O Termo Circunstanciado de ocorrência (TCO) ou, simplesmente, Termo Circunstanciado (TC), constitui-se em um procedimento policial de natureza administrativa que tem como principal finalidade a apuração de crimes de menor potencial ofensivo1 , isto é, a comprovação da autoria e da materialidade de crimes cujas penas máximas não sejam superiores a 02 (dois) anos, cumuladas ou não com multa, e das contravenções penais, estas, por sua vez, positivadas no Decreto-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941, também conhecido como “Lei das Contravenções Penais”2 .
A expressão “autoridade policial”, por sua vez, traz posicionamentos diversos na doutrina, em especial pelo fato de o Código de Processo Penal fazer menção a “autoridades policiais”3 , remetendo-nos, automaticamente, à autoridade policial judiciária (civil e federal) e à autoridade policial militar, sendo representadas pelos Delegados de Polícia e pelos Oficiais de Polícia Militar, respectivamente.
Pelo fato de o termo circunstanciado de ocorrência estar sujeito aos ritos da Lei nº 9.099/1995, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência de contravenção penal ou de crime de menor potencial ofensivo lavrará o termo e encaminhará o autor do fato imediatamente ao Juizado, bem como a vítima da infração penal, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários4 .
Note que, diante da prática de contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo, não há a necessidade de instauração de inquérito policial, a ser presidido pelo Delegado de Polícia, procedimento este que, embora tenha também natureza administrativa, é mais invasivo e pode resultar ainda na privação da liberdade do investigado, a ser decretada pelo juiz, por requisição do Ministério Público ou a requerimento da autoridade policial.
Nesse sentido, tendo em vista a natureza do termo circunstanciado, acerca da apuração de crimes de menor potencial ofensivo e das contravenções penais, prescreve a Lei do Juizado Especial Criminal (Lei nº 9.099/95) que após a sua lavratura, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança daquele que for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer e, sendo o caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima5 .
Apesar de se tratar, para a maioria da doutrina, de um procedimento meramente administrativo de apuração de contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo, que prescinde da participação da autoridade policial, é dizer, Delegado de Polícia Judiciária, Nestor Távora6 entende que é injustificável considerá-lo um procedimento não investigativo, ainda que dotado de simplicidade e, por esse motivo, seria de competência exclusiva da polícia judiciária, considerando, ainda, injustificável o fato de o termo circunstanciado de ocorrência poder ser lavrado pelo Poder Judiciário.
Por outro lado, o excelentíssimo Ministro Roberto Barroso entende que o termo circunstanciado de ocorrência pode ser lavrado pela autoridade judicial ou pela autoridade policial, não havendo preferência legal em nosso ordenamento jurídico, embora seja mais comum que, na prática, a lavratura do termo seja realizada pela autoridade policial, no âmbito da delegacia de polícia judiciária7 .
Ademais, para o Supremo Tribunal Federal (STF), não se trata, o termo circunstanciado de ocorrência, de um ato de investigação ou de competência única da polícia judiciária. Assim, entende a Corte Suprema que a lavratura do termo circunstanciado não é procedimento investigativo, mas tão somente uma espécie de registro de ocorrência (boletim de ocorrência) melhor elaborado, não havendo, assim, restrição para que outros órgãos o confeccionem8 .
A polícia judiciária não detém exclusividade para a investigação criminal, pois é possível que ela seja realizada pelo órgão do Ministério Público. Assim sendo, o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal prioriza a proteção das vítimas de infrações penais e seus direitos individuais, desfazendo a disputa de prerrogativas entre órgãos públicos.
Por conseguinte, a Procuradoria-Geral da República (PGR) entende que não há respaldo constitucional para a ampliação de prerrogativas da polícia judiciária, especialmente no caso de infrações de menor potencial ofensivo que, conforme a Lei nº 9.099/1995, dispensam o inquérito policial9 .
