A mudança do prenome no primeiro ano da maioridade civil e as modificações trazidas pela Lei n. 14.382/22

A mudança do prenome no primeiro ano da maioridade civil e as modificações trazidas pela Lei n. 14.382/22

good-looking-stylish-smart-female-psychologist-with-dark-skin-white-collar-shirt-pants-touching-glasses-smiling-with-self-assured-expression-gazing

Existe um dispositivo na Lei n. 6.015/73, a denominada Lei de Registros públicos, que poucas pessoas conhecem. Aliás, pode-se dizer que somente os operadores do direito têm conhecimento dessa possibilidade. É a possibilidade de alteração do prenome civil, sem qualquer motivo ou justificativa, ao completar-se 18 anos de idade, ou seja, ao atingir-se a maioridade civil. Durante o período de 1 ano, o cidadão segundo a lei, poderia pedir a alteração do seu nome civil, sem necessidade de justificativa.

Se essa possibilidade legal fosse de amplo conhecimento da população, os cartórios e a justiça estariam abarrotados de pedidos de mudança do nome civil, já que ele é escolhido pelos genitores ou pessoas que os influenciam e muitas pessoas, odeiam o nome que carregam. 1

Em 2017, tivemos a oportunidade de orientar um trabalho de iniciação científica na Faculdade Asa de Brumadinho, financiado pela Fapemig (Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de Minas Gerais).  A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais é a única agência de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico de Minas Gerais. É uma fundação do Governo Estadual, vinculada à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Nesse trabalho, juntamente com a aluna da graduação, foi feita uma ampla pesquisa sobre o nome civil.

Um dos tópicos, era essa possibilidade de mudança do nome civil no primeiro ano da maioridade. O trabalho de pesquisa deu origem a um texto que foi publicado em várias revistas jurídicas. 2

Nesse texto, ficou demonstrado que a  Lei de Registros Públicos, em seu art. 56, previa e prevê uma única hipótese de alteração imotivada no nome civil, aliás do prenome, já que a o referido artigo expõe que serão mantidos os apelidos de família, apesar da redação confusa do artigo que utiliza a expressão “nome”, genérica.

Sabe-se que a expressão “nome” compreende outros elementos como o prenome e o sobrenome, além de outras partes designativas desse instituto civil. Então faltou ao legislador técnica ao elaborar o referido dispositivo.

A hipótese ocorre na vigência do primeiro ano depois de completar a maioridade civil, ou seja, dos 18 aos 19 anos sem prejudicar os apelidos de família.

Apesar dessa previsão legal, bastante confusa, Daniel Carnacchioni entende que é impossível admitir a alteração do prenome sem qualquer motivo, a não ser naquelas hipóteses já admitidas. 3

Outra polêmica que envolvia o dispositivo, era a discussão da necessidade ou não do pedido dar-se por via administrativa.

Ficou demonstrado que existia entendimento que permitia ao requerente fazer o pedido em cartório, sem qualquer necessidade da via judicial. Existia também o entendimento de que mesmo sendo imotivado, o requerimento deveria ser feito através de um procedimento de jurisdição voluntária.

O professor Wilson de Souza Campos Batalha falava sobre o assunto, se mostrando favorável à retificação pela via administrativa, sem que houvesse necessária uma interferência judicial: “Não há necessidade de interferência judicial, bastando simples requerimento do interessado, ou procurador especial. Naturalmente, se houver dúvida, poderá suscitá-la o oficial, a fim de que se pronuncie o juízo competente”.4

Já Walter Ceneviva era favorável à interferência judicial diretamente. Para ele, a Lei de Registro Públicos era bem clara, ao impor a intervenção judicial: A interpretação sistemática dos art. 56 e 57 pareceria evidenciar que, no período indicado pelo primeiro desses dispositivos, a pretensão poderia ser diretamente manifestada ao oficial, independentemente de atuação do juiz corregedor. Entretanto, o art. 40 deveria ser examinado em conjunto, para impor a intervenção judicial. 5

A doutrina e a jurisprudência vacilavam muito a respeito do assunto, mas o que nos parecia é que pelo texto da Lei n. 6.015/73, art. 56 e 57, a alteração depois da maioridade, mesmo que imotivada, deveria dar-se por via judicial.

