A exigência da representação do ofendido nos crimes de lesão corporal de natureza leve praticados por pessoas privadas da liberdade

A exigência da representação do ofendido nos crimes de lesão corporal de natureza leve praticados por pessoas privadas da liberdade

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A representação do ofendido ou de seu representante legal se faz necessária diante de crimes de ação penal pública condicionada à representação, como forma de procedibilidade da ação penal.

Tal previsão pode ser extraída do Código de Processo Penal Brasileiro que diz que:

Art. 24.  Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Nesse sentido, diante da ausência de representação do ofendido ou de seu representante legal, nos crimes de ação penal condicionada à representação, não poderá o Sistema de Justiça Criminal atuar de ofício, isto é, dar início à persecução criminal.

Contudo, embora se trate de documento que reduz a termo e formaliza a vontade do ofendido de ver seu algoz processado e punido nos termos da lei, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, bem como os Tribunais Superiores (STJ e STF) possuem jurisprudências no sentido de que, pelo fato de não se tratar de documento que exige maiores formalidades, sua ausência não configura hipótese de nulidade processual, pois a simples manifestação da vítima, em querer ver o autor  dos fatos processado, é o bastante para que os órgãos responsáveis pela persecução penal atuem nesse sentido (Polícia Judiciária e Ministério Público).

No entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “quando a ação penal pública depender de representação do ofendido ou de seu representante legal, tal manifestação de vontade, condição específica de procedibilidade sem a qual é inviável a propositura do processo criminal pelo dominus litis, não exige maiores formalidades, sendo desnecessário que haja uma peça escrita nos autos do inquérito ou da ação penal com nomen iuris de representação, bastando que reste inequívoco o seu interesse na persecução penal“.1

Sendo assim, para o STJ, basta que haja expressa manifestação em boletim de ocorrência policial para que a ausência da representação do ofendido ou de seu representante legal seja suprida, fato que configura um grave erro, pois nosso ordenamento jurídico traz a exigência da representação, documento, este, que, via de regra, pode ser confeccionado em sede policial e assinado pela autoridade policial, mas que na grande maioria das vezes é elaborado por advogado(a) regularmente inscrito nos quadros da OAB e, portanto, não se confundindo com o simples boletim de ocorrência policial (B.O).

Em posicionamento parecido segue a Suprema Corte (STF):

A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a representação da vítima, em crimes de ação penal pública condicionada, dispensa maiores formalidades. Contudo, quando não houver inequívoca manifestação de vontade da vítima no sentido do interesse na persecução criminal, cumpre intimar a pessoa ofendida para oferecer representação, nos moldes do previsto no art. 91 da Lei 9.099/95, aplicado por analogia ao procedimento comum ordinário consoante o art. 3º do Código de Processo Penal”2

A Lei nº. 9.099/19953 , por sua vez, menciona, expressamente, em seu art. 88 que além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.

Diante disso, quando passamos à análise da (in)exigência da representação do ofendido ou de seu representante legal, diante da prática de crimes de menor potencial ofensivo, em especial o de lesão corporal de natureza leve (art. 129, caput, CP), no sistema prisional, o procedimento adotado deve ser exatamente o mesmo.

Por conseguinte, caso uma pessoa presa venha a agredir fisicamente outra, causando-lhe lesões corporais de natureza leve, deve o(a) Policial Penal (primeiro garantidor dos direitos fundamentais de pessoas privadas da liberdade), observar a exigência legal da representação do ofendido, como condição de procedibilidade da futura ação penal, obviamente, sem prejuízo da instauração de processo disciplinar pela prática de falta durante o cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos da Lei nº. 7.210/19844 .

Assim, praticado o crime de lesão corporal durante o cumprimento da pena, deve o(a) policial penal verificar a gravidade das lesões decorrentes da agressão física e sua respectiva classificação, pois é importante ressaltar que somente a lesão corporal de natureza leve é crime de ação penal pública condicionada à representação5.

O código penal classifica no art. 129, §§1º e 2º, as lesões corporais de natureza grave. A expressão “gravíssimas” é mera construção doutrinária, que visa distinguir as lesões graves previstas no §1º das previstas no §2º do mesmo artigo.

Desse modo, a lesão corporal de natureza leve é definida pelo critério da eliminação, isto é, a lesão corporal que não se enquadrar naquelas descritas nos §§1º e 2º, do art. 129 do Código Penal, serão consideradas leves. Como exemplo desse tipo de lesão podemos citar aquela que provoca arranhão na pele, olho roxo, torções, perda temporária dos sentidos – desmaio, cortes nos supercílios etc.

Sendo confirmada a natureza leve da lesão corporal, deve a pessoa privada da liberdade ser cientificada da exigência legal da representação, bem como se esta tem o real interesse em representar contra o autor das lesões, visando sua punição criminal de acordo com o previsto no caput do art. 129 do Código Penal.

Manifestado o interesse inequívoco do ofendido na representação criminal, devem as pessoas envolvidas serem encaminhadas, mediante escolta, para a delegacia de polícia mais próxima, para que seja lavrado o Termo Circunstanciado (TC), dando, assim, início a persecução penal, comprovando- se, ainda, a materialidade do delito através do exame de corpo de delito.

Lado outro, manifestado o desinteresse na representação por parte do ofendido, não devem os envolvidos ser encaminhados sob escolta à delegacia de polícia judiciária para o registro da ocorrência. Isso porque sem a manifestação de vontade de representar não pode a autoridade policial e seus agentes procederem a registro de crime que depende de representação do ofendido.

Devem, contudo, serem os envolvidos (autor e vítima) cientificados do registro de falta disciplinar durante o cumprimento da pena privativa de liberdade e da posterior instauração do devido processo disciplinar no âmbito administrativo, que será instaurado e decidido pela autoridade administrativa (diretor ou diretora do estabelecimento penal), assegurados todos os direitos constitucionais não atingidos pela sentença penal condenatória, dentre eles a ampla defesa e o contraditório.

 

Referências

____________________

1. (AgRg no RHC n. 118.489/BA, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 25/11/2019).

2. (RHC 205070 AGR / SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 11/11/2021).

3. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

4. Lei de Execução Penal – LEP.

5. Art. 88 da Lei nº. 9.099/1995.

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