e, é desta forma que se compreende a existência dos seres e dos objetos.

A afetividade é concebida como um mosaico de estados afetivos, prazeres e dores vivenciados pela corporeidade.

O corpo possui a capacidade de desvelar as várias categorias a ele atribuídas em virtude da sua capacidade de dar significações as ações praticadas pelo ser-no-mundo.

 

Referências

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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção.  Tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1994.00

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