O Art. 56 disciplinava que o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderia, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudicasse os apelidos de família, averbando-se a alteração que seria publicada pela imprensa, logo em seguida, já o art. 57 começava dizendo que a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, seria permitida por sentença do juiz a que estivesse sujeito o registro.

Ora, quando o art. 57 utilizava o termo “posterior”, queria dizer posterior à hipótese do art. 56, ou seja, as outras hipóteses de mudança do nome seriam judicializadas, mas não a do art. 56. Todavia, o art. 40, da mesma lei disciplinava que, fora da retificação feita no ato, qualquer outra só poderia ser efetuada nos termos dos arts. 109 a 112 da Lei que tratam de requerimento judicial. Ou seja, a interpretação sistemática da lei nos levava a crer que a mudança, mesmo que imotivada, deveria se dar por via judicial.

Para reforçar o argumento, era importante ressaltar que a mudança do nome civil é de interesse público, pois o indivíduo pode estar em dívida com a justiça e, portanto, a mudança do nome por via judicial garantiria a lisura do procedimento de troca sem outras pessoas fossem prejudicadas.

Agora, com advento da Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022, essas polêmicas restam superadas, pelo menos na legislação. Essa nova lei dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), de que trata o art. 37 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, bem como moderniza e simplifica os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), e de incorporações imobiliárias, de que trata a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.O Novo texto do artigo 56 da LRP, assim dispõe:

“Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico.

1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial.

2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas.

3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico.

4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação.” (NR)

Desse modo, as controvérsias que existiam sobre essa hipótese foram sanadas pela mudança legislativa. Em primeiro lugar, a lei agora expressamente prevê que a mudança é do prenome e não dos apelidos de família. Essa alteração pode ser feita ao atingir a maioridade civil, que no Brasil se alcança aos 18 anos de idade.

Interessante se perguntar se aqueles que se emancipam teriam direito de realizar essa alteração? Aparentemente não, já que o artigo fala em maioridade civil e não em capacidade, além disso, como se sabe, a emancipação não atinge aspectos de leis especiais. O emancipado não pode obter carteira de motorista nem outros direitos que exigem idade mínima.

Outra mudança importante, é que à partir de agora, não existe mais o prazo decadencial de 1 ano previsto na redação anterior, ou seja, essa mudança do prenome poderá ser realizada a qualquer momento da vida, sem o lapso temporal, basta completar os 18 anos.

Outro aspecto que trazia divergência era sobre a necessidade da via judicial. Agora, com a nova redação do dispositivo, fica claro que a alteração deve ser feita por via extrajudicial, por apenas uma vez e que demais alterações só podem ser realizadas por sentença judicial.

____________________

Júlio Moraes Oliveira

 

Referências

________________________________________

1. “A escolha do nome civil é um aspecto muito pessoal que envolve vários fatores como influência da cultura, da religião, da profissão, da política, de esportes, econômicos, sociais, históricos etc.

A título de exemplo, matéria publicada no Jornal o Globo, aponta que a impopularidade da Presidente Dilma, no ano de 2015, fez com que seu nome praticamente não fosse registrado no Estado de São Paulo. Ao contrário, em 2010 e 2011, aponta o Jornal que o prenome Dilma era bastante usado devido a popularidade da Presidente naquela época.

