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A solução para a crise climática não está só na energia limpa: reflexão sobre a ética ecológica

crise climática

Estão cada vez mais presentes ao nosso redor e muito mais claras de serem vistas, as grandes catástrofes que tem assolado o mundo hodierno: o aumento do nível dos oceanos, a poluição dos mares, principalmente por lixo e pelo microplástico (que inclusive está cada vez mais presente nos alimentos), o consumo desmedido e impensado, ondas de calor, aumento da temperatura global, grandes inundações.

Tudo está evidente, inclusive a “consciência da crise climática”. Conforme o estudo intitulado “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”, observou-se que nove em cada dez brasileiros tem consciência sobre as mudanças climáticas e a crise ecológica (Brasil, 2024, p. 01). Desses, mais da metade afirmou que tais fenômenos representam grave perigo para a população.

O objetivo do presente texto, hoje, não será, infelizmente, apontar uma solução; mas propor uma reflexão sobre algumas questões, postas a seguir: O que será que falta para a mudança desse cenário – caso ainda exista e não seja irreversível? Faltam políticas públicas? Ação dos organismos internacionais? Ou será que o poder de concretizar o desenvolvimento sustentável, que está ligado ao rompimento da estrutura social atual, depende de cada um de nós?

Não parece que as atitudes adotadas pelo governo, ou pelas nações são eficazes para conter esses problemas. No mesmo sentido, não parece ter havido uma mudança de comportamento da sociedade, focada em vencer tais questões, que, certamente, irão definir a continuidade da existência de todos nós no mundo. Persiste o consumismo exagerado, que é o modelo que guia a sociedade de hoje (Bauman, 2000, p. 74), em que tudo é utilizado de forma curta e depois descartado.

Em que pese existam programas de recuperação de biomas degradados, o desmatamento também segue preocupante. A Mata Atlântica, rica em biodiversidade, agrupa diversas das espécies em risco de extinção e, infelizmente, conta com apenas 29% de sua cobertura original. A Floresta Amazônica, teve redução no desmatamento nesse primeiro bimestre de 2024; o que não demonstra um cenário animador, pelo contrário, os anos que antecedem, especialmente 2020, 2021 e 2022, foram anos de recordes na redução do bioma (Brasil, 2024, p. 01).

A solução para tantos problemas parece distante e embora não se esgote no objeto da presente coluna: energia sustentável, existem alguns pontos importantes. Sobre esse aspecto, tem-se debatido várias estratégias de promoção do desenvolvimento sustentável, como a utilização de fontes de energia limpa, principalmente, considerando que o setor de energia é um dos que mais emitem gases de efeito estufa e resíduos poluentes. Parece, nesse ponto, que há uma grande melhora na percepção da necessidade de se investir nesses setores, guiado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pela ONU.

O relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) apresenta que as emissões de CO2 no mundo aumentaram em 2023, mas a energia limpa está limitando o seu crescimento (IEA, 2024, p. 01). A agência cumpre um importantíssimo papel de monitorar e tratar diversos dados relacionados à geração de energia no globo. A necessidade de crescimento econômico no pós-pandemia acelerou fortemente as emissões, mas houve também um exponencial aumento na geração de energia limpa. Conforme a IEA:

A energia limpa está no centro desta desaceleração das emissões. As adições de capacidade global de energia eólica e solar fotovoltaica atingiram um recorde de quase 540 GW em 2023, um aumento de 75% em relação ao nível de 2022. As vendas globais de carros elétricos subiram para cerca de 14 milhões, um aumento de 35% em relação ao nível de 2022. Energia limpa está a ter um impacto significativo na trajetória das emissões globais de CO 2.

Mais uma vez, um contraposto: as grandes nações, como a China, continuam a se utilizar dos combustíveis fósseis para a geração de energia. Em um momento tão delicado, o aumento das energias renováveis (embora seja essencial para não piorar o cenário) não funciona sozinho. A sociedade estar ciente da crise climática global e envolver-se na geração limpa são um ótimo começo, mas talvez seja necessária uma mudança de atitude prática.

Diante disso, insere-se a ética ecológica. Ela propõe uma mudança, saindo da visão do homem como centro do Universo, para uma nova lógica: a síntese entre o homem e a natureza. Essa reflexão é importantíssima para a transformarmos o cenário atual.

Por certo, essa mudança de visão, de paradigma, ou mesmo de comportamento ético, depende de uma análise sobre a estrutura de consumo (e do próprio sistema capitalista). No entanto, em síntese, trata-se de libertar-se da ideia de que os outros seres tem apenas a função “servir” ao ser humano, com utilidade imediata. Na verdade, deve-se ter em conta que os bens naturais não tem seu valor só no preço que o capital lhes dá, mas uma dignidade, valor intrínseco, assim como o ser humano.

Como ensinam Sarlet e Fensterseifer (2023, p. 90) “da ética do indivíduo (do eu), devemos migrar para a ética do Universo”. É necessário um novo parâmetro (ético) para as práticas humanas em crescente desenvolvimento tecnológico e poder de intervenção quase absoluto na natureza, pois a sobrevivência de todos está em jogo (Sarlet; Fensterseifer, 2023, p. 90).

Pode parecer utópico, sonho inatingível, mas a mudança de comportamento ético, entendendo que o ser humano é parte da natureza e dela não pode se dissociar, é o cerne para a solução da atual crise. E, após a reflexão, já é o momento de utilizarmos dessa lógica, a começar pela reciclagem, pelo descarte adequado, evitar o desperdício de recursos, e muitas outras pequenas atitudes, que levarão ao principal: o consumo consciente.

Por certo, não podemos nos esquecer que os grandes poluidores são os países desenvolvidos, as grandes empresas e indústrias, que, no cenário do lucro, talvez não pensem que estamos todos juntos nesse mundo e que sofreremos igualmente seu desgaste. Ou, que até lá, já estarão todos mortos, não se importando com a ética intergeracional.

Ao final, vale dizer que os menos abastados, que já sofrem com o descarte inadequado do lixo, com a poluição do ar e a falta de saneamento; certamente, são os que mais sofrem com os desastres naturais. Mas, muito em breve, todos sofrerão igualmente. As consequências da crise climática são sentidas e agravadas de forma gradativa. Ainda há tempo, depende de nós, de todos nós, Estado, empresas, organizações e do que couber ao alcance de cada um de nós, mudar o cenário, e se não por nós, pelas futuras gerações.

 

Referências

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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Oxford: Polity Press, p. 70-90, 2000.

BRASIL. Ministério do meio ambiente. Mata Atlântica. Disponível em: Link. Acesso em: 07 jun. 2024.

BRASIL. Sociedade brasileira considera as mudanças climáticas como um perigo grave. Disponível em: Link. Acesso em 07 jun. 2024.

IEA. Emissões de CO2 aumentam em 2023, mas a energia limpa está limitando o crescimento. Disponível: Link. Acesso em 07 jun. 2024.

IMAZON. Primeiro bimestre de 2024 tem o menor desmatamento dos últimos seis anos. Disponível em: Link. Acesso em 07 jun. 2024.

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