A “reduflação” dos produtos: shrinkflation, um fenômeno não só brasileiro

A “reduflação” dos produtos: shrinkflation, um fenômeno não só brasileiro

moedas representando falta de capital e dificuldades financeiras decorrentes do supernedividamento

Em 03 de novembro de 2019, realizei um trabalho com os alunos na Faculdade Asa de Brumadinho sobre a diminuição da quantidade dos produtos em função da crise financeira e aumento de preços. Solicitei que os alunos fossem aos supermercados ou procurassem em casa, embalagens que mostravam a diminuição da quantidade dos produtos. Para minha surpresa, os alunos me trouxeram uma gama imensa de produtos. Balas, achocolatados, creme dental, biscoitos, chocolates, torradas, sabonete, gelatina, etc. Naquele ano, diversos produtos tiveram sua quantidade diminuída. O trabalho teve tanta repercussão, que foi divulgado na página da ACOP – Associação de Consumidores de Portugal.

Mas esse fenômeno não é novo, o Brasil já passou por essa situação várias vezes nos últimos anos, até que em 2002, a portaria n. 81 do Ministério da Justiça estabeleceu regras para a diminuição da quantidade dos produtos. A referida portaria, dispõe que compete aos fornecedores, que realizarem alterações quantitativas em produtos embalados, que façam constar mensagem específica no painel principal da respectiva embalagem, em letras de tamanho e cor destacados, informando de forma clara, precisa e ostensiva: I – que houve alteração quantitativa do produto; II – a quantidade do produto na embalagem existente antes da alteração; III – a quantidade do produto na embalagem existente depois da alteração; IV – a quantidade de produto aumentada ou diminuída, em termos absolutos e percentuais.

Além disso, determinava a portaria, que essas informações deveriam constar das embalagens dos produtos pelo prazo de 3 meses, sem prejuízo de outras medidas que visem à integral informação do consumidor sobre a alteração empreendida.

No dia 11 de maio de 2022, o Jornal o Globo apresentou uma matéria denominada “Reduflação: Menos pelo mesmo preço”. Nessa reportagem, o mencionado jornal afirma que existe uma velha tática da indústria ao reduzir embalagens para fazer o preço dos produtos caber no bolso dos consumidores. O IPCA, índice usado nas metas de inflação do governo, subiu 1,06% em abril e já acumula alta de 12,13% em 12 meses.1

Vários consumidores fizeram inúmeras reclamações na internet sobre produtos que tiveram redução de quantidade, mas que a embalagem continuava a mesma, causando no consumidor a confiança de ser a mesma quantidade que estava habituado. Para minha surpresa, o neologismo “reduflação” já era bastante utilizado na economia.

A expressão resultaria de uma tradução literal do termo shrinkflation,2 um neologismo inglês, cunhado por Pippa Malmgren e Brian Domitrovic, na obra de 2009 “Econoclasts: The Rebels Who Sparked the Supply-Side Revolution and Restored American Prosperity”,3 que resulta da aglutinação de «shrink» ‘reduzir, encolher’ com «(in)flaction» ‘(in)flação’.

Para minorar os efeitos dessas situações para os consumidores, principalmente em função da grave crise que assola o mundo decorrente dos efeitos da pandemia de Covid-19, o Ministério da Justiça, em 29 de setembro de 2021, publicou a Portaria n. 392, de 29 de setembro. Esta portaria, revoga a Portaria n. 81 do MJ, e amplia os aspectos informacionais sobre a redução da quantidade dos produtos.

Além das informações que estavam presentes na antiga portaria, a atual determina que a informação deve estar disponibilizada no painel principal do rótulo da embalagem modificada, em local de fácil visualização, com caracteres legíveis e que atendam aos seguintes requisitos de formatação: I – caixa alta; II – negrito; III – cor contrastante com o fundo do rótulo; e IV – altura mínima de 2mm (dois milímetros), exceto para as embalagens com área de painel principal igual ou inferior a 100 cm² (cem centímetros quadrados), cuja altura mínima dos caracteres é de 1mm (um milímetro).

Ou seja, os aspectos informativos foram ampliados para ficar mais visível aos consumidores. Além disso, a nova portaria, dispõe que é vedada a aposição das informações em locais encobertos e de difícil visualização como as áreas de selagem e de torção.

O prazo também foi aumentado, já que a nova portaria determina que as informações de diminuição de quantidade devem ficar nas embalagens por pelo menos 6 meses. Ademais, as informações detalhadas sobre a alteração quantitativa do produto em relação à sua versão anterior, devem ser disponibilizadas pelo Serviço de Atendimento do Consumidor (SAC), código QR ou por outros meios e tecnologias.

Percebe-se, desse modo, que os aspectos informacionais foram ampliados para que o consumidor tenha plena ciência da redução da quantidade.

Infelizmente, através de técnicas de design de embalagens e maquiagem publicitária, a redução, na maioria das vezes, torna-se imperceptível para o consumidor, cliente cativo de uma determinada marca. Mas esse fenômeno não é só brasileiro, já que tem sido uma tendência noticiada em vários lugares do mundo. 4

A informação sobre a redução da quantidade dos produtos ajuda o consumidor, mas não resolve o problema, pois cada vez mais os consumidores estão pagando mais por uma quantidade menor de produto. Isso é uma forma de maquiar os aumentos de preços sem que o consumidor perceba diretamente os reajustes decorrentes da inflação.

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Júlio Moraes Oliveira

 

Referências

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1. ALCÂNTARA, Camila; CODECO, Taís. “Reduflação”: Marcas reduzem embalagens para driblar alta de preços, e queixas viralizam na internet. Disponível em: http://glo.bo/3Makq5b. Acesso em 12.05.2022.

2. That Shrinking Feeling Shrinkflation Disponível em: https://bit.ly/3wrmcIy. acesso em 12.05.2022.

3. «Econoclasts: the rebels who sparked the supply-side revolution and restored American prosperity»

4. “Shrinkflation”: por qué algunos productos se están encogiendo en los supermercados mientras su precio se mantiene o aumenta. Disponível em: https://bbc.in/3FEL1Fb. acesso em: 12.05.2022.

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