Matéria da página do G1 aponta que na Inglaterra, o fenômeno não é diferente. Personagens da série Games of Thrones, principalmente o mais destacados como Khaleesi, Daenerys, Theon e Tyrion são bastante usados nos registros civis. Aponta o estudo que a personagem da série “Game of thrones” que mais inspirou nomes de garotas em 2014, foi Arya: 244 bebês foram registradas assim. Logo em seguida, vieram Khaleesi (53 bebês), Daenerys (nove bebês) e Sansa (seis bebês). A novidade do ano foi Brienne – quatro garotinhas ganharam este nome. A matéria também afirma que a animação Frozen, da Disney, o X-men, a banda Pop One Direction e o Futebol também são grandes influenciadores das escolhas dos pais naquele mesmo país.

No Brasil, o IBGE realizou uma imensa pesquisa em 2010 e descobriu que existem 200 milhões de pessoas com mais de 130 mil nomes diferentes. Nessa pesquisa realizada pelo mencionado instituto, somente são apresentados os nomes cuja frequência seja superior a 20. Entre os nomes mais populares do País, pode-se destacar: Maria, com 11.734.129 de pessoas registradas; José, com 5.754.529 de pessoas registradas; e Ana, com 3.089.858. Ainda na lista dos dez nomes mais populares do país ainda estão, respectivamente: Antonio (com 2.576.348 de pessoas com o nome), Francisco (com 1.772.197 de pessoas com o nome), Carlos (com 1.489.191 de pessoas com o nome), Paulo (1.423.262 com de pessoas com o nome), Pedro (com 1.219.605 de pessoas com o nome) e Lucas (com 1.127.310 de pessoas com o nome).

Como a grande paixão do brasileiro é o futebol, os nomes de craques não poderiam estar de fora dessa lista. Realizando uma simples pesquisa descobre-se que existem 112 pessoas com o prenome Pelé, 165 Maradonas, 76 Messis, 454 Neymares, 234 Ronaldinhos, e 59.881 Romários.

Nomes consagrados na TV e no cinema também fazem parte da lista: 47 pessoas com prenome Gugu, 57 Xuxas, 130 Chaves, 30 Madrugas, 21 Quicos, 62 Jaspions, 321 Robins, 67 Stallones, 791 Logans e 283 Shakiras. É interessante notar que até nomes de ditadores genocidas estão presentes, como Hitler com 188 registros, Sadan com 105 pessoas e Sadam, com 33 pessoas.

A pesquisa também revela períodos em que os nomes são mais populares, por exemplo, o prenome Aparecida, possui 304.024 pessoas, mas seu auge foi na década de 60, depois disso, seu uso só foi reduzindo ao longo dos anos. O mesmo fenômeno percebe-se com o prenome Fátima, com 198.083 registros. Já prenomes como Cauã, com 85.677 pessoas, e Valentina com 14.380 pessoas, só ganharam espaço a partir da década de 90. Essa análise confirma o afirmado anteriormente, isto é, fatores culturais, sociais, políticos, religiosos, históricos, dentre outros, influenciam a popularidade de um prenome civil.”

O referido texto está disponível em: OLIVEIRA, Júlio Moraes ; MOURA, Aline Barbosa . O nome civil e seus aspectos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22 , n. 5127, 15 jul. 2017 . Disponível em: https://bit.ly/3nM7k3B.

2. O referido texto está disponível em: OLIVEIRA, Júlio Moraes ; MOURA, Aline Barbosa . O nome civil e seus aspectos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22 , n. 5127, 15 jul. 2017 . Disponível em: https://bit.ly/3nLUQJt. Acesso em: 8 jul. 2022. E também OLIVEIRA, Júlio Moraes. Pontos controversos acerca do nome civil . Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões. v. 22. Porto Alegre: Magister – jan./fev. 2018. p. 109-127.

3. CARNACCHIONI, Daniel. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 3 ed. Salvador: Juspdivm, 2012.p. 291.

4. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei do Registro Público, vol. 1. 2 ª ed., Rio de Janeiro : Forense, 1979. P.141.

5. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008. P. 108.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio