A aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao setor da geração distribuída: O finalismo mitigado aplicado ao prossumidor ou consumidor-gerador

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao setor da geração distribuída: O finalismo mitigado aplicado ao prossumidor ou consumidor-gerador

energia solar

Os impactos do aquecimento global têm sido notados em todos os cantos do globo terrestre.1 Isso é o que já vinha sendo demonstrado ao longo dos anos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Diante dessa situação, é cada vez mais comum no mundo inteiro a busca por soluções alternativas para a produção de energia e consumo humano.

O crescimento das energias renováveis tem se consolidado como uma das principais tendências globais no setor energético, impulsionado pela busca por essas alternativas sustentáveis e pela necessidade de reduzir os impactos ambientais causados pelos combustíveis fósseis.

No Brasil, país reconhecido por sua vasta riqueza natural, fontes como a energia solar, eólica e a biomassa têm ganhado destaque, complementando a já tradicional energia hidrelétrica. Isso também ocorre no cenário internacional, avanços tecnológicos e políticas públicas alinhadas à transição energética têm acelerado a adoção dessas fontes limpas. A expansão das energias renováveis não apenas representa uma solução para o combate às mudanças climáticas, mas também é um pilar estratégico para garantir um futuro mais sustentável, diversificado e resiliente para as próximas gerações.

Essa expansão tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos no Brasil como nos ensina Thiago Bao Ribeiro:

O aumento progressivo nas contas de energia elétrica no país, faturadas por uma concessionária do Estado (mercado regulado) tem impulsionado os brasileiros, cada vez mais, a aderir outras fontes de energia para suas próprias residências e/ou empresas, com fito de garantir maiores vantagens econômicas na soma de custos mensais.

Nesse sentido, a energia fotovoltaica, obtida a partir da luz solar, tem integrado esse crescimento exponencial, que está ainda associado à popularização dos custos das placas de instalação.2

Na esteira desse fenômeno global, a geração distribuída passou a ser uma alternativa extremamente viável e interessante do ponto de vista ambiental e econômico.

Entende-se como geração distribuída, a produção de energia elétrica, onde a geração ocorre próximo aos pontos de consumo, utilizando fontes de energia renováveis ou não, em sistemas de pequena a média escala. A GD pode fazer uso das fontes eólica, solar e biomassa para gerar energia. Por questões de custo e versatilidade, a tecnologia solar fotovoltaica responde por mais de 98% das instalações do segmento no País. 3

Em 06 de janeiro de 2022, foi promulgada a Lei n. 14.300, que cria o Marco Legal da Geração Distribuída no Brasil. Essa legislação também criou o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) que possibilitou, inicialmente, que o consumidor brasileiro gerasse sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis ou cogeração qualificada e, inclusive, fornecer o excedente para a rede de distribuição de sua localidade.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) regulamentou a Lei 14.300/2022 com a publicação da Resolução Normativa (REN) 1.059, de 07 de fevereiro de 2023, promovendo alterações na REN 1.000, de 07 de dezembro de 2021 que envolvem pontos relacionados às regras para a conexão e faturamento de centrais de microgeração e minigeração distribuída em sistemas de distribuição de energia elétrica, além de disposições concernentes ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). Recentemente, houve mais uma alteração promovida na REN 1.000/2021, operada pela Resolução Normativa Aneel 1.098, de 23 de julho de 2024.

A geração distribuída basicamente possui duas formas, a Microgeração distribuída cujos sistemas de geração de energia renovável ou cogeração qualificada sejam conectados à rede com potência até 75 kW e a Minigeração distribuída cujos sistemas de geração de energia renovável ou cogeração qualificada sejam conectados à rede com potência superior a 75 kW e inferior a 5 MW.

A geração distribuída pode dar-se através do autoconsumo e o consumo remoto. O autoconsumo ocorre quando a energia elétrica gerada por um sistema instalado no próprio local de consumo (como uma residência ou empresa) é utilizada diretamente pelos equipamentos do imóvel, reduzindo a dependência da rede elétrica. Já o consumo remoto permite que a energia gerada em um local diferente do ponto de consumo seja utilizada por um consumidor ou grupo de consumidores previamente cadastrados, desde que ambos estejam dentro da mesma área de concessão da distribuidora de energia. Esse modelo é particularmente útil para quem não pode instalar sistemas de geração no próprio imóvel, como apartamentos ou pequenos comércios, mas deseja se beneficiar das vantagens econômicas e ambientais da geração distribuída.

A legislação estabelece que para obter acesso ao sistema devem ser celebrados com a pessoa física ou jurídica, consórcio, cooperativa, condomínio voluntário ou edilício ou qualquer outra forma de associação civil instituída para esse fim, cada um com suas vantagens e desvantagens que não são objeto do presente estudo. O importante é que se estabelece uma relação entre esses sujeitos e a distribuidora, sendo essa a relação que nos interessa. No aspecto do autoconsumo parece claro que existe uma relação de consumo entre o consumidor e a distribuidora, todavia, no caso do consumo remoto, na qual a energia gerada em um local diferente do ponto de consumo seja utilizada por um consumidor ou grupo de consumidores previamente cadastrados em outros locais, esse consumidor passa ser um fornecedor de energia.

Os sujeitos dessa relação entre distribuidoras de energia elétrica e seus clientes podem ser considerados consumidores nos termos da Lei n. 8.078/90? A grande polêmica é que muitos deles vão ser fornecedores de energia elétrica a outros consumidores, ou no mínimo intermediários dessa energia já que constituem pessoas jurídicas para se beneficiarem do consumo remoto.

Matheus Link Bassani afirma que o caso da geração distribuída pode ser ilustrado pela seguinte relação contratual: o (i) contrato de fornecimento de energia elétrica (primeira relação contratual) firmado entre a distribuidora e o consumidor serve como base para a implementação do sistema descentralizado. Nesse contexto, o consumidor assume o papel de prossumidor ao produzir eletricidade, geralmente por meio de fontes renováveis como painéis solares ou pequenas turbinas eólicas, e encaminha o excedente de energia para a rede da distribuidora, acumulando créditos. Assim, a rede desempenha a função de “custódia” de um bem fungível, dando origem a uma (ii) segunda relação contratual entre as mesmas partes, que viabiliza a compensação da eletricidade consumida com base no contrato inicial. Conforme o modelo do sistema elétrico descentralizado, seja pela compensação (como no Brasil) ou pela remuneração (como na França e Alemanha), a segunda relação pode caracterizar-se como um contrato de depósito irregular ou um contrato de venda, respectivamente. 4

Esse sujeito pode ser considerado consumidor? Ou como querem alguns consumidor-fornecedor ou prossumidor? A expressão prossumidor foi difundida por Alvin Toffler, e consiste na ideia de que o produtor e o consumidor tendem a se fundir no mesmo sujeito na era tecnológica (terceira onda), reduzindo a clássica dicotomia da era industrial (segunda onda) entre fornecedor/produtor de um lado e consumidor de outro. A primeira onda (agrária) também foi marcada pelo prossumidor, uma vez que as pessoas consumiam o que produziam. 5

Por diversas vezes, em vários textos publicados nas mais diversas revistas, foi debatido esse tema, inclusive, em artigo mais recente comentando uma notícia do STJ do ano de 2024 que apresentava novos julgados a respeito do assunto.6 Essa teoria já foi denominada de finalismo temperado, atenuado, equitativo, misto, abrandando, aprofundado e mitigado. Todavia, a duas expressões mais consagradas são finalismo mitigado e aprofundado.

Conforme já tivemos a oportunidade explicar em outras oportunidades, o legislador brasileiro definiu o conceito de consumidor em quatro dispositivos diferentes, na verdade, em três artigos espalhados pelo Código. O art. 2º, caput, o art. 2º, parágrafo único, o art. 17, e por fim, o art. 29. A definição do consumidor stricto sensu, está prevista no art. 2º, caput, ao dispor que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Esse seria realmente o verdadeiro consumidor, já que os outros dispositivos são consumidores equiparados. O art. 2º, parágrafo único, o art. 17, as vítimas do acidente de consumo (bystander) e o art. 29, que é conceito de consumidor equiparado mais amplo.

Com relação ao art. 2º, caput, duas teorias surgiram para tentar encontrar o seu alcance na legislação brasileira. A teoria maximalista e a teoria finalista. Para a corrente maximalista, o destinatário final é apenas o destinatário fático, ou seja, aquele que retirou o produto da cadeia de fornecimento sem reutilizá-lo. É considerada uma noção objetiva de consumidor, pois o que interessa é o objeto da relação. Para os defensores dessa corrente, a destinação dada ao produto é irrelevante. É um posicionamento mais abrangente; aceitam, inclusive, a relação de consumo entre dois profissionais. Na opinião dos maximalistas, o codex é um código de consumo, logo, disciplina qualquer relação de consumo.

Já os adeptos da corrente finalista afirmam ser o destinatário final aquele que retira o produto do mercado e dá a ele uma destinação final de uso, isto é, o consome na cadeia produtiva. É uma noção subjetiva de consumidor, pois aqui o sujeito da relação é fundamental. Enquadra-se nesta definição o destinatário fático e econômico da cadeia, ou seja, o produto ou serviço é consumido para uso próprio e não é destinado a qualquer outro beneficiamento posterior. A teoria finalista pura retira do conceito de consumidor a relação existente entre dois profissionais, excluindo a pessoa jurídica.

O finalismo mitigado, surgiu para se evitar os extremos das duas teorias anteriores. É uma interpretação que leva em conta o fundamento do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a vulnerabilidade. O princípio da vulnerabilidade, previsto no art. 4, I, do CDC, passa ser a diretriz de interpretação da teoria finalista mitigada.

Com base nesse entendimento adotado hoje em vários julgados do Superior Tribunal de Justiça, o prossumidor ou consumidor-gerador enquadra-se no conceito de consumidor?

Para responder a esse questionamento, deve ser feita uma análise das legislações aplicáveis a esse setor. Conforme demonstrado anteriormente, a Lei n. 14.300/2022, marco regulatório da micro e minigeração distribuída no Brasil, em seu art. 1º, traz uma série de definições usadas nesse setor, em seu inciso V, define o sujeito de direitos dessa lei, ou seja, o consumidor-gerador que é aquele titular de unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída. O próprio marco regulatório apresenta o sujeito de direito como consumidor. Em vários outros dispositivos a  mesma legislação se refere a esse sujeito como consumidor, é o caso por exemplo do Art. 2º, § 1º, ao dispor que os contratos firmados entre o consumidor e a concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica para fins de acesso ao sistema de microgeração ou minigeração distribuída devem ser celebrados com a pessoa física ou jurídica, consórcio, cooperativa, condomínio voluntário ou edilício ou qualquer outra forma de associação civil instituída para esse fim, indicado como titular o da unidade consumidora na qual a microgeração ou minigeração distribuída será ou está instalada na ocasião da solicitação de acesso, garantida a possibilidade de transferência da titularidade antes ou depois da conexão da microgeração ou minigeração distribuída. Percebe-se que a intenção do legislador é de tratar o sujeito como um consumidor.

Assim também define o art. 3º da Lei n. 14.300/22, quando se refere aos consumidores participantes de consórcio, cooperativa, condomínio voluntário ou edilício ou qualquer outra forma de associação civil instituída para empreendimento com múltiplas unidades consumidoras ou de geração compartilhada.

Por vários outros dispositivos, a lei se refere a esses sujeitos como consumidores ou consumidor-gerador. Cite-se como exemplo o art. Art. 9º, 10, 12 e 13, dentre outros tantos. O que denota-se da legislação é que quando se refere ao consumidor que fornece energia a outros consumidores a lei utiliza-se da expressão consumidor-gerador. Não há dúvida de que o consumidor que adere a um consórcio, cooperativa ou outro instrumento jurídico é um consumidor nos termos do CDC, mas esse consumidor-gerador ou prossumidor, como definem alguns, é que tem sido objeto de debate, já que ele muitas vezes adota uma figura de fornecedor e consumidor ao mesmo tempo.

Assim também a Resolução Normativa Aneel nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021, estabelece as Regras de Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica, nas quais estão dispostos os direitos e deveres do consumidor e demais usuários do serviço e, em seu art. 1º, § 3º, dispõe que a aplicação da Resolução não afasta a necessidade de cumprimento do disposto na regulação da ANEEL e na legislação, em especial; na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor e estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social; e na nº 13.460, de 26 de junho de 2017, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos, ou seja, as normas que se aplicam ao setor referem-se expressamente à figura do consumidor e a legislação aplicável a ele, sem fazer qualquer distinção ou exclusão.

O art. 2º, VII, da referida resolução também define o sujeito de direitos do setor como consumidor pessoa física ou jurídica que solicite o fornecimento do serviço à distribuidora, assumindo as obrigações decorrentes desta prestação à sua unidade consumidora.

Outro ponto importante que já foi apresentado no presente trabalho é que o consumidor-fornecedor ou prossumidor estabelece com a distribuidora um contrato de uso do sistema de distribuição (CUSD), normalmente elaborado pela própria distribuidora, apesar de existirem regras previstas no art. 145 do marco legal. A natureza jurídica desse contrato entre distribuidora e consumidor-fornecedor ou prossumidor seria de adesão ? O art. 54 do Código de Defesa do consumidor define que contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo e a inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. Nesse sentido, o contrato de uso do sistema de distribuição (CUSD), se enquadraria perfeitamente no conceito do contrato de adesão, assim como o Contrato de Energia Regulada (CCER).

É fato que essa discussão mais cedo ou mais tarde desembocaria no poder judiciário.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu:

EMENTA: APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CEMIG – RELAÇÃO DE CONSUMO – APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INSTALAÇÃO DE CONEXÃO PARA GERAÇÃO DISTRIBUÍDA – SOLICITAÇÃO DEFERIDA – PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA OBRA – INOBSERVÂNCIA – ATO IÍCITO CARACTERIZADO – LUCROS CESSANTES – COMPROVAÇÃO. – Nos termos do art. 14, do CDC, a concessionária de serviço público responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores, ou seja, independentemente de culpa, bastando a comprovação nos autos do efetivo prejuízo e do nexo de causalidade entre este e a conduta da Cemig – Comprovados os lucros cessantes, em decorrência do atraso na instalação da conexão de Geração Distribuída, o que impossibilitou os autores de colocar em funcionamento a usina fotovoltaica implantada, o ressarcimento dos prejuízos suportados é medida que se impõe. (TJ-MG – AC: 50267995120228130433, Relator: Des.(a) Maurício Soares, Data de Julgamento: 01/09/2023, 3ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/09/2023)

No caso em análise, trata-se de um recurso de apelação interposto por apelantes contra a sentença de ordem n. 46, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2a Vara Empresarial e de Fazenda Pública da Comarca de Montes Claros, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por em desfavor de Cemig Distribuição S/A. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para determinar que a ré conclua as obras na rede elétrica que atende a usina fotovoltaica, para que se possa efetuar a ligação e início da produção de energia pelos sistemas de geração próprios da parte autora. Condenou ambas as partes ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixou em 10% sobre o valor da causa para cada, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC. O acórdão deu provimento ao recurso, para reformar em parte a sentença e condenar a Cemig ao pagamento de lucros cessantes aos autores, a serem apurados em liquidação de sentença, com correção pelos índices da Corregedoria de Justiça, desde o efetivo prejuízo, e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação.

O tribunal de justiça do Rio de Janeiro também já possui um julgado a respeito do tema. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. PRETENSÃO DE REFATURAMENTO COM BASE NO CRITÉRIO DE GERAÇÃO DISTRIBUÍDA. ALEGAÇÃO AUTORAL DE NÃO COMPENSAÇÃO DOS CRÉDITOS ORIUNDOS DE SISTEMA ALTERNATIVO DE GERAÇÃO DE ENERGIA SOLAR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, QUE CONDENOU A RÉ AO REFATURAMENTO DA CONTA IMPUGNADA E DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS, JULGANDO IMPROCEDENTE O PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO DO AUTOR. 1. Cinge-se a controvérsia em analisar se ocorreram danos morais indenizáveis, restando a falha na prestação do serviço e a determinação de refaturamento e de devolução dos valores em dobro preclusos, com força de coisa julgada, na forma do art. 1.013 do CPC. 2. Relação consumerista, seguindo os ditames dos artigos 2º e 3º do CDC, motivo pelo qual a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços e¿ imperiosa, conforme dispõe o art. 14, § 3º, do CDC. 3. Autor/apelante que é cliente da ré/apelada e participante do sistema de compensação de energia (geração distribuída), aduzindo que, para evitar gastos com contas de energia altas e preservar o bem-estar ambiental, optou por possuir pequena usina geradora de energia elétrica a partir de energia solar em seu imóvel, a ser distribuída entre imóveis diferentes, cada qual com seu percentual de recebimento da energia produzida. 4. Valor produzido pela usina e direcionada à unidade da residência do recorrente que não foi compensada na fatura de agosto/2021, recebendo fatura no valor de R$ 649,81, ensejando as condenações da concessionária ao refaturamento e à restituição, em dobro, do montante pago a maior. 5. Apelante que não demonstrou que tenha suportado, por conta da falha de serviço, constrangimento ou sofrimento que, por si só, sejam suficientes para interferir em sua integridade física ou psicológica, afetando seus sentimentos íntimos, vindo, assim, a lesionar direito da personalidade. 6. Inocorrência de interrupção no fornecimento de energia elétrica, ou inscrição do nome do apelante nos cadastros restritivos de crédito, suportando danos na esfera patrimonial que estão sendo reparados em dobro, sendo certo que o mero descumprimento contratual e a ausência de solução na seara administrativa não são capazes de justificar a indenização por dano moral. Precedente: 0002883-26.2021.8.19.0212 – APELAÇÃO. Des (a). MÔNICA DE FARIA SARDAS – Julgamento: 11/05/2023 – DECIMA TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. 8. Recurso conhecido e desprovido, majorando-se os honorários advocatícios, em desfavor do autor/apelante, para 11% sobre o valor atualizado do pedido de compensação por danos morais, observada a gratuidade. (TJ-RJ – APL: 00089386020218190028 202300139596, Relator: Des(a). MARIANNA FUX, Data de Julgamento: 29/06/2023, DECIMA NONA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 25ª)

Trata-se de demanda ajuizada pelo autor em face de AMPLA ENERGIA E SERVIÇOS S.A. na qual pleiteia a realização do refaturamento da fatura referente a agosto de 2021, considerando os créditos existente em virtude do sistema de compensação de energia (geração distribuída), gerando-se nova fatura com novo valor, e indenização dos danos morais.

Também pode-se apontar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, senão vejamos:

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTALAÇÃO PELO AUTOR DE SISTEMA GERADOR DE ENERGIA SOLAR RESIDENCIAL FOTOVOLTAICO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. FATURAS MENSAIS DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA EMITIDAS PELA CONCESSIONÁRIA. VALORES APURADOS SEM O DESCONTO DA QUANTIDADE DE KWH GERADA PELO SISTEMA FOTOVOLTAICO. OBRIGAÇÃO DA EMPRESA RÉ DE FORNECER SERVIÇO PÚBLICO ADEQUADO, EFICIENTE, SEGURO E, RELATIVAMENTE AOS ESSENCIAIS, CONTÍNUO. ART. 22, CAPUT , DO CDC. INCIDÊNCIA DAS RESOLUÇÕES NORMATIVAS NºS 482/2012 E 414/2010, AMBAS DA ANEEL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ERRO NO SISTEMA DE MEDIÇÃO. ANULAÇÃO DAS FATURAS ADMINISTRATIVAMENTE. CORREÇÃO DOS VALORES. DEVOLUÇÃO DO MONTANTE PAGO A MAIOR MEDIANTE COMPENSAÇÃO NAS FATURAS SUBSEQUENTES RELATIVAS AO CONSUMO MEDIDO NA UNIDADE CONSUMIDORA DO AUTOR. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO REJEITADO PELA SENTENÇA. ENGANO JUSTIFICÁVEL. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, PARTE FINAL, DO CDC. CUSTO DE ADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE MEDIÇÃO CONVENCIONAL PARA O SISTEMA FOTOVOLTAICO GERADOR DE ENERGIA SOLAR. RESPONSABILIDADE DO USUÁRIO. ART. 8º DA RESOLUÇÃO Nº 482/2012 DA ANEEL. DANOS MORAIS. LEITURA DE CONSUMO INCORRETA POR POUCOS MESES. MERO DISSABOR. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. AMBOS OS APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70076016393, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 29/11/2018)

Em todos esses casos apresentados, os tribunais aplicam o Código de Defesa do Consumidor às relações estabelecidas entre a distribuidora e consumidores de energia elétrica, todavia, todas elas tratam de situações nas quais de um lado está uma pessoa física contratando o serviço de geração distribuída. O raciocínio é mesmo para as pessoas jurídicas, uma vez que o art. 2º, do CDC, explicitamente dispõe que a pessoa jurídica também é consumidora.

Desse modo, conforme tem sido entendido pelo Superior Tribunal de Justiça o finalismo mitigado é perfeitamente aplicável às hipóteses de geração distribuída, mesmo que tenhamos de um lado um consórcio, cooperativa, associação civil ou condomínio, já que o critério essencial do finalismo mitigado é vulnerabilidade do consumidor no caso concreto. Essa vulnerabilidade, no caso do consumidor-gerador ou prossumidor é clara, já que de um lado tem-se uma pessoa jurídica e do outro uma concessionária de serviço público. Nesse sentido, Bruno miragem ensina que:

O reconhecimento ou não da vulnerabilidade passa a servir, então tanto para as situações excepcionais, em que a pessoa jurídica empresária, embora não sendo destinatária final fática e econômica, é classificada como consumidora, quanto para excluir, em circunstâncias excepcionais, a aplicação das normas de proteção ao consumidor quando presentes condições particulares do adquirente ou usuário, que o coloquem em situação de superioridade em relação ao vendedor ou prestador de serviços. O Princípio da vulnerabilidade, nesta linha de entendimento, firma-se como critério principal para determinação do conceito de consumidor e, em consequência, da aplicação das normas do CDC.

Se o princípio da vulnerabilidade passa a ser o fator determinante da aplicação do CDC ao consumidor pessoa jurídica, independente da destinação do produto, conforme última decisões do STJ, o consumidor-fornecedor ou prossumidor enquadra-se perfeitamente nesse conceito.

Vários elementos podem estar presentes na definição de vulnerabilidade, por exemplo: a dependência do produto; natureza adesiva do contrato imposto; monopólio da produção; extrema necessidade do bem ou serviço pelas exigências de modernidade da atividade; a diferença econômica entre os contratantes; a ausência de expertise de um deles. É impossível enumerar todas as situações possíveis de ocorrência da vulnerabilidade, pois o rol é meramente exemplificativo.

No caso da geração distribuída existe claramente a dependência do produto, a natureza adesiva do contrato, o monopólio da produção e a diferença econômica entre eles.

Renata Pita e Einar Tribuci afirmam que os consumidores de energia no âmbito da GD possuem vulnerabilidade técnica em face das empresas geradoras, tendo em vista que eles, na qualidade de clientes, desconhecem as particularidades técnicas da operação, muitas vezes atraídos tão somente pelo benefício econômico que poderão auferir com a redução na tarifa de energia elétrica. 7

Em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça tem um julgado de 2019:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE QUALIFICAÇÃO DA RECORRIDA COMO CONSUMIDORA FINAL. USO DO BEM NA PRODUÇÃO. AFASTAMENTO DO CDC. DESNECESSIDADE DE APRECIAÇÃO FÁTICO-PROBATÓRIA DA CAUSA. RECURSO ADEQUADAMENTE FORMULADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo (teoria finalista ou subjetiva). Tem-se mitigado a aplicação dessa teoria quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica, o que também não se verifica na questão em tela. Precedente.
2. A aplicação do CDC decorreu unicamente do fato de ser o bem (energia elétrica) oferecido no mercado de consumo, condição que não atrai a incidência da proteção consumerista à pessoa jurídica, empresa de estirenos. Para tanto, exige-se a demonstração de uso finalista do bem (desvinculado da implementação da atividade econômica) ou hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica, requisitos ausentes, como se observa do decisum estadual. Logo, é de rigor o afastamento do entendimento no sentido de haver relação de consumo entre as partes. 3. A pretensão da recorrida exarada no recurso especial, além de dispensar a apreciação fático-probatária, foi devidamente fomulada, não cabendo falar em aplicação das Súmulas 7/STJ e 283/STF nem ausência de cotejo analítico.4. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt nos EDcl no AREsp 1401381 /SP/AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0304487 Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE Órgão Julgador – T3 – TERCEIRA TURMA- Data do Julgamento – 24/06/2019 Data da Publicação/Fonte DJe 27/06/2019)

