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A Importância do Movimento “Nada Sobre Nós Sem Nós” e dos Aliados da Inclusão para a Inclusão Efetiva

Nada Sobre Nós Sem Nós

A expressão “nada sobre nós sem nós” transcende a uma simples frase para tornar-se um poderoso lema que encapsula a luta incessante pela inclusão e participação direta de pessoas com deficiência nas decisões que afetam suas vidas. Este princípio é especialmente crítico quando refletimos sobre a história das pessoas com deficiência, marcada por longos períodos nos quais decisões cruciais eram tomadas por aqueles sem experiência direta de suas condições. Um exemplo emblemático dessa prática excludente é o Congresso de Milão de 1880, que se tornou um símbolo da opressão sistemática contra a comunidade surda.

O Congresso de Milão não foi apenas uma reunião de educadores; foi um evento que desencadeou uma regressão significativa no progresso social e educacional da comunidade surda. A decisão de proibir a língua de sinais, tomada predominantemente por ouvintes, baseou-se em preconceitos e uma compreensão limitada das verdadeiras capacidades e necessidades dos surdos. Este ato de exclusão não apenas marginalizou a língua de sinais, mas também perpetuou a noção de que a surdez era uma deficiência que precisava ser “corrigida” por meio da oralização, ignorando o rico patrimônio cultural e a eficácia comunicativa das línguas de sinais.

A proibição imposta pelo Congresso de Milão resultou em décadas de atraso na escolarização e socialização de indivíduos surdos. Sem a língua de sinais, muitos surdos foram privados de uma educação adequada e da capacidade de se comunicar efetivamente, limitando suas oportunidades de participar plenamente na sociedade. Esse episódio histórico serve como um lembrete pungente da importância de incluir as vozes daqueles diretamente afetados pelas políticas e práticas em questão.

Assim, a reivindicação “nada sobre nós sem nós” reflete um movimento mais amplo em direção à autodeterminação e empoderamento de pessoas com deficiência. Esse lema ressoa em várias lutas pela justiça social, ecoando a necessidade de que as políticas e práticas sejam informadas e lideradas por aqueles que vivenciam diretamente suas consequências. A ideia é simples, mas profundamente transformadora: as pessoas com deficiência devem estar no centro das decisões que afetam suas vidas, desde a educação e o emprego até a saúde e a acessibilidade.

À medida que avançamos, é crucial reconhecer a importância de aprender com os erros do passado, e trabalhar para garantir que as vozes das pessoas com deficiência sejam ouvidas e valorizadas. A inclusão verdadeira exige uma mudança de paradigma, na qual as decisões são tomadas não apenas com as pessoas com deficiência, mas, mais importante, por elas. Este princípio não só promove a equidade e o respeito, como também enriquece nossa sociedade com perspectivas diversas que conduzem à inovação e ao progresso inclusivo.

Assim, o lema “nada sobre nós sem nós” permanece um chamado essencial para ação, enfatizando que a inclusão e a participação ativa são fundamentais para a dignidade e os direitos de todas as pessoas, independentemente de suas habilidades.

Conquanto, é evidente que a luta não pode deixar de lado outros atores que contribuem para a construção de uma sociedade mais inclusiva, isso porque, o lema não pode ser reducionista ao ponto de desqualificar ou minimizar a contribuição significativa de familiares, profissionais da área de acessibilidade e inclusão, e defensores que, embora não tenham deficiências evidentes, dedicaram anos, ou até mesmo a vida inteira, à luta pela inclusão.

Esses indivíduos, por meio de sua dedicação, estudo, e trabalho incansável, desempenham um papel crucial no avanço dos direitos e na melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência. Profissionais que atuam em escolas de atendimento especializado, no direito das pessoas com deficiência, na saúde, e nas políticas públicas, acumulando ao longo dos anos uma experiência valiosa e uma compreensão profunda das complexidades envolvidas na promoção da inclusão efetiva.

Sendo assim, é necessário equilibrar e validar a experiência vivida pelas pessoas com deficiência, posto que são elas as que serão diretamente impactadas pelas políticas e práticas propostas, devendo, portanto, serem verdadeiramente inclusivas e atendam às suas necessidades. Somado a essa identidade, também deve se reconhecer que os aliados dedicados à causa também construíram suas competências e suas habilidades, de modo que podem contribuir efetivamente para a construção de um plano conjunto de inclusão. É, neste momento, que reconhecemos os valores das seguintes sentenças: “não basta não ser racista, é necessário ser antiracista”; “não basta não ser capacitista, é necessário ser anticapacitista”. É evidente que na postura de ser “anti” alguma coisa, encontra-se incorporada a postura da ação, assim, devendo ser reconhecida, novamente, a importância de construções conjuntas de soluções que viabilizam uma inclusão efetiva.

É neste condão que deve se reconhecer que o profissional, ainda que sem deficiência que se capacite para trabalhar as temáticas de acessibilidade, diversidade e inclusão, deve ser reconhecido pelo seu estudo, dedicação e contribuição para uma construção social. Das habilidades desenvolvidas deve-se reconhecer que sua experiencia, conhecimento e empatia se tornam indispensáveis ao avanço contínuo na luta pela igualdade e justiça. A colaboração entre pessoas com e sem deficiências, trabalhando juntas, com respeito e engajamento, fortalece o movimento de inclusão e assegura uma abordagem mais holística e eficaz.

Desta forma é oportuno reconhecer que as pessoas com deficiência e seus aliados não se encontram em campo de batalha, mas estão do mesmo lado, atuando em um esforço coletivo que valoriza todas as contribuições, sejam elas de pessoas com deficiências de longa data, recém-chegadas à comunidade, familiares, profissionais, ou aliados engajados.

Sendo assim, a expressão e o movimento “nada sobre nós sem nós”, deve ser observado como um convite à união e ao reconhecimento mútuo das contribuições de todos na luta pela inclusão. Este princípio deve ser uma ponte que conecta experiências diversas, valorizando tanto as vozes das pessoas com deficiência quanto o apoio e a dedicação daqueles que, mesmo sem deficiências evidentes, escolheram caminhar ao lado delas, empenhados em construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.

É necessário que se relembre a história e se reconheça o fator histórico da exclusão da comunidade surda, para que não mais nos segreguemos na busca e conquistas de direitos. Devemos, cada vez mais, ampliar nosso repertório interno para entender que buscar a inclusão é dever de todos nós, sendo nós as pessoas atendidas por esses direitos de forma imediata ou não. Vivemos em comunidade e todos temos o direito de ser e pertencer, em nossa integralidade.

 

Referências

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AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade. Coordenação Djamila Ribeiro. Belo Horizonte: Letramento, 2018.

AMARAL, Lígia Assumpção. Conhecendo a deficiência: em companhia de Hércules. São Paulo: Robe Editorial, 1995.

GESSER, Marivete; BLOCK, Pamela; MELLO, Anahí Guedes de. ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA: interseccionalidade, anticapacitismo e emancipação social. In: GESSER, Marivete; BÖCK, Geisa Letícia Kempfer; LOPES, Paula Helena (Orgs.). ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA: anticapacitismo e emancipação social. Curitiba: CRV, 2020, p. 17-36.

MAIOR, Izabel Maria Madeira de Loureiro. Movimento político das pessoas com deficiência: reflexões sobre a conquista de direitos. Inc. Soc., Brasília – DF, v. 10, n. 2, p. 28-36, jan./jun. 2017.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusãoParte 1. Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 57, p. 8-16, jul./ago. 2007.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusão – Parte 2. Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 58, p. 20-30, set./out. 2007.

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