A Impossibilidade De Impetrar Mandado De Segurança Quando A Demanda Exige Prova Pericial: A Ausência De Direito Líquido E Certo

A Impossibilidade De Impetrar Mandado De Segurança Quando A Demanda Exige Prova Pericial: A Ausência De Direito Líquido E Certo

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1. Introdução ao Mandado de Segurança

O mandado de segurança encontra-se previsto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988, bem como na Lei nº 12.016/2009, tendo como finalidade proteger direito líquido e certo, ameaçado ou violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente no exercício de função pública, tal disposição é pacífica na doutrina especializada.

O conceito básico do mandado de segurança pode ser retirado do próprio texto constitucional, no art. 5º, LXIX, que prescreve seguinte: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”. O mandado de segurança é uma ação judicial de rito especial (estabelecido em lei específica), com previsão constitucional, que visa a proteger um direito líquido e certo que está sendo lesado ou ameaçado de lesão por um agente do poder público, seja da administração direta ou indireta; ou por quem lhe faça às vezes. Também é correto dizer que o mandado de segurança é uma garantia constitucional, ou um remédio constitucional, por ser uma das ações cuja existência tem previsão na própria Constituição”. (DANTAS, 2019, p. 13).

Entretanto, para que seja cabível, é imprescindível que o direito invocado seja demonstrável de forma imediata, sem a necessidade de dilação probatória. Neste contexto, a necessidade de prova pericial inviabiliza o uso do mandado de segurança, pois compromete a característica essencial de direito líquido e certo.

O presente artigo visa analisar os fundamentos jurídicos para essa impossibilidade, com base na legislação, doutrina e na jurisprudência recente dos Tribunais, partindo do pressuposto de que “o mandado de segurança é uma ação dotada de técnica processual diferenciada para imediata e efetiva proteção do cidadão” (MARINONI, 2006, p 193-207). Abaixo serão analisados os conceitos de direito líquido e certo e as limitações do Mandado de Segurança.

2. Direito Líquido e Certo e a Limitação do Mandado de Segurança

Em breve síntese, tem-se por direito líquido e certo como aquele que pode ser comprovado de imediato, ou seja, sem a necessidade de produção de provas complexas, tratando-se de um requisito essencial para a impetração do mandado de segurança, pois a sua análise deve se basear apenas em provas documentais pré-existentes e que acompanham a petição inicial. Vejamos:

“Diante da estreita ligação do direito líquido e certo com a situação fática e como é a prova o instrumento responsável por não deixar dúvidas de que os fatos como narrados pelo impetrante realmente existem ou existiram, exige-se sua comprovação por meio de prova documental já com o ingresso da petição inicial, único momento em que haverá produção probatória pelo impetrante” (NEVES, 2013, p. 126).

E vamos além: Ao se protocolar o pleito de prova técnica pericial, temos que essa certamente será confeccionada posteriormente à distribuição da exordial, logo, por consequência, a prova requerida é completamente descabida, visto que “como princípio geral, todos estão acordes em que deva tal prova, devidamente pré-constituída, ser produzida com a inicial, vedando-se a juntada de novos documentos, no curso do processo (FERRAZ, 2006, p. 23), o que não se visualiza na produção de uma prova técnica em Juízo.

Ainda que a parte apresente um laudo técnico pericial na distribuição, tornando o procedimento uma prova documentada, fato é que a prova documentada não se confunde com a documental, encontrando-se tal conclusão apoiada na doutrina e jurisprudência:

cumpre advertir que prova documental não se confunde com prova documentada. O mandado de segurança somente é viável se houver prova documental. Assim, documentada que seja uma prova testemunhal ou pericial, não poderá ser utilizada como comprovação do direito líquido e certo” (CUNHA, 2017, p. 513).

Também não cabe mandado de segurança fundado em laudo médico particular, por estar ausente a prova do direito líquido e certo. (CUNHA, 2005, p. 205-218).

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIABETE MELLITUS. PRETENSÃO MANDAMENTAL APOIADA EM LAUDO MÉDICO PARTICULAR. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DA PROVA SER SUBMETIDA AO CONTRADITÓRIO PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DA INEFICÁCIA OU IMPROPRIEDADE DO TRATAMENTO FORNECIDO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.” (STJ, RMS 30.746/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 06/12/2012).

