No dia 04 de outubro de 2021, as redes sociais Whatsapp, Instagram e Facebook ficaram instáveis por quase 7 horas, causando uma queda das ações dessas empresas e um prejuízo de 6 bilhões de dólares para o seu proprietário, Marck Zuckerberg, além de ter afetado 2,8 bilhões de pessoas no mundo todo.
Grande parte dos negócios hoje no mundo são realizados através desses aplicativos, principalmente depois da pandemia de covid-19, na qual a grande maioria das pessoas foram obrigadas a ficar dentro de casa. Os números do comércio digital aumentaram significativamente. A pergunta que se faz é: existe responsabilidade dessas empresas pelos prejuízos causados aos consumidores dos seus serviços? Três aspectos precisam ser levados em consideração para responder essa pergunta.
O primeiro é se existe uma relação de consumo com todos os seus pressupostos. De um lado tem-se uma empresa prestadora de um serviço e de outro, tem-se um consumidor, pessoa física ou jurídica, previsto no art. 2º, caput, do CDC. Tendo em vista a adoção pelo STJ do finalismo mitigado, seria plenamente possível que consumidores pessoas jurídicas que usam os serviços dessas redes, sejam considerados consumidores para fins de responsabilidade, desde que demonstrada, no caso concreto a sua vulnerabilidade.
O segundo ponto a se verificar é se essas empresas são fornecedoras de produtos ou serviços no mercado de consumo, de acordo com o art. 3º. Tal fato é incontestável.
Já o terceiro aspecto, é se o serviço é gratuito ou é realizado mediante remuneração. O art. 3 § 2º, do CDC dispõe que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Os serviços são aqueles prestados mediante remuneração que pode ser direta (através de uma contraprestação) ou indireta (quando o fornecedor recebe vantagens indiretas).
Remuneração direta é aquela em que o consumidor efetuará uma contraprestação pecuniária direta (remuneração econômica) ao fornecedor pelo serviço ou produto prestado. Será em função dessa remuneração (vantagem econômica) que o fornecedor deverá arcar com todos os riscos inerentes ao desenvolvimento de sua atividade, o chamado risco-proveito. Embora mais usual, a remuneração pecuniária não é imprescindível, o consumidor pode realizar dação em pagamento, permuta ou qualquer outro tipo de negócio que traga vantagem econômica ao fornecedor. 1
Já a remuneração indireta parte de um pressuposto de que toda atividade do fornecedor tem por objetivo uma vantagem econômica. A expressão remuneração utilizada pelo CDC abarca, inclusive, aquelas atividades que têm o falso caráter de “gratuito”, como brindes, milhagens, prêmios. “ O que difere é o modo como esta vantagem será obtida e a que tempo” 2
A doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça têm admitido em algumas hipóteses onde não há um desembolso direto do consumidor, que o serviço, seja considerado como remuneração indireta, como é o caso da utilização de uma conta de e-mail gratuita oferecida por qualquer provedor de acesso à internet. O consumidor não paga, em dinheiro, ao site pela utilização da conta de e-mail, mas enriquece o patrimônio do provedor toda vez que acessa sua conta de e-mail (desse modo, o provedor se remunera pelo número de usuários que acessa seu site, pois deste número consegue mais anunciantes, investidores e rendimentos). 3
Hoje, com as estratégias de marketing, tudo pode parecer “gratuito”, mas, na verdade, existe, sim, uma remuneração. A utilização da expressão remuneração teve a intenção de incluir os serviços remunerados de forma indireta pelo consumidor. Desse modo, entende-se por remuneração indireta toda espécie de remuneração, mesmo que a título de “gratuita”, mas nas quais o fornecedor obtenha uma vantagem econômica, diluída pela coletividade de consumidores, ou vantagem futura.
Na verdade, existe um sinalagma escondido, e, na maioria das vezes, esses serviços, como caderneta de poupança “gratuita” ou popular, são altamente remunerados. Assim também é o whatsapp, Instragram e Facebook, esses serviços são tão remunerados que essas empresas estão entre as maiores do mundo. É óbvio que existe uma contraprestação nesses serviços “gratuitos”, uma vez que essas empresas além de lucrarem muito com publicidade direta e indireta e ainda têm acesso ao maior banco de dados do planeta. Como afirmou Andrew Lewis no festejado documentário “ o Dilema das redes sociais”, “ se você não está pagando por um produto, é sinal que o produto é você.” Estamos diante do maior negócio do planeta na atualidade.
Os consumidores ao usarem essas redes sociais, abastecem seus bancos de dados de informações extremamente valiosas para qualquer empresa do mundo.
Nesse sentido, aqueles consumidores, mesmo as pessoas jurídicas que sofreram prejuízos pela instabilidade desses serviços, podem com base na Lei n. 8.078/90, pedir reparação financeira pelos mesmos, desde que provados, no caso concreto.
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Referências
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1. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 7 ed. Belo Horizonte: D´Plácido, 2021. p. 191.
2. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8 ed. São Paulo: RT, 2018. p. 183.
3. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 7 ed. Belo Horizonte: D´Plácido, 2021. p. 191.