A Conmebol e o Racismo no Futebol Sul-Americano

A Conmebol e o Racismo no Futebol Sul-Americano

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O escritor Mário Filho (que empresta seu nome ao Maracanã), destaca que o The Bangu Athletic Club (atual Bangu Atlético Clube), foi pioneiro no Brasil escalando um atleta amador preto no ano de 1905. Tal fato ocasionou no ano de 1907 que a Liga Metropolitana de Futebol do Rio de Janeiro (RJ) viesse a divulgar um informe, que desautorizava expressamente a inscrição de “pessoas de cor” no futebol amador. O time decidiu então abandonar a liga e assim não participar do campeonato carioca da época.1

No dia 7 de abril de 1924, o Vasco da Gama também emitiu um comunicado dizendo que se recusaria a jogar o campeonato carioca sem os seus jogadores negros, como havia sido determinado pela confederação do Estado do Rio de Janeiro.1 Com o passar do tempo, jogadores pretos foram incorporados aos campeonatos de futebol.

No dia 15 de fevereiro de 2023 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou uma mudança no Regulamento Geral de Competições, estabelecendo, entre outras coisas, a possibilidade da perda de pontos por atos discriminatórios, conforme segue:

Art. 134 – A inobservância ou descumprimento deste RGC, assim como dos RECs, sem prejuízo de outras penalidades estabelecidas no presente Regulamento, sujeitará o infrator às seguintes penalidades administrativas que poderão ser aplicadas pela CBF, de forma cumulativa ou não, não necessariamente nesta ordem:

IV – Perda de pontos, em relação a clubes por infração ao disposto no §1º e observado o §4º.

1° – Considera-se de extrema gravidade a infração de cunho discriminatório praticada por dirigentes, representantes e profissionais dos Clubes, atletas, técnicos, membros de Comissão Técnica, torcedores e equipes de arbitragem em competições coordenadas pela CBF, especialmente injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia, procedência nacional ou social, sexo, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, fortuna, nascimento ou qualquer outra forma de discriminação que afronte a dignidade humana.

4º – A penalidade disposta no art. 134, IV poderá ser imposta administrativamente pela CBF, encaminhado-se o caso ao STJD para apreciação, ficando sua cominação definitiva condicionada ao julgamento do STJD sobre a aplicação da perda de pontos ao clube infrator… 3

Assim, para que o clube seja punido com a perda de pontos são necessários dois passos: (1) a punição administrativa da CBF e (2) a confirmação do STJD em seu julgamento. Com certeza, foi um grande avanço.

No contexto sul-americano no dia 9 de maio de 2022, o Conselho da Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) alterou o artigo 17º do Código Disciplinar, aumentando as penas para atos discriminatórios, incluindo os seguintes:

1. Qualquer jogador ou funcionário que insulte ou atente contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem será suspenso por um mínimo de cinco jogos ou por um período mínimo de dois meses. 2. Qualquer Associação Membro ou clube cujos apoiadores insultem ou atentem contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de cor de pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem, será multado em pelo menos cem mil dólares americanos (USD 100.000). O órgão judicial competente poderá também impor a sanção de disputar um ou mais jogos com portões fechados ou o bloqueio parcial do estádio. 3. Se as circunstâncias particulares de um caso a exigirem, o Órgão Judicial competente poderá impor sanções adicionais à Associação Membro ou ao clube, jogador ou funcionário responsável.4

Anteriormente, a pena era uma multa máxima de 30.000 dólares americanos e não incluía a possibilidade de jogos com portões fechados. Esta alteração entrou em vigor no mesmo dia de sua emissão e é aplicável a atos racistas cometidos após essa data.

Portanto, é possível perceber, a partir da análise do Regulamento Disciplinar da CONMEBOL, a possibilidade de coibir atos dessa natureza de forma mais eficaz. Porém, na prática as punições mais contundentes geralmente só são cogitadas em caso de reincidência, o que fragiliza o combate ao racismo. Na edição da Copa Libertadores e da Copa Sul-americana de 2022, nenhum clube jogou com estádio vazio em virtude da prática de racismo por seus torcedores. Como é de conhecimento público, apenas para citar um exemplo, o tradicional Boca Juniors da Argentina teve manifestação racista em sua torcida nos dois jogos contra a equipe brasileira do Corinthians (SP) na Copa Libertadores, e mesmo assim não jogou com estádio vazio nem mesmo após a mudança do regulamento.

De fato, no histórico das competições da CONMEBOL, ainda não houve nenhuma sanção neste sentido, embora as práticas racistas ocorram já a décadas e em diversos jogos das suas mais variadas competições (incluindo categorias de base). Apesar de a CONMEBOL estar aparentemente mais preocupada com a vítima, o aspecto financeiro e político (incluindo o receio de desagradar dirigentes de equipes de futebol tradicionais, as quais possuem poder de voto e influência nas confederações e federações), ainda parece falar mais auto, deixando a vítima em segundo plano.

Times muito populares e com peso político na CONMEBOL, como Boca Juniors (ARG), River Plate (ARG), Cerro Porteño (PAR) e Universidad Católica (CHI), tiveram manifestações racistas em suas torcidas. Agora é aguardar como a CONMEBOL irá tratar o assunto no decorrer das competições em 2023.

 

Referências

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Disponível em: https://bit.ly/2HqNJzZ.

HELAL, Ronaldo. O racismo no futebol carioca na década de 1920: imprensa e invenção das tradições. Fortaleza: Revista de Ciências Sociais. 42 (1): 77- 88, jan/ jun 2011.

HONESKO, Raquel Schlommer. Discussão Histórico-Jurídica sobre as Gerações de Direitos Fundamentais: a Paz como Direito Fundamental de Quinta Geração. In Direitos Fundamentais e Cidadania. FACHIN, Zulmar (coordenador). São Paulo: Método, 2008.

OBSERVATÓRIO RACIAL. Futebol sul-americano tem recorde de casos de racismo em 2022. Disponível em: https://bit.ly/3TgSgK6.

SOARES, Antonio Jorge. O racismo no futebol do Rio de Janeiro nos anos 20: uma história de identidade. São Paulo: Revista Paulista de Educação Física. 13 (1): 119 -29, jan/ jun 1999.

1. MÁRIO FILHO, O negro no futebol brasileiro, Mauad, 2010, Rio de Janeiro, 2010.

2. EL PAÍS. Vasco da Gama, o clube que abriu as portas do futebol para os negros. Edição de 07 abr 2019, disponível em: https://bit.ly/2M3BkGe.

3. PORTAL GE, CBF institui punições por racismo em futebol brasileiro, disponível em: https://bit.ly/3LqAEJX

4. CONMEBOL. Reglamento disciplinário. Gran Asunción: 2022. Disponível em: https://bit.ly/42iApXE.

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