Em recente decisão, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná aplicou a teoria do cuidado, reconhecendo a contribuição materna como elemento essencial da corresponsabilidade parental no sustento das filhas, e assim negar o pedido de redução da pensão feito por um pai, mantendo o valor em 30% dos rendimentos líquidos.
Essa decisão passou a ser amplamente divulgada pelos advogados familiaristas, o que justifica-se, afinal, é um indicio que aos poucos os tribunais poderão começar, corriqueiramente, a aplicar a teoria do cuidado nas ações que versem sobre a fixação de alimentos.
É preciso recordar que, historicamente, a trajetória das mulheres é de invisibilidade, sua força produtiva ficou marcada apenas pela possibilidade dos afazeres domésticos, que tão desconsiderados como as mulheres nunca lhes foi atribuído valor econômico.
Muito embora a Constituição Federal de 1988 tenha trazido a igualdade entre homens e mulheres, e consequentemente a legislação civil tenha atribuído o cuidado com os filhos tanto as mães, quanto aos pais, conforme se observa da disposição do artigo 1.634 do Código Civil, a realidade nunca se mostrou adequada ao que a legislação determina.
E observando o descompasso da realidade com a legislação a doutrina faz nascer a teoria do cuidado, ou seja, passa-se a reconhecer o valor do trabalho de cuidado não remunerado, e sendo assim que ele seja considerado na fixação da pensão alimentícia.
Desse momento em diante, traz-se a tona que as responsabilidades diárias, como moradia, alimentação, acompanhamento escolar, entre outros cuidados é fundamental para o bem-estar dos filhos, e consequentemente o bem-estar familiar e social; e por isso deve ser remunerado.
Na prática, nunca é fácil o reconhecimento do Judiciário da teoria do cuidado, perpetuando-se os estereótipos de gêneros, com figuras marcadas do pai no papel exclusivo de provedor financeiro, e a mãe no papel exclusivo da cuidadora silenciosa. E, assim, nos tribunais, a igualdade nos cuidados dos filhos pelos pais torna-se letra morta, não havendo evolução nessa visão nem mesmo com a guarda compartilhada tornando-se regra na guarda dos filhos.
É certo que a consciência paterna quanto ao dever de cuidado com os filhos não s modificará com essa decisão, e também não se trata de privilégio materno ou punição aos pais, mas como bem fundamentou a relatora nesse sentido trata-se de “aplicar o princípio da proporcionalidade com base em elementos concretos, respeitando a corresponsabilidade parental”.
Assim, essa decisão, e as demais que se seguirão nesse sentido, tem caráter pedagógico, deixando de perpetuar os estereótipos de gênero, que ainda se mantem e se perpetua independente do que as legislações venham a estabelecer.
E, ainda corrigirá a injustiça que as mulheres sofrem sistematicamente, sendo sobrecarregada em seus papeis de mãe e profissional, desdobrando-se para de um lado manter os cuidados exclusivos com os filhos, e do outro serem boas profissionais, o que no segundo caso é normal que as mulheres não rendam tanto quanto poderiam, o que impacta nos rendimentos por elas recebidos, entre outros impactos e questões; e também a impossibilidade de conseguirem se especializarem nas suas áreas de trabalho. Em resumo, as mulheres que são mães sempre se veem forçadas a abrirem mão do lado profissional, para que seus filhos recebam os cuidados que necessitam, e que lhes são fundamentais; o que a paternidade não traz para os homens.
Há, também, um outro benefício quanto ao reconhecimento da teoria do cuidado que é melhor dividir as responsabilidades com os filhos, contribuindo para a parentalidade responsável, e assim a maior participação dos pais no cuidado com os filhos, fazendo desaparecer a figura dos pais ausentes na participação ostensiva do cuidado dos filhos, e que ainda não contribuem financeiramente de forma eficiente no sustento dos filhos.
Portanto, como já dito, faz sentido a ampla divulgação da decisão do Tribunal do Paraná, trata-se de mais um avanço para a igualdade de gênero, atribuindo valor jurídico e econômico aos cuidados com os filhos, mas também servirá de estimulo para que a parentalidade seja exercida de forma equilibrada entre pais e mães, e como consequência diminuindo a visão ultrapassada dos gêneros e suas atribuições “naturais”; e mais ainda proporcionar um ambiente mais propicio para o desenvolvimento sadio dos filhos.
Referências
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ANUNCIAÇÃO, Débora. Justiça do Paraná reconhece cuidado materno invisível e nega redução de pensão paterna. www. ibdfam.org.br/noticias/13129
DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 16ª edição – São Paulo. Editora Jurispodium, 2023.
DIREITO NEWS. TJ/PR reconhece cuidado materno invisível e mantém 30% de pensão paterna. www.direitonews.com.br/ 2025/08/tj-pr-reconhece-cuidado-materno-invisivel-mantem-30-pensao-paterna.html
MIGALHAS. TJ/PR reconhece cuidado materno invisível e mantém 30% de pensão paterna. www.migalhas.com.br/quentes/436357 /tj-pr-destaca-cuidado-materno-invisivel-e-mantem-30-de-pensao-paterna