O desafio insuperável do direito sucessório frente a perda de carteiras de Bitcoin

O desafio insuperável do direito sucessório frente a perda de carteiras de Bitcoin

homem segurando um bitcoin

O caso emblemático da morte de um portador de uma fortuna em criptomoedas traz à tona problemas que o direito sucessório enfrentará em breve.

Mircea Popescu, portador de uma fortuna em bitcoins, morreu aos 41 anos enquanto nadava em uma região imprópria para banhistas na Costa Rica, em 23 de junho. Diante desse infortúnio, surge o questionamento a respeito do que acontecerá com seus ativos após sua morte, e se alguém está autorizado a acessar seus bitcoins. Caso ninguém mais tem as chaves e senhas para acessar a carteira criptografada que contém os tokens, os referidos ativos podem se perder definitivamente.1 

Com finalidade didática cabe explicitar o que são criptomoedas, e porque devido as suas características diante da morte do portador, estas podem se tornar inacessíveis.

Criptomoedas são ativos, tal qual o real, o dólar, e o euro, no entanto, são digitais, e não são emitidas por bancos, de modo que quem controla a oferta de criptomoedas no mercado é o próprio código da criptomoeda. Sendo o Bitcoin a mais popular dentre essas criptomoedas.

Até o advento das criptomoedas qualquer transação online requeria um terceiro intermediário confiável como Paypal ou Martercard, os quais exercem a função de registrar os saldos na conta dos clientes, debitando de um e creditando a outro, evitando deste modo que alguém pudesse gastar o dinheiro digital duas vezes. O Bitcoin, a primeira dentre as criptomoedas, foi revolucionário, na medida em que se encontra um meio para transferir dinheiro sem que haja o risco de incorrer em um gasto duplo e ao mesmo tempo independe-se de uma autoridade central. O meio encontrado foi registrar todas as transações de Bitcoins em uma espécie de livro razão público disponibilizado a todos usuários chamado blockchain, de modo a assegurar que as mesmas criptomoedas não tenham sido previamente gastos, eliminando assim o problema do gasto duplo. Depreende-se então que as transações são verificadas, por meio de um uso inteligente da criptografia de chave pública. Tal mecanismo exige que a cada usuário sejam atribuídas duas “chaves”, uma privada, que é mantida em segredo, tal qual uma senha, e outra pública, que pode ser compartilhada com todos.2 

A chave privada é que possibilita que se tenha acesso as criptomoedas e que possa então transferi-las, caso um portador dessas chaves faleça, e ninguém mais tem acesso a essa chave, impreterivelmente o valor em criptomoedas se perde.

Indubitavelmente as criptomoedas estão cercadas de incertezas, na medida em que são novas, e apresentam diversos desafios inclusive ao direito.

A Bitcoin, apesar de estar cercada por muitas incertezas, principalmente por apresentar-se como uma tecnologia nova, ainda desconhecida para a maioria da população e com um sistema baseado em criptografia e algoritmos, o que a torna uma moeda de difícil compreensão, traz inovações que geram um grande impacto na forma de se utilizar o dinheiro. Embora traga muitos pontos de interrogação em relação à sua reputação como a possibilidade de lavagem de dinheiro ou a utilização da moeda por criminosos que querem apagar seus rastros, ela certamente traz benefícios sociais, como a possibilidade de universalização de serviços financeiros, a proteção dos seus usuários contra a inflação e o confisco governamental e a redução de custos em transações financeiras. Além disso, o conceito da moeda eletrônica traz ideias para a melhoria do sistema financeiro atual.3 

Ao tratar dos desafios que as criptomoedas causam no ramo do direito, comumente aborda-se a temática da possibilidade de lavagem de dinheiro ou a utilização da moeda por criminosos que querem apagar seus rastros. Entretanto, são vários os desdobramentos da utilização das criptomoedas como frustração do direito sucessório e da execução.

No tocante ao direito sucessório, frisa-se que é uma garantia constitucional, e visa dar segurança jurídica de modo que o herdeiro possa herdar as relações jurídicas patrimoniais do de cujus.

Mas, a regulamentação do direito sucessório no Brasil é antiquada, é uma reprodução quase que completa das disposições contidas Código Civil de 1916.

(…) a atual regulamentação da sucessão causa mortis continua patrimonialista   individualista, voluntarista, apegada   a   formalismos   e abstrações.  Além disso, muito pouco se sentiram as supostas diretrizes ideológicas da nova   codificação – socialidade, operabilidade, eticidade – no   campo   do   direito sucessório. Em resumo, depreendemos que o Direito das Sucessões no Código Civil de 2002 é um péssimo trabalho legislativo.4 

Mais antiquada ainda, ao se considerar a negligencia legislativa ao tratar a temática relacionada a novas tecnologias.

Cumpre destacar que a presente pesquisa não pretende solucionar a questão do direito sucessório e a perda de carteiras de Bitcoin, pois esse é um desafio insuperável, está se diante do princípio do impraticável, uma vez que as transações são feitas em blockchain, assim é impossível que alguém não portador da chave possa ter acesso as criptomoedas, inclusive o judiciário ao realizar a partilha.

Assim, o que deve ser feito é uma remediação à nível econômico, ou seja, estabelecimento de diretrizes econômicas pelo governo para caso uma situação desse feitio aconteça com um bilionário brasileiro, e haja a perda pelo mercado de uma quantia significativa de dinheiro poder-se-ia gerar um imediato desequilíbrio econômico.

Ainda, sequer o governo pode impor controles de capitais em um sistema de criptomoedas.

Não há como impor controles de capitais em um sistema como o Bitcoin. É claro que governos podem buscar restringir a compra e venda de bitcoins por moeda nacional, reprimindo as exchanges ou qualquer empresa dedicada a esse negócio. Embora seja possível complicar a venda de bitcoins em um mercado organizado, não há como impedir a livre transferência de fundos pelos usuários da moeda digital.5 

Note que até mesmo o estabelecimento de medidas para complicar a venda de criptomoedas é infrutífero, na medida em que a utilização das mesmas continuará a ocorrer. Então, idealmente o governo deveria buscar meios de ofertas moedas digitais que apresentam benefícios reais aos usuários, de modo que assim incentive os usuários a continuar utilizar a moeda nacional ao invés de criptomoedas.

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Clayton Douglas Pereira Guimarães

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

 

Referências

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1. BILIONÁRIO que morreu afogado deixa no limbo fortuna de R$ 11 bilhões em bitcoins. G1. 2021. Disponível em: https://glo.bo/36Yi9Hz. Acesso em 16 jul. 2021.

2. ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2014.

3. BOFF, Salete Oro; FERREIRA, Natasha Alves. Análise dos benefícios sociais da bitcoin como moeda. Anu. Mex. Der. Inter. vol.16, Ciudad de México. 2016.

4. RIBEIRO, Raphael Rego Borges. O fracasso da constitucionalização do direito sucessório no Código Civil de 2002 e a necessidade de uma teoria crítica do direito das sucessões. civilistica.com, v. 10, n. 1, p. 1-50, 2 maio 2021.Disponível em: https://bit.ly/2TBAas5. Acesso em 16 jul. 2021.

5. ULRICH, Fernando. Coisas que nenhum governo pode fazer com o Bitcoin: controle de capitais. Infomoney. 2014. Disponível em: https://bit.ly/3rygLEM. Acesso em 16 jul. 2021

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