A Odisseia da Casa Própria: nunca foi tão criteriosa a estrada para o financiamento de um imóvel

A Odisseia da Casa Própria: nunca foi tão criteriosa a estrada para o financiamento de um imóvel

modern-business-building-scenery-touching-skymodern-business-building-scenery-touching-sky

Cedo ou tarde, entra no imaginário do brasileiro… como conduzir um financiamento imobiliário? É fato que almejamos a casa própria. Porém, há que se pesar o potencial risco de um endividamento. O que pode nos levar à ruína… A bolha imobiliária de 2008 segue viva no imaginário do cidadão consciente para reforçar os riscos de uma aquisição imobiliária irresponsável.

Sendo assim, antes de mais nada, é imprescindível que haja cautela com relação a alguns fundamento acerca do financiamento.

Veja: Em regra, o CDC rege as relações estabelecidas entre instituição financeira e consumidor que contrai empréstimo financeiro. O que, infelizmente, já antecede a existência de brechas como veremos a frente.

Cientes disso, é de se indicar, desde logo, que o valor mínimo de entrada se limita entre 10% a 20% do valor do imóvel, lembrando sempre que você pode se valer do seu montante relativo ao FGTS para compor a entrada. Porém, é de se reforçar que estamos a discutir as economias de uma vida inteira, fala-se em suas garantias de aposentaria, o que apenas reforça a seriedade, isto é, a cautela com que se deve tomar tal decisão.

Não obstante, encontram-se novas incertezas no fato de que as parcelas não podem comprometer mais do que 20% a 30% da renda familiar do consumidor de crédito – lembrando, sua renda pode ser composta por mais um participante –. Perante tal tema merece menção que nossa jurisprudência tem se mostrada simpática ao limite de 30%, isto é, seria este o mais pacífico em nossos tribunais.

Tudo isto somado ao fato de que mesmo consumidores conservadores estão sujeitos às incertezas do destino – capazes de colocar toda a logística do sonho da casa própria –. Isto se dá pelo longo período do contrato, pois torna o planejamento mais imprevisível e refém de mudanças drásticas na situação daqueles que contraíram a dívida.

Felizmente, A Nova Lei de Superendividamento admite em seu artigo 104-A que “a requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória” Mas, alerta-se, que A referida VEDA, em que pese se tratar de pessoa natural que se endividou por conta de financiamento imobiliário, que haja tal repactuação das dívidas mencionadas, o que sequer faz muito sentido. Portanto, fica aí uma exceção aos ditames do CDC que exige total atenção do potencial consumidor imobiliário.

Seguindo, é fundamental que haja um cuidado inclusive com a espécie contratual adotada, como na incorporação imobiliária, qual seja a “compra de imóvel na planta”. Isso se dá pelo fato de que nesta modalidade, o consumidor, num primeiro momento, efetua a compra de algo intangível, de forma antecipada, com a promessa de poder comprar o imóvel quando, e se ele vier a ficar pronto.

Perceba, os valores já pagos pelo consumidor não são reajustados, tampouco o capital investido é remunerado, o que na prática significa um empréstimo gratuito que o interessado na compra do imóvel faz para a empresa que prometeu construí-lo.

Ocorre, porém, que em muitas das vezes o promitente comprador do imóvel não tem fôlego para realizar todos os pagamentos durante a fase da construção, o que pode levar à inadimplência e, em muitos casos, ao chamado distrato.
Nessa situação, há, em que pese o consumidor ter “emprestado” dinheiro para a incorporadora e financiado boa parte da obra, o risco do calote com a não entrega do imóvel prometido, além de não haver nenhuma remuneração pelo capital que disponibilizou, o que, per si, já representa prejuízo, quiçá o já mencionado “enriquecimento ilícito“.

Por sinal, é de se mencionar que em boa parte dos casos nos quais esse tipo de situação ocorre, grande parte da responsabilidade pelo insucesso do negócio é da própria incorporadora, que no afã de vender, na maioria dos casos, não verifica com a necessária atenção as reais condições financeiras daqueles que se mostram interessados em comprar um imóvel.

Por fim, o consumidor de crédito deve se atentar à escolha do banco ou outra instituição financeira como sendo um ponto chave, isso porque há bancos que concedem financiamento de até 90% do imóvel. Bem como há aqueles que concedem financiamento por IPCA, no qual é possível comprometer apenas 20%.

Há que se reforçar, ainda, que, pela lógica, quanto mais alto o valor pago inicialmente, mais fácil é conseguir e mais barato fica o financiamento. Por isso, cautela ao decidir usar o FGTS para a entrada.

Em suma, é de se concluir que o sonho da casa própria não se resume a uma compra. Mas a um processo muito complexo que desmistifica-se por etapas e pelo cuidado a cada estudo que se realiza, a cada conta que se calcula e a cada etapa superada, de forma bem cautelosa.

____________________

Túlio Coelho Alves

 

Referências

________________________________________

BRASIL. Projeto de Lei nº 3.515 de 2015. Senado Federal. Disponível em: https://bit.ly/3nhKnVi. Acesso em: 01 fev. 2020.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: https://bit.ly/3Eag2Pt. Acesso em 01 abr. 2020.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://bit.ly/3vI1DH5 Acesso em: 17 jul. 2018.

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

BERTONCELLO, Káren; LIMA, Clarissa Costa; MARQUES. Claudia Lima. Prevenção e tratamento do superendividamento. Brasília: DPDC/SDE, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3aZDt1d. Acesso em: 03 mai. 2019.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BANCO CENTRAL. Relatório de Economia Bancária – 2019 – dezembro 2019. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3B5sT3o. Acesso em: 07 jul. 2020.

BAGNOLI, Vicente. Direito econômico e concorrencial. 7 ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017.

ALCÂNTARA, Paulo Augusto Franco de. Inclusão financeira, consumo de crédito e o superendividamento pessoal no Brasil. In: PORTO, Antônio José Maristrello. et al (Orgs.). Superendividamento no Brasil. Curitiba: Juruá, 2017, p. 67-90.

ALLEWELDT, Frank et al. The over-indebtedness of European households: updated mapping of the situation, nature and causes, effects and iniciatives for alleviating its impact –– Part 1: Synthesis of findings. Berlim: Civic Consulting of the Consumer Policy Evaluation Consortium, 2013. Apud MACHADO, Wilson Pantoja. Superendividamento: a responsabilidade pré-contratual do credor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio