Tradicionalmente o Direito divide a “capacidade jurídica” em: “capacidade de gozo ou fruição de direitos” (capacidade de direito) e “capacidade de fato no exercício de direitos” (capacidade de fato). O artigo 1º do Código Civil diz que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Esta é a “capacidade de direito”. No entanto, para a “capacidade de fato ou de exercício” existem alguns requisitos e restrições que a lei impõe visando a proteção do próprio indivíduo. Segue abaixo:
Requisitos em função da idade: os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes, enquanto os maiores de 16 anos e menores de 18 anos são relativamente incapazes.
Requisitos em função de limitações na autonomia ou manifestação de vontade: ébrios habituais (dependentes de bebida alcoólica), viciados em tóxicos, os que não conseguem exprimir sua vontade por causa transitória ou permanente (ex: pessoa internada em hospital em estado de coma) e os pródigos (gastam seu dinheiro e patrimônio de forma compulsiva) são relativamente incapaz.
No que diz respeito aos portadores de deficiência, o “Estatuto da Pessoa Com Deficiência” (Lei 13.145/2015), disciplina a questão. Na prática deve ser analisado o grau da deficiência e até que ponto a mesma prejudica a autonomia da pessoa. O estatuto oferece a possibilidade da “tomada de decisão apoiada”, na qual alguém de confiança do deficiente pode auxiliá-lo a entender as questões envolvidas numa dada decisão antes de o mesmo tomá-la.
A capacidade da pessoa indígena é regulamentada pelo “Estatuto do Índio”. Deve-se levar em conta se a circunstância envolve “indígena isolado”, “indígena em via de integração” ou “indígena integrado”. A capacidade plena só é reconhecida no último caso, sendo que nas duas situações anteriores será analisado até que ponto o indígena conhecia as consequências de seu ato.
Tais circunstâncias também geram consequências no Biodireito. Por exemplo, os maiores de idade podem exercer o consentimento no “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE), enquanto que os menores de idade apenas realizam a anuência no TCLE, necessitando do consentimento do responsável legal. Pela Teoria do Menor Amadurecido, o menor de idade (mesmo que absolutamente incapaz), deve ter sua vontade ouvida em questões de saúde, em conformidade com o seu grau de amadurecimento. Tal concepção está de acordo com o que estabelece o próprio “Estatuto da Criança e do Adolescente” (art.16, II).
Os que estão no pleno exercício de sua capacidade de fato podem elaborar uma Diretiva Médica Antecipada de Vontade (DAV), no qual esclarece como seu tratamento deve ser conduzido na hipótese de perda de consciência. A pessoa pode determinar, por exemplo, quais tratamentos lhe são aceitáveis, bem como diretrizes relacionadas ao estado vegetativo e aos tratamentos paliativos. Com este documento o paciente mantém sua capacidade jurídica de decisão referente ao que ficou nele estabelecido, assegurando sua autonomia e dignidade.
No Brasil, geralmente as pessoas realizam essas diretivas por meio de um Testamento Vital, embora possam elaborar um documento com o nome específico de “Diretiva Médica Antecipada de Vontade” (DAV). De qualquer forma, ambos os institutos são válidos e são registrados no Tabelionato de Notas.
Quanto aos demais que não estão no pleno exercício de sua capacidade jurídica de fato (mas que detém um grau razoável de discernimento), também existe a possibilidade de elaborar o DAV. Porém, neste caso necessitará da assistência de seu responsável legal. Na análise do caso em concreto, pode ser constatado que a circunstância que impede a capacidade jurídica plena não compromete a aptidão do indivíduo tomar decisões pessoais sobre seu estado de saúde. Para compreender essa questão, pode ser citado o seguinte exemplo: um pródigo pode naturalmente decidir assuntos relacionados a tratamentos paliativos, bem como se deseja ou não realizar a doação de órgãos após a sua morte cerebral, uma vez que isto não comprometerá o seu patrimônio.
As Diretivas Médicas Antecipadas de Vontade foram objeto de análise do Conselho Federal de Medicina (CFM) na Resolução nº 1995/2012. As resoluções do CFM são um parâmetro interessante para se compreender as orientações do referido conselho aos médicos, porém, deve-se lembrar que são comandos infralegais, proveniente de um órgão de classe, não contendo força de lei.
Por fim, caso o indivíduo deseje se precaver de futuros questionamentos quanto a sua capacidade de entendimento das decisões expostas no seu DAV, o mesmo pode juntar um laudo de um psiquiatra no período do preenchimento do mesmo, que ateste o seu pleno discernimento.