Prova pericial e método: Uma análise econômica

Prova pericial e método: Uma análise econômica

Prova pericial

Sob a perspectiva econômica, o processo civil é um sistema de incentivos e restrições. Cada norma processual e cada decisão judicial organizam custos, sinalizam qualidade e estruturam escolhas sob limitação. É nesse ambiente de escassez e racionalidade que se insere a prova pericial, talvez o exemplo mais eloquente de como o direito e a economia se entrelaçam no interior do processo (Gico Junior, 2022).

Nenhum outro meio de prova traduz com tanta clareza essa lógica econômica. A perícia, longe de ser mero procedimento técnico, reflete uma decisão de produção de informação sob restrição ─ requer tempo, expertise, infraestrutura e credibilidade. Sua eficácia depende não apenas das conclusões do laudo, mas também da estrutura metodológica que o sustenta, pois é o método que confere racionalidade, transparência e valor informacional à prova.

O artigo 473, inciso III, do Código de Processo Civil (Brasil, 2015, p. 1) explicita a centralidade do método ao exigir que o laudo pericial contenha “a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou”. À primeira vista, trata-se de uma exigência meramente técnica e uma obrigação do perito; em verdade, ela revela o núcleo econômico da atividade pericial. O método não é um detalhe de forma, mas o próprio insumo produtivo que converte dados dispersos em informação qualificada, apta a orientar a decisão judicial.

Ainda, o magistrado no momento de aplicação da norma que julga ser a mais adequada ao caso, deve realizar a busca da normativa a ser aplicada na totalidade do ordenamento jurídico. Nesse sentido, torna-se urgente a análise interdisciplinar da temática do presente trabalho (Perlingieri, 2008).

Quando o Código obriga o perito a declarar seu método, ele institucionaliza uma lógica de transparência e eficiência informacional. Obriga-o a revelar os custos de sua escolha técnica ─ tempo, instrumentos, processos de validação ─ e, com isso, a transformar o método em sinal de qualidade. Em termos econômicos, artigo 473, inciso III, do Código de Processo Civil (Brasil, 2015) cria um mercado de credibilidade: quanto mais rigoroso, reprodutível e verificável o método, maior o valor informacional do laudo e, portanto, maior sua capacidade de persuasão.

Essa racionalidade aproxima o sistema probatório do funcionamento dos mercados regulados de bens complexos, em que o processo de produção é tão relevante quanto o resultado final. Assim como o selo de conformidade atesta a qualidade de um produto industrial, a metodologia declarada atesta a legitimidade técnica da prova. O perito, ao explicitar seu método, age como agente racional que busca equilibrar custo, precisão e reputação ─ os mesmos elementos que estruturam a lógica econômica da eficiência.

Outro dispositivo processual que explicita o método é o art. 479 do Código de Processo Civil, ao determinar que “o juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no artigo 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”. Se o artigo 473 estabelece o método como requisito de produção da prova, o artigo 479 o projeta para o plano da valoração judicial, fazendo dele critério de aferição de qualidade e confiabilidade (Brasil, 2015).

Essa exigência desloca o foco do resultado para o processo de construção da prova. Em termos econômicos, trata-se de um custo de verificação: o sistema processual transfere ao juiz o encargo de avaliar a racionalidade produtiva do laudo, de modo análogo ao que ocorre em mercados regulados, nos quais a certificação de qualidade é etapa indispensável antes da circulação de um bem. O magistrado, nesse contexto, atua como consumidor racional que compara eficiência, coerência e consistência metodológica antes de “aceitar” o produto informacional que lhe é entregue.

Ao exigir motivação específica quanto ao método, o artigo 479 do Código de Processo Civil cria uma forma de accountability informacional, garantindo que a decisão judicial reflita não apenas a confiança no perito, mas a análise crítica do processo produtivo que originou a prova. É uma forma institucional de evitar que externalidades cognitivas ─ erros, omissões ou vieses metodológicos ─ se propaguem no sistema de justiça como verdades judiciais. O controle do método, portanto, é um mecanismo de correção de falhas de informação e de mitigação de riscos de decisão ineficiente.

Essa lógica reafirma que o método é o eixo de eficiência do sistema probatório. Ele transforma a prova técnica em um bem informacional de valor mensurável, produzido e avaliado sob restrições. Assim como o mercado exige padrões de qualidade para reduzir assimetrias e aumentar a confiança dos consumidores, o processo civil cria, com os artigos 473 e 479, um duplo filtro de racionalidade: o da produção e o da verificação (Cambi; Munaro, 2023).

Em última instância, o método é o ponto de convergência entre o direito e a economia. No direito, ele assegura legitimidade; na economia, eficiência. No processo, cumpre as duas funções ao mesmo tempo: legitima o conhecimento técnico e racionaliza a decisão judicial. A prova pericial, quando lida sob essa ótica, deixa de ser mero instrumento auxiliar e se converte em verdadeiro mecanismo de alocação e controle de informação, revelando que a justiça, assim como o mercado, opera sob as leis da escassez, do custo e da escolha racional.

Em síntese, compreender a prova pericial sob a ótica do método é compreender o próprio processo civil como um mercado institucional de produção de conhecimento. Cada perícia é uma operação de investimento em credibilidade; cada metodologia, um sinal de qualidade; cada laudo, um bem informacional sujeito a custos, incentivos e riscos. O direito processual, ao exigir método e ao valorá-lo como critério decisório, aproxima-se silenciosamente da lógica econômica que rege os sistemas de eficiência. No fim, o método é mais do que um caminho técnico: é o preço que o direito paga para transformar técnica em verdade e racionalidade em justiça.

 

Referências

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BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 27 nov. 2025.

CAMBI, Eduardo; MUNARO, Marcos Vinícius Tombini. Os desafios da valoração da prova no sistema processual brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 24, n. 3, 2023.

GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Análise econômica do processo civil. Editora Foco, 2022.

PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional: Edição brasileira organizada por Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008.

 

Qualificações

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Thaísa Pires

Thaísa Pires é economista, tributarista, especialista em Planejamento Tributário pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT), concluinte de Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), aprovada no Exame da Ordem da OAB, mestranda em Economia Aplicada pela UFBA, com pesquisa voltada à economia da prova e ao valor estratégico da perícia nas ações tributárias.

Sthefano Scalon Cruvinel

Especialista em contratos e M&A (FGV). Auditor de Processos. Expert em tecnologia, BI e BA (I.A) com 52 certificações internacionais. Conselheiro em órgãos governamentais para julgamento de Subvenção de Tecnologia.

Michel Canuto

Advogado. Pós-doutor (UEMS). Pós-doutorando (UFMS). Pós-doutorando em Direito Privado (UFRGS). Doutor (UFMS). Doutorando em Direito (UFPR). Mestre (UFMS). Professor de Direito.

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