Desse modo, em alguns Estados da Federação, a Polícia Militar, órgão responsável pelo policiamento ostensivo e que, por essa natureza, tem um contato maior com a prática de crimes, já atua na confecção do termo circunstanciado de ocorrência, como é o caso da Polícia Militar dos Estados do Piauí, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, dentre outros.
A Polícia Militar tem maior atuação em crimes considerados menos complexos, isto é, mais simples, os chamados “crimes de rua”, a exemplo das contravenções penais, dos crimes que envolvam o porte de drogas para consumo próprio10 , e outros crimes cujas penas máximas não ultrapassam a 02 (dois) anos, em especial em casos de flagrante delito, nos quais já resta previamente demonstrada a autoria e a materialidade da infração penal, lavrando-se, então, o termo circunstanciado de ocorrência, sem a necessidade de mobilização da estrutura da polícia civil.
A confecção do TCO pela Polícia Militar, por exemplo, além de trazer mais celeridade para a persecução criminal, desafogando o Sistema de Justiça Criminal, constitui um dos ideais propostos pelo “Ciclo Completo de Polícia”, no qual uma única instituição policial é, suficientemente, competente para a realização das atividades de prevenção, repressão e investigação11 . Além disso, é importante ressaltar que em diversas polícias militares é exigido que o candidato ao cargo/patente de Oficial seja bacharel em Direito.
Ademais, note que, conforme mencionado anteriormente, a confecção do termo circunstanciado de ocorrência não é atividade investigativa (ADI nº 3807/DF), mas sim um simples procedimento de apuração criminal acerca da autoria e da materialidade nas infrações penais de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais.
A propósito, as Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (ADI 3807/DF e ADI 5637/MF), aqui mencionadas, é que fizeram com que fosse coloca em pauta, na Suprema Corte, essa grande polêmica acerca da confecção de termo circunstanciado de ocorrência por outros órgãos policiais além da polícia judiciária, propostas em razão da forte oposição da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL), ou seja, dos próprios agentes públicos que realizam a atividade de persecução penal. Difícil de entender!
Sem embargos acerca do mérito da lavratura do TCO, o que de fato preocupa é que todos órgãos que integram o sistema de justiça criminal, quais sejam: Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e Sistema Prisional, além de terem um elevado déficit de servidores em seus quadros próprios, possuem uma altíssima demanda criminal, cada um em sua área de atuação, porém com propósito único: o de fazer valer a aplicação da lei penal.
Acredito que a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência por outros órgãos de segurança pública, para além da polícia judiciária, traria mais celeridade e eficiência na resolução de crimes de menor potencial ofensivo, crimes, esses, que ocorrem com bastante frequência no dia a dia da atividade policial.
Notas
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1. Art. 61, da Lei nº 9.099/1995.
2. Decreto-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941.
3. Art. 301, caput, do Código de Processo Penal.
4. Art. 69, da Lei nº 9.099/1995.
5. Art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995.
6. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues.
7. ADI 5637/MG. Rel. Min. Edson Fachin – julgado em 14.03.2022.
8. STF – Pleno – ADI nº 3807/DF – Rel. Min. Cármen Lúcia – julgado em 20.06.2020.
9. ADI 5637/MG, apud.
10. Art. 28, da Lei nº 11.343/2006.
11. FOUREAUX, Rodrigo.
Referências
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BRASIL. Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em: site. Acesso em 05.02.2024.
BRASIL. Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispões sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: site. Acesso em: 08.02.2024.
BRASIL. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad e dá outras providências. Disponível em: site. Acesso em 07.02.2024.
Supremo Tribunal Federal. ADI 5637/MG. Rel. Min. Edson Fachin. Disponível em: site. Acesso em: 08.02.2024>.
Supremo Tribunal Federal. ADI 3.807/DF. Rel. Min. Cármen Lúcia. Disponível em: site. Acesso em: 07.02.2024.
FOUREAUX, Rodrigo. Segurança Pública. – Salvador: Editora JusPodivm, 2019.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Processo Penal e Execução Penal. – 17. ed. reestrut., revis. e atual. – São Paulo: Ed. JusPodivm, 2022.