A NR 1 e a Salvaguarda da Dignidade no Trabalho Brasileiro

A NR 1 e a Salvaguarda da Dignidade no Trabalho Brasileiro

Carteira de Trabalho

A Norma Regulamentadora Nº 1 (NR 1), que estabelece as Disposições Gerais e o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, transcende a mera formalidade burocrática no cenário trabalhista brasileiro. Sua relevância reside na capacidade de atuar como um pilar fundamental na proteção da vida e da saúde do trabalhador, promovendo um ambiente de trabalho seguro e digno. Longe de ser um conjunto estático de regras, a NR 1, em suas constantes atualizações, reflete a dinâmica das relações de trabalho e a crescente complexidade dos riscos ocupacionais.

Ela serve como a espinha dorsal para todas as demais NRs, definindo os parâmetros para a gestão da segurança e saúde no trabalho (SST) e delineando as responsabilidades de empregadores e empregados na construção de uma cultura prevencionista. A sua aplicação não se restringe a setores específicos, mas sim a totalidade do ambiente de trabalho, desde as grandes indústrias até as micro e pequenas empresas, adaptando-se às suas particularidades e promovendo a inclusão de todos os trabalhadores em um sistema de proteção abrangente.

A desigualdade no mercado de trabalho é acentuada por um racismo estrutural que se manifesta em condições de trabalho precárias, informalidade e menor acesso a direitos e proteções. Dados revelam que mulheres negras, por exemplo, recebem em média 48% dos rendimentos de homens brancos e estão inseridas em relações de trabalho significativamente mais precárias. Essa realidade expõe um fosso salarial e de condições que não se justifica por níveis de escolaridade ou capacidade produtiva, mas sim por discriminação racial e de gênero. A NR 1, ao exigir o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), oferece um arcabouço legal para identificar e mitigar não apenas os riscos físicos, químicos e biológicos, mas também os psicossociais, que afetam desproporcionalmente esses grupos. A implementação efetiva dessas ferramentas pode, portanto, ser um instrumento crucial para desvelar e combater as desigualdades intrínsecas ao ambiente de trabalho.

Nesse contexto, a NR 1 emerge como uma ferramenta potente para a promoção da justiça social e da equidade no ambiente de trabalho. Ao demandar uma abordagem sistêmica para a gestão de riscos, que inclui a identificação de perigos, a avaliação de riscos e a implementação de medidas de controle, a norma impulsiona as organizações a olharem para além das estatísticas gerais e a considerarem as vulnerabilidades específicas de cada grupo de trabalhadores. Isso significa reconhecer que a exposição a riscos ocupacionais pode ser amplificada por fatores como raça, gênero, classe social e origem geográfica.

Para trabalhadores negros e pobres, frequentemente alocados em funções de maior risco e com menor poder de barganha, a existência de uma norma que obriga a prevenção e o controle de riscos é um avanço civilizatório. A NR 1, ao promover a participação dos trabalhadores na gestão de SST, por meio de comissões e treinamentos, alçando-os a protagonistas na construção de um ambiente de trabalho mais seguro e justo, o que é fundamental para a transformação de culturas organizacionais arraigadas em práticas discriminatórias.

Para os campos da Gestão de Pessoas e da Cultura Organizacional, a NR 1 oferece um valioso referencial. A implementação de um robusto Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) não é apenas uma exigência legal, mas uma oportunidade estratégica para as empresas demonstrarem seu compromisso com o bem-estar de seus colaboradores. Uma cultura organizacional que valoriza a segurança e a saúde, e que se preocupa em identificar e mitigar os riscos de forma abrangente, é uma cultura que atrai e retém talentos, especialmente em um mercado de trabalho cada vez mais consciente das questões sociais e de diversidade.

A NR 1, ao fomentar a proatividade na gestão de riscos, incentiva as organizações a irem além do cumprimento mínimo da lei, promovendo um ambiente onde a prevenção é vista como um investimento, e não como um custo. Isso se traduz em menor rotatividade, maior produtividade e uma imagem corporativa fortalecida, elementos cruciais para a sustentabilidade e o sucesso a longo prazo.

Em suma, a NR 1 transcende seu papel normativo para se consolidar como um instrumento de transformação social. Ao exigir a gestão proativa dos riscos ocupacionais, ela não apenas protege a integridade física e mental dos trabalhadores, mas também ilumina as desigualdades estruturais que persistem no mercado de trabalho brasileiro.

Para que seu potencial seja plenamente realizado, é imperativo que a aplicação da NR 1 seja acompanhada de uma compreensão aprofundada das realidades interseccionais, garantindo que as medidas de segurança e saúde sejam verdadeiramente inclusivas e eficazes para todos, especialmente para aqueles que historicamente foram marginalizados. Somente assim poderemos construir um futuro do trabalho onde a dignidade e a segurança sejam direitos inalienáveis, e não privilégios.

 

Referências

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Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria MTE nº 1.419, de 27 de agosto de 2024. Disponível em: link

Montenegro, Antônia. Interseccionalidade gênero e raça no mercado de trabalho. Revista PUC Minas. Disponível em: link

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