A Necessidade de “Pensar Fora Da Caixa” no Direito

A Necessidade de “Pensar Fora Da Caixa” no Direito

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LINHAS INTRODUTÓRIAS

O pensamento crítico transformou-se de virtude desejável em competência essencial na contemporaneidade. No universo jurídico, essa necessidade assume contornos ainda mais urgentes. “Pensar fora da caixa” significa romper com as amarras do pensamento convencional, questionar verdades estabelecidas e desenvolver uma análise crítica da realidade que nos circunda.

Parcela significativa dos profissionais com formação jurídica ainda percebe o Direito como ente distante da vida cotidiana. Essa visão encontra raízes profundas no positivismo jurídico, corrente que trata as normas como entidades abstratas, completamente dissociadas da realidade social. Segundo essa perspectiva, para cada situação concreta existe – ou deveria existir – uma norma de aplicação perfeita, reduzindo drasticamente o papel interpretativo do operador do direito.

É precisamente por essa razão que jamais desencorajaremos o clássico “professor(a), e se…” quando apresentamos casos concretos para ilustrar institutos jurídicos ou dispositivos legais. Tal questionamento demonstra que nosso interlocutor – o estudante – não se limitou ao exposto, mas pensou além, conseguindo conectar os contornos do cotidiano ao conhecimento teórico, enriquecendo assim a via de mão dupla inerente ao processo educacional.

Contudo, cada vez menos vivenciamos essa experiência enriquecedora. Tem-se optado deliberadamente por aceitar, memorizar e aplicar fórmulas prontas. Brada, portanto, a necessidade urgente de “pensar fora da caixa”.

TEORIA VS. REALIDADE: O RISCO DA LIMITAÇÃO INTELECTUAL

Um exemplo emblemático para demonstrar o abismo entre teoria (norma pura, oriunda do devido processo legislativo) e a realidade vivenciada pelos operadores do Direito é a questão da pena de morte.

Em uma aula de Direito Constitucional, quando indagados sobre a existência de pena de morte no Brasil, os estudantes invariavelmente responderão que ela existe apenas em casos de guerra declarada, conforme estabelecido constitucionalmente. A resposta segue uma linha cartesiana – ou kelseniana –, excelente para bancas de concursos públicos ou provas de múltipla escolha.

Mas será que existe uma resposta alternativa que explique verdadeiramente nossa realidade? Em outras palavras: seria possível responder “pensando fora da caixa”? A resposta é categoricamente afirmativa. A pena de morte existe no Brasil para além dos preceitos constitucionais, materializando-se como realidade cotidiana.

O sistema prisional brasileiro exemplifica essa assertiva de forma contundente: com superlotação crônica, condições sub-humanas de encarceramento e ausência de políticas efetivas de ressocialização, as instituições carcerárias funcionam como verdadeiras máquinas de matar em câmera lenta. Diariamente, pessoas morrem no sistema prisional brasileiro por causas que poderiam ser evitadas – violência, doenças decorrentes das péssimas condições carcerárias, suicídios, homicídios etc.

Essa realidade comprova que o Direito puramente formal possui carta branca para ignorar a prática cotidiana e, ainda assim, encontrar respaldo legal suficiente, oferecendo respostas aparentemente coerentes com o ordenamento jurídico.

O “pensar fora da caixa” nos obriga a refletir sobre o Direito inserido no cotidiano – que é a própria vida. Portanto, em sala de aula, uma abordagem mais crítica reconheceria tanto a pena de morte prevista na “letra fria da lei” quanto aquela que se materializa diariamente em todo o território nacional.

Surge, então, a necessidade premente de aproximar a ciência jurídica da realidade social, permitindo que ela intervenha efetivamente nas transformações que consideramos necessárias. Pensar “fora da caixa” significa forçar nosso raciocínio a transcender os limites impostos pela visão tradicionalmente limitada do fenômeno jurídico.

UM CONVITE À REFLEXÃO (E À AÇÃO!)

Imaginemos a limitação inerente ao pensamento que se restringe apenas à abordagem tradicional ou, seguindo nossa metáfora, “dentro da caixa”. O Direito se reduziria a um papel meramente mecânico de regulação das relações sociais, perdendo completamente seu potencial transformador. Nesse cenário, o próprio sentido de sua existência seria legitimamente questionado.

Que tal concebermos o Direito como ferramenta capaz de explicar e transformar a realidade na qual estamos inseridos?

O Direito revela-se muito mais rico e complexo do que sugere a visão reducionista do positivismo jurídico tradicional. Somente através dessa mudança de perspectiva poderemos construir uma ciência jurídica verdadeiramente conectada com a sociedade e capaz de promover as transformações que nossa realidade urgentemente demanda.

O convite está feito: pensemos fora da caixa, questionemos o estabelecido e construamos um Direito que dialogue efetivamente com a vida real!

 

Sobre o Autor

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Advogado com atuação voltada para a promoção do Acesso Democrático à Justiça e Professor Mestre em Educação Jurídica

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