Por cautela, o presente escrito demonstra que há décadas encontra-se construído na doutrina o entendimento de que “a complexidade da discussão jurídica envolvida na lide não descaracteriza a certeza e liquidez do direito” (PINHO, 2000, p. 129). Tal conclusão se visualiza em publicações contemporâneas e no teor cristalino da Súmula 625 do Supremo.

Súmula 625 STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança.

MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. DIFAL. AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS PARA REVENDA ORIUNDAS DE OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO. COBRANÇA ANTECIPADA DO TRIBUTO. STF TEMA 456. PRELIMINARES. Inadequação da via e do pedido de natureza declaratória não configurada. Controvérsia sobre matéria de direito que não impede concessão de mandado de segurança (Súmula 625, STF) (…). (TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1011808-16.2021.8.26.0562; Relator (a): Alves Braga Junior; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Santos – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 13/04/2023; Data de Registro: 13/04/2023).

Sendo certo e incontroverso o fato, ainda que o direito seja altamente controvertido, tal não exclui o cabimento de mandado de segurança. Vale dizer que está superada a discussão quanto ao cabimento de mandado de segurança apenas em casos de menor complexidade. Do contrário, o writ seria assegurado apenas para as causas menos polêmicas e de pouca complexidade.” (CUNHA, 2017, p. 512).

Diante de todo o exposto, pode-se concluir seguramente que o mandado de segurança não pode ser utilizado quando a apreciação do direito pleiteado depende da produção de prova pericial, mesmo essa encontrando-se documentada na exordial, visto que tal laudo pode e deve ser contraditado, não sendo possível em sede de mandado de segurança.

2.1. Distinção entre prova pré-constituída e necessidade de dilação probatória

Ademais, urge-se a importância de reforçar a distinção entre prova pré-constituída e necessidade de dilação probatória. A impetração do Mandado de Segurança, dada sua natureza célere, exige a existência de prova pré-constituída, isto é, o conjunto de elementos probatórios que devem ser apresentados em sede de exordial. Isso ocorre porque o rito do Mandado de Segurança não admite fase instrutória, dentre elas, a produção de provas periciais.

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente que a ausência da prova pré-constituída no momento de impetração do mandamus implica na denegação da ordem. Como segue jurisprudência assim ementada:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ICMS. COBRANÇA DE DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE AS MERCADORIAS OBJETO DA AUTUAÇÃO FISCAL ERAM DESTINADAS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE OBRAS E ENGENHARIA. PRETENSÃO DE SE AFASTAR A EXIGÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS OPERAÇÕES FUTURAS. IMPOSSIBILIDADE DE SE FIXAR, EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA, NORMA GERAL E ABSTRATA.

1. Da análise minuciosa da documentação que instruiu o presente mandamus, verifica-se que ela não é apta a comprovar que as mercadorias apreendidas – em relação às quais foi exigido o adicional de alíquota do ICMS – estavam sendo utilizadas na obra objeto da Autorização de Obras e Serviços 41/2005. Cumpre esclarecer que o fato de constar do contrato social da impetrante que ela se dedica a atividades de obras e engenharia relativas a energia elétrica, telefonia e comunicação, não faz presumir que todas as mercadorias por ela adquiridas são empregadas em suas obras. Nesse contexto, não há prova pré-constituída apta a comprovar que, no caso concreto, houve exigência indevida do diferencial de alíquota do ICMS. Tratando-se de mandado de segurança, cuja finalidade é a proteção de direito líquido e certo, não se admite dilação probatória, porquanto não comporta a fase instrutória, sendo necessária a juntada de prova pré-constituída apta a demonstrar, de plano, o direito alegado.

(RMS 25.266/MS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – 2007/0231584-0, Min. Mauro Campbell Marques, j. em 7-4-2011)

Dessa forma, para obter a concessão da ordem, o impetrante deve demonstrar de imediato a existência de ato coator e a titularidade do direito líquido e certo, por meio de provas pré-constituídas. Todavia, a necessidade de dilação probatória ocorre quando o direito líquido e certo alegado não pode ser demonstrado de forma imediata e exige a produção de provas supervenientes.

