No mundo hodierno, as inovações tecnológicas proporcionam transformações a diversas esferas da vida humana, notadamente na forma como as pessoas vivem e se relacionam. O advento da internet permitiu a criação e difusão das redes sociais, que constituem um verdadeiro universo digital em que milhões de indivíduos se conectam, muitas vezes a milhares de quilômetros de distância.
Ante o surgimento de uma sociedade hiperconectada, a propagação do consumo como um estilo de vida ocorreu rapidamente, fazendo com que as estratégias de marketing e publicidade voltassem os olhos aos meios digitais, como forma de atrair um público em escala mundial.
Nesse contexto, surgem os influenciadores digitais, ou “digital influencers”, que exercem demasiada influência sobre um determinado público, possuindo habilidade de criar e influenciar a mudança de comportamentos, de maneira a conceber padrões por meio de diálogos diretos com seus seguidores.1
Os digitais influencers criam com os seguidores uma relação íntima e afetuosa. Compartilham sua rotina, hábitos e interesses com milhões de pessoas que se identificam ou se entretém ao acompanhar o conteúdo produzido. Por conseguinte, tornaram-se personagens importantes na divulgação de serviços e produtos, concebendo-se uma nova modalidade de publicidade.
Sabendo-se da capacidade persuasiva dos influenciadores, diversas marcas buscam estabelecer uma relação contratual para a difusão de suas mercadorias. Geralmente o influenciador recebe o produto ou serviço com suas especificações e instruções do contratante para a realização da publicidade. As empresas que destinam suas atividades ao marketing de influência2 escolhem de forma estratégica o influenciador que conversa com o público alvo pretendido. Logo, pode-se afirmar que a publicidade sobre produtos de estética e maquiagem, por exemplo, normalmente é realizada por influenciadores que atuam ou são conhecidos no ramo, por meio de publicações ou “posts” em redes sociais como instagram, facebook, twitter e youtube.
Em linhas gerais, o contrato de marketing de influência, conhecido também como “parceria paga”, consiste na prestação de um serviço publicitário, por meio do qual o influenciador digital utiliza a sua capacidade de convencimento para divulgar um produto ou serviço de forma a promover o seu consumo.
Nesse aspecto, surge a reflexão acerca da tributação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) no tocante às atividades publicitárias desenvolvidas pelos influenciadores digitais.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 651.703, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o conceito de prestação de serviços estaria relacionado ao “oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador”.3
Nota-se que a publicidade exercida pelos influencers está diretamente relacionada ao conceito de prestação de serviços, na medida em que esses recebem uma contraprestação pecuniária (ou até mesmo presentes, comumente conhecidos como recebidos não pagos), para que promovam a divulgação de determinado produto ou serviço a um público alvo selecionado.
Com efeito, verifica-se, a habitualidade dessas atividades com o intuito de lucro, tendo em vista que, na grande maioria dos casos, as principais fontes de renda do influenciador digital são as publicidades que realiza. Tem-se como exemplo o caso da ganhadora do Big Brother Brasil 2021, Juliette Freire, que chega a cobrar até R$400.000,00 (quatrocentos mil reais) por post no instagram.4
Vale ressaltar, ainda, as disposições contidas no âmbito normativo da Lei Complementar nº 116 de 2003, mais precisamente na lista de serviços anexa ao diploma, que estabelece os serviços a serem tributados pelo ISSQN. O item 17.06 determina a incidência do referido imposto sobre “Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários”.5 Vislumbra-se, ainda, a redação do item 17.25, que dispõe: “Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita)”.
Pela leitura dos dispositivos fica evidente a incidência do ISSQN sobre as atividades publicitárias desenvolvidas pelos digitais influencers, haja vista a ocorrência do fato gerador do tributo. Contudo, o controle fiscal acerca dessa obrigação tributária demonstra-se extremamente difícil.
Isso se deve ao fato de que em muitos casos a publicidade ocorre de maneira velada, ou seja, com a intenção de transmitir ao consumidor a falsa noção de que a exposição de determinado produto ou serviço ocorre como um “friendly advise” ou “conselho amigo”, prática vedada pelo artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor6 . Para evitar o ilícito consumerista, recomenda-se indicar ao texto publicitário as expressões “publi”, “publi post”, “parceria paga” ou “publicidade”, de forma a possibilitar a identificação pelo consumidor, bem como pelo Fisco.
Nesse vértice, conclui-se que, em se tratando de contribuintes em potencial do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, os influenciadores digitais devem se ater às práticas lícitas de publicidade não só como forma de respeitar os ditames do Código de Defesa do Consumidor, como também para proporcionar o melhor controle Fiscal, que encontra muitos empecilhos na nova Era das tecnologias.
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Referências
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1. BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. Publicidade Ilícita e Influenciadores Digitais: Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Revista IBERC, Belo Horizonte, v.2, n.2, p.01-21, maio-ago. 2019, p. 9.
2. (Espécie de publicidade que utiliza a influência como forma de fomentar o consumo)
3. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 651703, Relator: Ministro Luiz Fux. Tribunal Pleno. Julgado em: 29/09/2016. Disponível em: https://bit.ly/3CVVxGs. Acesso em: 05 ago. 2021.
4. Juliette cobra até R$400 mil por publicidade no instagram. Folha Press. Disponível em: https://bit.ly/3iRUsr8. Acesso em: 12 ago. 2021.
5. BRASIL. Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/37O5qYm. Acesso em: 06 de ago. 2021.
6. Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. (BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: https://bit.ly/2W3qsiO. Acesso em: 12 ago. 2021.)