A diária que não tem um dia…

A diária que não tem um dia…

Hotel

O serviço de hotelaria e hospedagem é um dos serviços que mais cresceu depois da pandemia de covid-19. Houve uma demanda reprimida desses serviços durante quase 2 anos de pandemia e quando as restrições acabaram, a procura por esse tipo de serviço só aumentou.

A Lei Geral do Turismo, em seu art. 23, dispõe que consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual ou coletiva de uso exclusivo de hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados serviços de hospedagem, mediante instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária. Em seu parágrafo § 4o, essa mesma lei afirma que entende-se por diária o preço de hospedagem correspondente à utilização da unidade habitacional e dos serviços incluídos, no período de 24 (vinte e quatro) horas, compreendido nos horários fixados para entrada e saída de hóspedes.

A interpretação desse dispositivo por consumidores, órgãos de defesa do consumidor e estabelecimentos tem sido objeto de muita polêmica. Muitos entendem que o termo diária, fração ideal da hospedagem deve corresponder ao valor de um dia, ou seja, 24 horas, mas os estabelecimentos defendem que a interpretação do art. 23, § 4o , da Lei n. 11.171/08, dá margem à divergência, já que o dispositivo expressa que na diária, 24 horas, devem estar incluídos os períodos de entrada e saída.

Desse modo, os estabelecimentos afirmam que precisam de um lapso de tempo entre a saída e a entrada de um consumidor para poderem preparar e limpar o quarto, e que se não houver esse tempo tal medida não seria possível. Todavia, a imprensa tem noticiado constantemente abusos por parte dos fornecedores. Essa falta de regras específicas sobre o tema, tem feito com que alguns estabelecimentos abusem de seu direito estabelecendo diárias de menores que 16 horas. Tal prática pode ser considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor nos termos do art. 6, III, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Ao estipular informação clara e adequada sobre a quantidade, esse é um aspecto que interessa aos consumidores desse tipo de serviço. O inciso V do mesmo artigo, dispõe que o consumidor tem direito a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais.

Também é possível inferir que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes, no termos do art. 39,II, além de também ser considerado prática abusiva, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.

O referido Código ainda prevê que são consideradas cláusulas abusivas aquelas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. A cobrança por período inferior caracteriza alteração unilateral do contrato de hospedagem, em prejuízo do consumidor, infringindo princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual (art. 421 e 422 do Código Civil). A falta de clareza na política de diárias e períodos de hospedagem viola o direito básico do consumidor à informação prévia e adequada (art. 6º, III, CDC).

Existe hoje no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 4467/24, que propõe estipular que o limite para redução da primeira diária em meios de hospedagem seja de duas horas. Ou seja, a primeira diária deverá ter duração mínima de 22 horas. O texto também proíbe a imposição de horário de saída, no último dia, anterior ao meio-dia.

O objetivo do autor da proposta, deputado Marcelo Queiroz (PP-RJ), é estabelecer uma padronização que respeite o tempo necessário para o cliente aproveitar adequadamente as instalações e os serviços contratados junto ao meio de hospedagem. “Atualmente, é comum que muitos estabelecimentos pratiquem horários restritivos, em que o check-in ocorre apenas no período da tarde e o check-out é exigido logo pela manhã do dia seguinte”, observa Queiroz.

O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. n. 1.717.11-SP, entendeu que a intepretação literal do enunciado normativo do § 4º do art. 23 da Lei 11.771/08, ou mesmo do art. 25 do seu decreto regulamentador, que teria conduzido à conclusão do TJSP não pode prevalecer uma vez que é natural a previsão pelo estabelecimento hoteleiro, para permitir a organização de sua atividade e prestação de serviços com a qualidade esperada pelo mercado consumidor, de um período entre o check-out do anterior ocupante da unidade habitacional e o check-in do próximo hóspede, inexistindo ilegalidade ou abusividade:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE HOTELARIA. PERÍODO DA DIÁRIA (24 HORAS). LEI 11.771/08 E DECRETO 3.781S/10. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DO VALOR DA DIÁRIA EM FACE DE ALEGADA REDUÇÃO DO PERÍODO DE ESTADIA ANTE A NECESSIDADE DE ORGANIZAÇÃO E LIMPEZA DAS UNIDADES HABITACIONAIS ENTRE A SAÍDA DE UM HÓSPEDE E A ENTRADA DE OUTRO Nº 1.0000.19.009229-6/000. HABEAS CORPUS CÍVEL. 5ª CÂMARA CÍVEL. BELO HORIZONTE. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE HOTELARIA. PERÍODO DA DIÁRIA (24 HORAS). LEI 11.771/08 E DECRETO 3.781/10. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DO VALOR DA DIÁRIA EM FACE DE ALEGADA REDUÇÃO DO PERÍODO DE ESTADIA ANTE A NECESSIDADE DE ORGANIZAÇÃO E LIMPEZA DAS UNIDADES HABITACIONAIS ENTRE A SAÍDA DE UM HÓSPEDE E A ENTRADA DE OUTRO.

1. Polêmica em torno da legalidade da cobrança de uma diária completa de 24 horas em hotéis que adotam a prática de check-in às 15:00h e de check-out às 12:00h do dia de término da hospedagem.

2. Controvérsia em torno da correta interpretação do disposto no art. 25da Lei 11.771/08 e no art. 23do Decreto 7.381/10.

3. Ausência de razoabilidade na interpretação literal desses enunciados normativos para se fixar o dever do fornecedor do serviço de hospedagem de reduzir o valor da diária proporcionalmente ao número de horas necessárias para a organização e limpeza das unidades habitacionais antes da entrada de novo cliente.

4. Constitui fato incontroverso a veiculação pela empresa demandada de forma clara ao mercado consumidor de informação acerca do horário do check-in (15:00hs) e do check-out (12:00hs) para seus hóspedes, como, aliás, o fazem a generalidade dos prestadores de serviço de hotelaria.

5. Natural a previsão pelo estabelecimento hoteleiro, para permitir a organização de sua atividade e prestação de serviços com a qualidade esperada pelo mercado consumidor, de um período entre o check-out do anterior ocupante da unidade habitacional e o check-in do próximo hóspede, inexistindo ilegalidade ou abusividade a ser objeto de Documento: 1800275 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 15/03/2019 Página 1 de 5 Superior Tribunal de Justiça controle pelo Poder Judiciário.

6. A prática comercial do horário de check-in não constitui propriamente um termo inicial do contrato de hospedagem, mas uma prévia advertência de que o quarto poderá não estar disponível ao hóspede antes de determinado horário.

7. A fixação de horários diversos de check-in (15:00hs) e check-out (12:00hs) atende a interesses legítimos do consumidor e do prestador dos serviços de hospedagem, espelhando antiga prática amplamente aceita dentro e fora do Brasil.

8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Desse modo, o projeto de lei pode evitar os abusos cometidos por muitos estabelecimentos de hospedagem

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