Sendo assim, considerando que o rito célere do mandamus impede a produção de provas supervenientes no decurso da ação, quando houver a necessidade de dilação probatória, o meio processual adequado não é o mandado de segurança, mas uma ação ordinária, que siga o rito do procedimento comum.

2.2 A garantia à ampla defesa e ao contraditório nas provas pré-constituídas no Mandado de Segurança

Em que pese a celeridade necessária e indissolúvel ao mandado de segurança, bem como a inexistência de instrução probatória, deve-se assegurar a autoridade impetrada o direito à ampla defesa e ao contraditório, conforme destaca a doutrina:

“O princípio da ampla defesa está diretamente relacionado à ciência dos atos da administração pública porque, para se defender, uma pessoa precisa ter ciência completa do que há contra ela. A intimação do ato é cara para a lei uma vez que dá às pessoas a possibilidade de se defenderem. É do direito ao contraditório que se pode afirmar a garantia de justiça para os litigantes e para os acusados em geral. É a essência do art. 5o, LV, da Constituição Federal: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (FRANCAVILLA, 2017, pág. 86).

Contudo, há a controvérsia judicial acerca dos limites à ampla defesa e ao contraditório, no rito do mandado de segurança, haja vista que a autoridade impetrada não poderá exigir novas provas para contestar os documentos apresentados, obstando-se então a produção de contraprovas.

Nesse ínterim, voltando o enfoque do presente estudo à produção de provas periciais, a exigência de que tais provas no mandado de segurança sejam exclusivamente pré-constituídas fundamenta-se na necessidade de garantir a ampla defesa e o contraditório à autoridade impetrada. No rito mandamental, como já supranarrado, não suporta dilação probatória, de forma que qualquer prova que exija complementação, esclarecimentos técnicos ou produção superveniente impediria o direito pleno à ampla defesa da parte contrária.

No entanto, tentar enquadrar uma prova pericial como documento pré-constituído é um erro conceitual, vez que obsta a ampla defesa do impetrado, vez que lhe impõe uma prova unilateralmente produzida. Portanto, a vedação à produção de prova pericial no mandado de segurança não se trata de uma mera limitação processual, trata-se de uma garantia fundamental à ampla defesa, ao contraditório e ao rito mandamental célere.

3. Consequências Processuais e Alternativas Jurídicas

A inadmissibilidade do mandado de segurança em casos que demandam prova pericial não significa que o jurisdicionado fique desamparado. Existem outras vias processuais adequadas, como:

  • Ação ordinária: Quando a causa requer dilatação probatória, a ação ordinária é a via adequada.
  • Tutela de urgência: Nos casos em que há risco iminente, pode-se pleitear medida liminar dentro de uma ação judicial comum.

A escolha correta do meio processual evita a extinção do pedido sem julgamento de mérito e assegura a efetividade da prestação jurisdicional.

4. Conclusão

O mandado de segurança é uma ferramenta ágil e eficaz para a proteção de direitos, mas sua utilização está condicionada à existência de direito líquido e certo, demonstrável por prova documental preexistente.

A necessidade de prova pericial afasta essa possibilidade, uma vez que a elucidação do direito pleiteado requer produção de provas técnicas complexas e posteriores à distribuição da petição inicial.

Dessa forma, cabe ao jurisdicionado buscar vias processuais adequadas para a tutela de seu direito, garantindo maior segurança jurídica e eficiência na solução das demandas judiciais, como por exemplo a ação ordinária que detém fase instrutória própria permitindo a produção posterior à distribuição de uma prova pericial.

 

Referências

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CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo, 14ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2017, p. 512-513.

CUNHA, Leonardo Carneiro. Recurso especial. Mandado de segurança. Invalidade de justificação de prova testemunhal como meio para demonstração de direito líquido e certo. Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 205-218.

DANTAS, Alessandro. Mandado de segurança: Doutrina e jurisprudência para utilização profissional. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2019, p. 13.

FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 23.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Ed. RT, 2006, vol. 1, p. 193-207.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais, 2ª edição. São Paulo: Ed. GEN, 2013, p. 126.

FRANCAVILLA, Enrico. Mandado de segurança: teoria e prática . 2. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2017. E-book. pág.86. ISBN 9788547220457. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788547220457/. Acesso em: 09 mar. 2025.

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