A cena de terror protagonizada pelo ex-jogador de basquete, ao desferir mais de sessenta socos no rosto da namorada dentro de um elevador em um condomínio de Natal, expõe os níveis extremos de brutalidade que permeiam e atravessam as relações de gênero. A masculinidade hegemônica — essa moldura política que define, por meio da força, da agressividade, de um modelo excludente de racionalidade e de autonomia (inclusive para violar) — constrói uma oposição radical entre as masculinidades que se anunciam como norma e todas as identidades femininas, bem como as masculinidades que, distantes dos ditames da branquitude, da ciseteronormatividade, da ausência de deficiência e dos privilégios econômicos, políticos e territoriais, são desqualificadas e subalternizadas.
É possível inferir, nesses termos, que uma das tessituras centrais das relações de gênero — assim como de outros marcadores políticos que estruturam dinâmicas de poder e precarização — é a violência. A invenção do gênero é coordenada, sobretudo à luz de princípios modernos e coloniais, pelo interesse na articulação injuriosa de corpos designados como dissemelhantes. A semelhança, nesse contexto, é outorgada pela perpetuação de modelos, práticas e valores que não apenas naturalizam, mas também se beneficiam da violência e do silenciamento. Trata-se, portanto, de uma utilização tecnopolítica da dissimulação, que opera tanto pelo silêncio quanto pela instrumentalização do silenciamento como ferramenta de manutenção do poder.
O silenciamento pode ser compreendido, no interior das relações de poder, como manifestação de estruturas discriminatórias que, ao hostilizar grupos subalternizados, preservam o domínio simbólico, cultural, econômico, epistêmico e moral nas mãos daqueles que se apresentam como sujeitos — em detrimento dos corpos previamente anunciados, pelas molduras hegemônicas, como desprezíveis.
O silêncio, por sua vez, expressa uma das formas mais perversas de manutenção do poder. Mesmo diante de cenas de horror, brutalidade e extrema violência, os grupos hegemônicos — detentores de múltiplos capitais e capazes de redesenhar a realidade conforme seus próprios interesses — permanecem inertes. Trata-se de uma dissimulação intencional, de uma estratégia cuidadosamente arquitetada para garantir que corpos vitimados permaneçam nesse lugar de desumanização, impedindo que a dor e a brutalidade sofridas provoquem comoção, desconforto ou qualquer tipo de questionamento.
Nesse sentido, o silêncio não é uma acidente, mas o produto de uma intervenção política — um dispositivo de apagamento que impede a escuta, o reconhecimento e a responsabilização. É uma tecnologia de poder que assegura a continuidade de um projeto político-social profundamente hostil às diferenças e comprometido com a desintegração da humanidade dos sujeitos subalternizados.
O silêncio dos homens diante de casos de violência extrema contra mulheres e contra as masculinidades subalternizadas revela que a masculinidade hegemônica é, de fato, uma construção ideológica comprometida em cumprir seu papel: não apenas disseminar a ideia de que há uma definição rigidamente demarcada de humanidade, mas também garantir que, nos limites desse mesmo enquadramento, não haja espaço para tudo aquilo que manche, desestabilize ou questione essa ordem de mundo — fundada, sobretudo, na naturalização da violência. Os caminhos para a desarticulação da misoginia enquanto estrutura política, social e cultural dependem, entre outros fatores, da derrocada dessa hegemonia que, em nome da manutenção de modelos normativos de masculinidade, se alimenta do terror.