Apesar dessa decisão contrária do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há destinação finalista no uso produto, pois a empresa o emprega na sua atividade produtiva, por diversas vezes, o mesmo STJ, entendeu que o fator determinante seria a vulnerabilidade no caso concreto e não a destinação final. O próprio julgado afirma que a mitigação da teoria finalista poderia ser aplicada “quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica.” Ou seja, nessa decisão do STJ o que não ficou comprovado nos autos foi a vulnerabilidade do prossumidor ou consumidor no caso específico, desse modo.

Nesse sentido, como o prossumidor ou consumidor-gerador, este último conforme está disposto no marco legal da micro e minigeração distribuída, enquadra-se perfeitamente na aplicação do finalismo mitigado ou aprofundado já que existe uma vulnerabilidade patente entres esses consumidores e as distribuidoras de energia elétrica seja na dependência do produto, na natureza adesiva do contrato, no monopólio da produção ou na diferença econômica entre eles. Em sua grande maioria, todos esses elementos para a caracterização da vulnerabilidade vão estar presentes ao mesmo tempo.

Além disso, conforme afirmado alhures, esses contratos conexos de longa duração que são estabelecidos nessa nova relação complexa da geração distribuída, estabelece uma relação vertical entre dois contratos de longa duração, por conexidade, cujas obrigações são criadas e extintas de forma cíclica. “É um fluxo obrigacional decorrente do contrato de consumo (débito), depósito irregular (crédito) e posterior compensação como extinção das obrigações. A relação é duradoura, uma soma de contratos de longa duração, e se protrai no tempo, emergindo a necessidade de confiança entre as partes e dever de cooperação.”

 

Referências

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1. Mudanças climáticas: como o aquecimento global afeta a vida no Brasil. Disponível em : link. Acesso em. 13.12.2024.

2. RIBEIRO, Thiago Bao. Aumento de energia: como está o mercado no Brasil? Disponível em: link. acesso em 21.12.2024.

3. Geração distribuída de GD: o que é, regras, benefícios e como fazer parte. Disponível em: link. acesso em 21.12.2024.

4. BASSANI, Matheus Linck. A proteção do prossumidor na geração distribuída de energia elétrica. Porto Alegre, 2019. 231 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, 2019.Disponível em: link. Acesso em 17.12.2024.

5. TOFFLER, Alvin. The third wave. Bantam Books, 1980.

6. Sobre o finalismo mitigado ver: 1 – CONSUMIDOR-EMPRESÁRIO: a defesa do finalismo mitigado. 1. ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012. 2 . A aplicação do CDC ao empresário e à sociedade empresária: do maximalismo ao finalismo mitigado. Seleções Jurídicas. 7ed.São Paulo: AD2 editora, 2013, v. único, p. 18-34. 3. O conceito de Consumidor em face do Novo Código Civil e sua intrepretação jurisprudencial. Asa-Palavra (Brumadinho), v. 9, p. 109-118, 2008. 4. 20 anos do Código de Defesa do Consumidor: A evolução do conceito de consumidor. REVISTA DE DIREITO INTERNACIONAL, ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO, v. 5, p. 395-411, 2010. 5 . 20 anos do Código de Defesa do Consumidor: a evolução do conceito de consumidor. Jus Navigandi, v. 15, p. 2709, 2010. 6. A aplicação do CDC ao Empresário e à sociedade empresária: do maximalismo ao finalismo mitigado. Revista Jurídica LEX, v. 63, p. 111-135, 2013. 7. A Aplicação do CDC ao Empresário e à Sociedade Empresária: do Maximalismo ao Finalismo Mitigado. Doutrinas Jurídicas, v. 1, p. 1, 2013. E mais recentemente ver: OLIVEIRA, Júlio Moraes. 34 anos de discussão sobre a pessoa jurídica consumidora. Disponível em: link. acesso em 18.12.2024.

7. PITA, Renata; TRIBUCI, Einar. Direito do consumidor na geração compartilhada de energia elétrica. Disponível em: link. acesso em 21.12.2024.

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