Desde a promulgação da Lei nº 13.058 de 2014, a qual modificou o Código Civil em seu artigo 1.583 para estabelecer a guarda compartilhada como a via mais apropriada na condução dos cuidados com os filhos, as decisões interpretando referido dispositivo são inúmeras e trazem diversas reflexões.
Quando há o fim da conjugalidade, é sempre um desafio a escolha de modalidades de guarda dos filhos a ser adotada. Isso porque essa escolha normalmente ocorre no ápice da devastação emocional da família e impõe ao ex-casal o dever de definir como será gerida, a partir dessa ruptura, a vida de seus filhos.
Essa escolha pela espécie de guarda, compartilhada ou unilateral, inclui a necessidade de estabelecer com quem vão morar, como será feita a gestão das vidas dos filhos e o quanto e como cada um – pai/mãe – vai participar das decisões na vida dos filhos.
As escolhas nesse sentido nem sempre são fáceis, pois, mesmo quando há consenso, podem gerar algumas rusgas e, quando tais decisões se dão em meio a uma batalha campal pelo fim da relação, a solução se torna distante e provoca sofrimento atroz em todos os envolvidos, principalmente entre aqueles que, na maioria das vezes, não têm lugar de fala, os filhos.
No passado, o Código Civil previa apenas a guarda unilateral, assim, o genitor com a guarda das crianças detinha o poder e a responsabilidade de administrar de forma unilateral a vida dos filhos e, se fosse o caso, tomar todas as decisões de forma imperativa e arbitral.
A decisão pela titularidade da guarda, quando tomada pelo Juiz, sempre se dá no sentido de quem têm as melhores condições para cuidar dos filhos, o que se traduz em um lar organizado, com calor e afeto, a fim de proporcionar um ambiente saudável para o desenvolvimento da criança; de tal modo, a decisão não é necessariamente vinculada a quem disponha das melhores condições financeiras.
Com a alteração legislativa em 2014, a guarda compartilhada foi incluída e passou a ser a regra no ordenamento jurídico pátrio, visto que, ao proporcionar o compartilhamento de responsabilidades, preservam-se os interesses da criança e do adolescente em seus aspectos patrimoniais, morais e psicológicos, todos necessários ao seu desenvolvimento integral.
O compartilhamento de responsabilidades entre os dois genitores possibilita a ampliação da convivência dos filhos com ambos os pais e garante o exercício da autoridade parental na criação da prole comum (art. 1.583, § 1º); desta forma, a criança reside com um genitor guardião e ambos os pais exercem em igualdade a autoridade parental.
Entretanto, não é raro haver uma confusão entre a guarda compartilhada e a alternância de residência1 ; a guarda compartilhada, como é prevista na legislação brasileira, não menciona alternância de residências e sim compartilhamento de responsabilidade.
Nesse sentido, o compartilhamento de responsabilidades é dirigido aos cuidados com as crianças e os adolescentes, sendo que nada impede que essa modalidade de guarda seja estabelecida mesmo quando os genitores residem em cidades diferentes, por exemplo.
Recentemente, a Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.878.041-SP, de forma unânime decidiu que “O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades distintas não representa óbice à fixação da guarda compartilhada”2 .
A relatora do Recurso Especial, Ministra Nancy Andrigui, foi enfática no julgamento, em seu voto esclarece que não existe nenhum óbice à fixação da guarda compartilhada nas hipóteses em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, entendendo ser plenamente possível seu exercício, mesmo a distância.
O grande desafio na relação parental não está na distância entre as residências, encontra-se no fato de o ex-casal administrar essas decisões nos cuidados diários com os filhos, estando ainda emaranhados na dor, na desilusão e na raiva pelo fracasso da relação.
Infelizmente, é comum que, no término dos relacionamentos conjugais, o conflito se consubstancie num jogo de sobreposições de razões, impedindo a compreensão de que ambos os genitores devem atuar pelo melhor interesse das crianças.
E, mesmo nos casos nos quais a adoção de uma Mediação criteriosa ou ainda na atuação judicial não levarem a um apaziguamento de emoções, a fixação da guarda compartilhada se tornará inviável, visto que não há equilíbrio emocional para que os genitores cheguem a um consenso em relação aos cuidados com os filhos.
Assim, na hipótese de impossibilidade de guarda compartilhada, o art. 7º da Lei nº 12.318/2010, prevê que se dará preferência da guarda unilateral ao genitor que viabilizar a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, de modo a prevenir uma alienação parental.
É inequívoco que a guarda compartilhada seja a que melhor permite a continuidade dos vínculos afetivos entre pais e filhos, pois as crianças percebem que os pais continuam à frente do projeto parental, assumindo, em igualdade e de forma equilibrada, as responsabilidades na criação e educação e mantêm o amplo convívio.
Diante da escolha do melhor instituto, entre a guarda compartilhada ou unilateral, tanto a jurisprudência como a doutrina entendem que a guarda compartilhada é a melhor indicação, visando atender o melhor interesse do filho, uma vez que tem o propósito de proporcionar um ambiente com ampla convivência entre ambos os pais e seus filhos.
Assim, quando os pais se sentam à mesa para as negociações, de forma madura e consciente, de forma a atingirem um consenso, a decisão conjunta certamente se aproximará da pacificação familiar com vista a atender o melhor interesse da criança.
Caso contrário, a lei se imporá, debruçando-se sobre as feridas familiares entreabertas, causando dor e deixando uma sensação de incapacidade, a qual por vezes não alcança a convivência saudável e a paz familiar.
Dessa forma, quando o consenso não é alcançado diante de situações muito conflituosas, em conjunto com o assessoramento jurídico, defende-se o acompanhamento psicológico a toda a família.
O profissional da psicologia é o mais preparado para auxiliar as famílias na cicatrização de feridas abertas, na conscientização dos cuidados com os filhos e no amadurecimento dessas relações, permeadas de afetos, que devem evoluir para uma convivência pacífica, a fim de reestruturar-se em uma nova forma de conviver e amar.
Todos merecem ser felizes no término de suas relações conjugais, e o primeiro passo para isso é buscar o consenso na criação dos filhos, a pacificação familiar é o caminho mais rápido para a felicidade de toda a família no pós-casamento.
Referências
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1. Na Argentina, por exemplo, o instituto da guarda compartilhada (prevista na Lei nº 26.994/14) conta com uma subdivisão entre a guarda compartilhada alternativa, em que o filho passa longos períodos ou com o pai ou com a mãe, e a guarda compartilhada indistinta, na qual a criança reside principalmente na casa de um dos genitores, mas ambos compartilham as decisões e responsabilidades sobre ela.
2. Informativo 698 do STJ, link: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=018175