A colonialidade da sexualidade como recurso necropolítico

A colonialidade da sexualidade como recurso necropolítico

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Para Achille Mbembe, importante pensador contemporâneo, as políticas de extermínio revelam o interesse sistêmico pela precarização dos corpos, em nome dos ideais normativos que sustentam — atualizando as técnicas coloniais — uma noção fantasmagórica do outro. A alteridade, nesse caso, é composta por uma distância radical dos corpos cindidos de humanidade, pois a sua presença é articulada, denunciada e violentada pelos esquadros tecnopolíticos que reiteram uma lógica de subordinação. A colonialidade — processo que na contemporaneidade reitera os modelos de precariedade e de subalternidade de grupos sociais — aciona a raça, o gênero, a sexualidade e outros pressupostos entrecortados para violar, como capital nuclear para transmutar corpos em alvos.

A colonialidade tem um ideal de alteridade amplamente marcado pela semelhança e, ao atualizar as bases políticas, ou melhor, necropolíticas, reafirma — através dos discursos de poder, da moralidade restritiva e das normas que se modulam no apagamento de corpos precarizados — que a morte simbólica e material dos que são localizados à distância do quadro normativo cisgênero, heterossexual, branco e masculino, é um destino justificável.

É importante considerar que há, no inframundo das técnicas de poder, um interesse em compor a norma e, ao mesmo tempo, destituir, validando essa constituição, a vida que se manifesta à margem desse centro normativo. Em Foucault aprendemos que o corpo, por ser pressuposto político, está integrado às dinâmicas de poder que historicamente constroem as necessidades de verificação, controle e de desidratação de sua humanidade.  Nesse prisma, a sexualidade pode ser observada num circuito técnico-político e histórico de validação da heterossexualidade e de invalidação de desejos que recuam essa norma, constituída, de forma expressiva, pelos dispositivos de poder (discurso médico-científico, moralidade, institucionalidade, epistemologia etc.). Para o filósofo, é importante considerar que os projetos políticos de invalidação das sexualidades tratadas como não normativas ocorrem por meio da reiterada apresentação injuriosa dos corpos. Assim, observamos que o projeto moralizador do corpo e da sexualidade está na profusão generalizada de discursos — compreendendo a força técnica e política que se inclui nas práticas discursivas — que acirram uma oposição radical entre “nós” versus os “outros”, entre “legítimos” e “ilegítimos”. Tal oposição só pode existir numa reprogramação colonial que se nutre de uma alteridade radical ou, nos termos de Achille Mbembe, do alterocídio.

Logo, quando observamos que líderes religiosos fundamentalistas incidem contra a população LGBTQIAPN+ incitando, desejando e justificando, por meio de manipulação retórica de uma moralidade deslocada do esforço ético, político e histórico, a sua execução, somos provocados a compreender o modus operandi dessa colonialidade normativa que, de modo multiarticulado, enxerga na destruição do outro a manutenção dos seus próprios estatutos de validação. Trata-se de uma antropofagia política que se nutre dos corpos expostos dos que são significados como os outros. Ocorre que, de modo disruptivo, insurgente e alicerçado numa ética afetiva da diferença, as humanidades de pessoas LGBTQIAPN+ são inegociáveis e sua consciência política de aliança as torna, para essa prática antropofágica e colonial, indigestas.

 

Referências

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FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017a.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. (Org.). Roberto Machado. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017b.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1 edições, 2018b.

MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1 edições, 2020.

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