A descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal e seus efeitos na segurança pública

A descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal e seus efeitos na segurança pública

direito, balança da justiça, sopesamento de direitos

O Supremo Tribunal Federal – STF, por maioria, declarou a inconstitucionalidade do previsto no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 (Lei de Drogas), retirando a natureza penal da conduta de portar droga para consumo pessoal (somente de maconha) fixando, ainda, a quantidade de 40 gramas como limite, visando reforçar a distinção das figuras do traficante e do usuário para fins de aplicação da lei penal.

Importante é, contudo, ressaltar que descriminalização não é sinônimo de legalização. Isto é, o porte de maconha para consumo pessoal não está autorizado por lei, logo, trata-se, ainda, de uma conduta ilícita no Brasil, porém não mais criminalizada.

Ademais, o próprio dispositivo (art. 28, caput, da Lei nº. 11.343/2006), embora apresentasse a expressão “penas”, em sua parte final, previa que, aquele que adquirisse, guardasse, tivesse em depósito, transportasse ou trouxesse consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, seria submetido a:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. (BRASIL, 2006).

Veja que, não estaria, em hipótese alguma, sujeito à pena de prisão o indivíduo que praticasse quaisquer das condutas previstas no caput do art. 28 da Lei nº. 11.343/2006. Ainda nesse sentido, o parágrafo 2º, do art. 42, da própria Lei de Drogas, prevê expressamente a vedação à prisão em flagrante ao chamado “usuário”.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, diante da omissão legislativa acerca da quantidade que definiria o usuário, para fins de aplicação da lei penal, tratou de estabelecer um limite quantitativo, em gramas, para o porte de maconha, no intuito de fazer com que a decisão sobre quem é usuário e quem é traficante não fique nas mãos da autoridade policial e, consequentemente, da autoridade judiciária de forma tão discricionária.

Notadamente, há a relevante participação do Ministério Público (titular da ação penal pública) antes da decisão judicial acerca do crime que pode, por exemplo, não oferecer a denúncia. Porém, não podemos nos enganar, o órgão do Ministério Público está, cada vez mais, abarrotado de demandas criminais de diversas naturezas, ficando cada vez mais difícil analisar, individualmente, o caso concreto e as provas produzidas na fase pré-processual, e isso podemos observar, diariamente, no exercício da advocacia criminal.

Sobre o termo “droga”, estabelece a Lei nº. 11.343/2006 que:

Art. 1º. Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. (BRASIL, 2006).

Outro ponto importante da decisão, acerca da descriminalização, é que esta atinge tão somente as condutas previstas no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 e, até então, apenas em relação à maconha, permanecendo a tipicidade dos demais dispositivos incriminadores apresentados na lei, a exemplo do art. 33, que trata acerca das condutas relacionadas ao tráfico de drogas.

O STF manteve em sua decisão sobre a descriminalização do art. 28 a possibilidade de aplicação da advertência e do comparecimento obrigatório a curso educativo, entendendo que não há, nesse caso, natureza penal, mas sim administrativa.

Importante é destacar que a decisão, contudo, não impede abordagens policiais e a consequente apreensão da droga, pelo fato de não ter sido operada a legalização, tratando-se, assim, de produto ilícito e conduta passível de punição administrativa.

Na prática, em razão da impossibilidade de prisão em flagrante daquele que portava drogas para consumo pessoal, desde a vigência da Lei nº. 11.343/2006, muitos policiais acabavam fazendo “vista grossa” diante de usuários que consumiam drogas nas ruas.

Isso porque, em caso de condução de usuários para a delegacia de polícia ou para o juizado especial, antes mesmo da descriminalização, já havia, além de um enorme dispêndio de tempo, elevado gasto de verba pública com consequências mínimas para o conduzido (usuário).

Além disso, há de ser levado em consideração, um contexto de déficit policial e de graves crimes a serem perseguidos pelos órgãos policiais. E isso fazia com que, na prática, o crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas já estivesse há muitos anos descriminalizado.

De mais a mais, para muitos, não pode o Estado (poder público) intervir na esfera da vida privada da pessoa que faz uso de drogas, como não ocorre, por exemplo, em relação ao consumo de cigarro e bebidas alcóolicas que, apesar de serem considerados produtos lícitos, podem, também, causar dependência.

A pessoa que faz uso de maconha, obviamente, não quer estar sujeita a sanções de natureza administrativa impostas pelo poder público, assim como quem consome drogas líticas, como cigarro e álcool, por exemplo, não está.

O assunto gera uma grande polêmica e causa confusão em boa parte da sociedade que acredita que descriminalização é sinônimo de legalização, o que pode configurar um grave erro.

Assim, aguardamos pela fixação das teses que servirão como parâmetro para distinguir o usuário do traficante, no dia a dia da atuação policial, com a descriminalização da maconha operada em nosso ordenamento jurídico.

 

Referências

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BRASIL. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Disponível em: site. Acesso em 16/07/2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 635659/SP. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 28.06.2024. Disponível em: site. Acesso em 16.07.2024.

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