O que podemos aprender da “Cultura Alemã da Memória”?

O que podemos aprender da “Cultura Alemã da Memória”?

No dia 01º de junho de 2012 o técnico da seleção alemã de futebol Joachim Löw, junto com três jogadores (Miroslave Klose, Lukas Podolski e o capitão do time Philipp Lahm), realizaram um compromisso muito sério e importante para os alemães: visitaram o antigo campo de extermínio nazista de Auschwitz (Polônia), onde renderam homenagens aos mortos no Holocausto, antes da disputa da Eurocopa (campeonato europeu de seleções), que tinha como sedes a Polônia e a Ucrânia, dois países que sofreram com a invasão nazista, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Miroslav Klose
Miroslave Klose, o maior artilheiro da história das Copas do Mundo de futebol, nasceu na Polônia e migrou para a Alemanha com oito anos de idade, onde fez sua carreira e se tornou campeão do mundo em 2014 na Copa sediada pelo Brasil.1

Esta é basicamente a mesma equipe que dois anos depois seria campeã do mundo no Brasil (2014), tendo realizada a goleada de “7×1” sobre a seleção brasileira na semifinal do torneio, no estádio “Mineirão”, em Belo Horizonte. Digno de nota que Miroslave Klose, que se tornou o maior artilheiro da história das Copas do Mundo, justamente ao fazer o segundo gol da Alemanha neste jogo contra o Brasil, nasceu na Polônia e migrou aos oito anos de idade para a Alemanha, onde fez sua carreira e se naturalizou alemão.

A Cultura Alemã da Memória (Erinnerungskultur) se caracteriza pelo constante estudo do passado nazista, com a finalidade de ensinar as novas gerações sobre as atrocidades cometidas pelo referido regime. A mesma ocorre não só por meio do ensino escolar, mas também com os memoriais, eventos, placas e outros sinais visíveis, distribuídos por toda a Alemanha.

Um exemplo disto são as chamadas “pedras-obstáculos” (Stolpersteine) que contém um breve relato de vítimas do Holocausto com os dizeres “Aqui morou”, “Aqui vivia” ou “Aqui atuou”. As mesmas foram elaboradas pelo artista alemão Gunter Demnig e contam a história de judeus, ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová e deficientes físicos e mentais que foram mortos no Holocausto. Mais de 75 mil delas foram instaladas em mais de 1.200 cidades na Alemanha e outras milhares estão sendo instaladas em outros países da Europa2.

Stolpersteine - instaladas em memória de vítimas do Holocausto na Alemanha
Stolpersteine – instaladas em memória de vítimas do Holocausto na Alemanha3

Da mesma forma, o governo alemão estabeleceu relações diplomáticas com Israel na década de 1950 e tem indenizado vítimas e seus familiares pelos crimes nazistas. Essa postura é interessante, tendo em vista que os novos governos dificilmente assumem ou reconhecem a responsabilidade por crimes de regimes anteriores. A título de exemplo, a Turquia não reconhece o genocídio de armênios ocorrido no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), no antigo Império Turco-Otomano.4

Existe na Alemanha uma discussão para a ampliação da “Cultura da Memória”, para incluir os crimes que ocorreram na antiga Alemanha Oriental sob o regime soviético e os do período colonialista no continente africano (sobretudo o massacre de nativos no Congo no início do século XX). Muitos são favoráveis a essa ampliação, ao passo que outros temem que os crimes nazistas sejam minimizados. De qualquer forma, é uma discussão interessante que está ocorrendo na sociedade alemã e o tempo os levará a uma decisão madura.

A Cultura Alemã da Memória é um exemplo interessante para os demais países, incluindo o Brasil, o qual vivenciou o processo de extermínio dos indígenas no período colonial, a escravidão negra que durou mais de 300 anos, bem como os regimes ditatoriais de Getúlio Vargas no Estado Novo (1937-1945), e nos governos militares (1964-1985). A política brasileira de Manicômios também tem um histórico de abusos, que se tornou um pouco mais conhecido com a obra “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex, a qual narra as atrocidades ocorridas no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG).

O livro “Holocausto Brasileiro” narra o genocídio de 60 mil pessoas no maior hospício do Brasil.
O livro “Holocausto Brasileiro” narra o genocídio de 60 mil pessoas no maior hospício do Brasil.

O famoso filósofo espanhol George Santayana disse que “quem esquece o passado está condenado a repeti-lo”. Essa é a lição que a Cultura Alemã da Memória traz. Assim, não há dúvida de que relembrar os erros do passado é essencial para tentar evitar a reiteração de tais práticas, tanto no presente, quanto no futuro.

 

Notas e Referências

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1. https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/2014/07/08/miroslav-klose-marca-gol-contra-o-brasil-seu-16-em-copas-do-mundo-1404868403259_1920x1080.jpg

2. As pedras-obstáculos não são isentas de críticas. Alguns alegam que se trata de algo de mal gosto pelo fato de a memória das vítimas serem “pisadas” pelos transeuntes. Na cidade de Munique as mesmas são proibidas em lugares públicos. Porém o seu idealizador Gunter Demnig, alega que as mesmas fazem as pessoas se abaixar diante das vítimas para ler as informações, o que se configura um ato de reverência e homenagem.

3.  https://www.deutschland.de/pt-br/topic/politica/alemanha-e-europa/pedras-obstaculo-para-as-vitimas-do-holocausto

4. Para mais informações sobre o genocídio de armênios no Império Turco-Otomano, temos um trabalho disponível no link: https://magis.agej.com.br/dia-24-de-abril-memoria-do-genocidio-armenio-no-imperio-turco-otomano-por-que-ainda-nao-e-tao-reconhecido/

 

 

 

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