A fixação da divisão do pagamento de pensão alimentícia em uma análise de Igualdade de Gênero

A fixação da divisão do pagamento de pensão alimentícia em uma análise de Igualdade de Gênero

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No mês de março, habitualmente costumamos falar muito sobre as questões de igualdade de gênero em virtude do histórico dia 8 de março, momento em que relembramos a luta pela igualdade de direitos da mulher em virtude do incêndio da fábrica têxtil, ocorrido em 1911 na cidade de Nova York e tirou a vida de mais de 100 mulheres.

Com vista a trazer este tema dentro de uma dinâmica familiar, é importante tratar da questão relacionada a pagamento de pensão alimentícia e à igualdade de gênero, visto que nas ações desta natureza se observam a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante.

Por certo que houve avanços significativos com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º, I, e 226 § 5º, estes estabelecem a igualdade de direitos e obrigações na sociedade e no casamento, bem como temos posteriormente o Código Civil o qual prescreveu que os custos com os filhos devem ser suportados por ambos os genitores.

É evidente que os custos com os filhos não podem levar à miserabilidade dos pais ou, ainda, ao enriquecimento dos filhos, neste sentido, é importante observar a possibilidade de custeio dos pais e a proporcionalidade da divisão destes custos1 .

Na prática, é comum que se determine a obrigação de pagar alimentos no montante de 30% do valor pago pelo alimentante (partindo do pressuposto de tratar-se de crianças saudáveis), e o outro genitor que mantém a guarda consigo assume as demais despesas não albergadas pela porcentagem estabelecida em juízo2 .

Porém, quando o valor equivalente à 30% da renda do alimentante não cobre todas as despesas, nem sempre a matemática fecha para o guardião, isso porque o genitor guardião que se dedica à criança e tem o privilégio de passar mais tempo com ela, certamente, colhe o preço de sua escolha em sua carreira, uma vez que não terá tempo para dedicar-se em seu crescimento profissional.

E, como os guardiões ainda são em sua maioria mulheres, que historicamente recebem salário inferior ao homem, a somatória de fatores é cruel!3

Assim, é correto falar que estas mulheres, mães, que mantêm consigo a guarda de seus filhos, por não se dedicarem à carreira, não crescem, não prosperam e, por sua vez, acabam por suportar os demais custos com os filhos, o que pode acarretar a real porcentagem de 70% ou mais de seu salário, não restando a ela nada ou quase nada4 .

Esse círculo vicioso leva a mãe guardiã a empobrecer cada dia mais, em uma cadeia complexa de eventos que reforçam, por meio de um crescente looping, os resultados prejudiciais que demonstram os malefícios da desigualdade de gênero.

Quem perde com isso? Todos!

Os filhos, pois vivem a realidade do empobrecimento e da precariedade de recurso com a diminuição progressiva de suas oportunidades, os genitores alimentantes, uma vez que sentem a pressão emocional desta conjuntura de fatores e acabam por ser culpabilizados (e nem sempre é sua culpa).

Por fim, a mãe guardiã, que se encontra em uma escolha difícil, entre a maternidade com qualidade de presença ou renuncia à guarda e vive com a culpa social pela sua escolha profissional para garantir uma velhice tranquila financeiramente.

Vejam que a desigualdade de gênero impacta não só a mulher, mas a sua família, a sociedade como um todo, visto que 80% dos domicílios brasileiros são gerenciados exclusivamente por mulheres que são, em sua maioria, as únicas provedoras do lar5 .

Isso ocorre porque o princípio da isonomia incluído na Constituição Federal é aplicado nesses casos, com uma igualdade formal6 , o que traz injustiça social, sem avaliar as diferenças existentes entre as pessoas de gêneros diferentes para igualá-las.

Desta forma, ao aplicarmos este princípio nas ações de natureza alimentar, temos de avaliar não apenas a necessidade do alimentado e a possibilidade dos genitores, mas a REAL proporcionalidade na divisão destes custos, ou seja, se o genitor alimentante paga 30% do seu salário, o genitor guardião ao final da soma das despesas não albergadas por esta pensão, na divisão destas deveria arcar com 30% do seu salário também, e não como vem sendo aplicado.

Só assim estaremos de fato dando chance para que esta mulher, guardiã, tenha a oportunidade de dedicar-se também à atualização profissional, sem renunciar à maternidade e disputar melhores cargos e salários, escapando da linha da pobreza em que a maioria das famílias brasileiras, as quais são chefiadas por mulheres, encontram-se.

Estas são essas as minhas considerações, no mês em que se comemora internacionalmente a mulher, sobre o padrão percentual de fixação na divisão do pagamento de pensão alimentícia em uma análise a partir do trinômio: necessidade, possibilidade e proporcionalidade e, a aplicação da igualdade formal e material nestes casos, vale repensar os padrões pré-fixados…

 

Referências

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1. Código Civil: “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (…) § 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

2. Por certo que há alimentos fixados em patamares maiores e menores a nível de porcentagem do salário do alimentante, mas na maioria dos casos em que atuei nestes meus 20 anos de profissão, a porcentagem fixada gira em torno deste valor.

3. Por certo que temos mulheres que ganham mais que seus maridos, mas de formal geral os dados governamentais demonstram que esta é a realidade brasileira.

4. Veja que nestes casos existe a negativa da aplicabilidade do artigo 1.703 do Código Civil com relação ao genitor guardião. Código Civil: “Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”.

5. Informação obtida no site do Governo Federal, artigo “Mulheres são responsáveis familiares em 81,5% dos lares que recebem Auxílio Brasil”, no link: https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2022/10/mulheres-sao-responsaveis-familiares-em-81-5-dos-lares-que-recebem-auxilio-brasil

6. “A igualdade formal relaciona-se à igualdade perante a lei, enquanto a material sustenta-se a partir da afirmação de que, além de não discriminar arbitrariamente, deve o Estado promover igualdade de oportunidades, estabelecendo a elaboração de leis e a implementação de políticas públicas tendentes a extinguir ou diminuir as desigualdades de fato” (SILVA, 2007, p. 28).

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