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A União Europeia acolhe de braços abertos os refugiados ucranianos, mas e os não-europeus?

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A Europa possui um longo histórico de proteção de refugiados. A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 (posteriormente alterada pelo Protocolo de 1967) foi criada como uma resposta à urgente necessidade de prestar proteção e auxílio aos indivíduos que foram direta ou indiretamente atingidos pela Segunda Guerra Mundial. Desde então, a Europa tem sido o destino de pessoas de todo o mundo, em busca de proteção e asilo, por enfrentarem conflitos armados, perseguições de toda natureza e graves violações de direitos humanos. O número de refugiados na Europa tem aumentado consideravelmente a cada ano e, o recente conflito armado entre Rússia e Ucrânia tem intensificado o fluxo migratório que já havia aumentado durante a pandemia.1

Em março de 2022 a Comissão Europeia estabeleceu a utilização da Diretiva de Proteção Temporária aos refugiados ucranianos para oferecer assistência rápida e eficaz a essas pessoas. A Diretiva determinou que todos aqueles que fugirem da guerra terão proteção temporária na União Europeia e receberão autorização de residência, acesso à educação e ao mercado de trabalho. Além disso, a Comissão Europeia estabeleceu orientações operacionais destinadas a controlar e gerir a chegada dessas pessoas nas fronteiras dos diversos países europeus. As orientações também recomendam que os Estados-Membros criem vias especiais de apoio de emergência para canalizar a ajuda humanitária.

Conforme o mais recente relatório do ACNUR, o número de refugiados ucranianos já ultrapassou a marca de 4 milhões e 816 mil pessoas,2 e o número de deslocados internos chega a 6,5 milhões.3 Os principais destinos dos ucranianos são os países fronteiriços: Polônia, Eslováquia, Hungria, Romênia, Belarus, Moldávia e a própria Rússia. Cerca de 3 milhões e 200 mil pessoas já receberam a proteção temporária e o Conselho Europeu já destinou mais de 500 milhões de euros em assistência humanitária emergencial.4

Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen:5 “não há dúvida de que essas pessoas corajosas que defendem nossos valores com suas vidas pertencem à família europeia”. A solidariedade europeia para com os ucranianos é louvável, mas expôs as políticas racistas e discriminatórias em relação aos refugiados e imigrantes não-europeus.6 Essa solidariedade seletiva está presente no discurso da mídia europeia, nas ações dos países europeus e nas políticas públicas de enfrentamento da crise migratória dos últimos 20 anos, deixando claro que refugiados do oriente médio e África não são bem-vindos.7 O conflito armado na Síria já dura 11 anos e até o presente gerou mais de 13 milhões de refugiados e 6 milhões e 900 mil deslocados internos.8 A Turquia (que não integra a União Europeia) é o país com o maior número de refugiados sírios – 3 milhões e 700 mil pessoas.

O aumento de extremistas de direita em diversos países europeus determinou o tom do debate sobre imigração nos últimos anos, em especial em relação aos imigrantes muçulmanos. Um claro discurso anti-imigração e políticas discriminatórias tem se tornado aceitáveis no âmbito político. Os ataques terroristas na França e Bélgica em 2015 e 2016 agravaram a discriminação em relação a esses migrantes e refugiados. Além disso, foram introduzidas políticas rígidas de fronteira e medidas contraterroristas severas que acarretaram o estabelecimento de perfil étnico, políticas de migração discriminatória e ataques aos migrantes. Exemplo disso, foi o projeto de lei antiterrorista aprovado no congresso francês em 2021 que aboliu o uso do hijab,9 restringiu o ensino em casa, proibiu o uso de símbolos religiosos e impediu a emissão dos “certificados de virgindade” agravando a tensão e segregação de mulçumanos no país.10

O relatório da European Network Against Racism (2015-2016)11 demonstra que o processo de assimilação dos migrantes e refugiados mulçumanos nos países europeus requer que essas pessoas se adaptem aos seus “valores” e contribuam ativamente para o desenvolvimento econômico do estado anfitrião. No entanto, a integração ao mercado de trabalho tornou-se problemática em razão das diversas barreiras enfrentadas pelos migrantes, tais como, discriminação, restrições de trabalho vinculadas ao status migratório, a ausência de reconhecimento das qualificações e barreiras linguísticas.

Enquanto isso, os diversos países europeus acolhem os refugiados ucranianos de braços abertos e seguem tentando mandar os refugiados sírios de volta ao seu país, que ainda permanece em conflito.12 Ao contrário dos sírios, os ucranianos não são recebidos com xenofobia, centros de detenção e ameaças de repatriação. A recepção dos ucranianos pela União Europeia demonstra a capacidades desses países de receber refugiados com compaixão e solidariedade. Contudo, essa compaixão não deveria ter cor, raça, religião ou nacionalidade. Afinal, a fraternidade é universal.

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Érika Louise Bastos Calazans

 

 

Referências

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[1] EU external borders in 2021: arrivals above pre-pandemic levels. https://frontex.europa.eu/media-centre/news/news-release/eu-external-borders-in-2021-arrivals-above-pre-pandemic-levels-CxVMNN

[2] Operational Data Portal – Ukraine Refugee Situation. https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine#_ga=2.115638977.618145187.1654803620-1000835360.1654803620

[3] https://www.acnur.org/portugues/emergencias/ucrania/

[4] https://www.poder360.com.br/internacional/ue-vai-liberar-e-500-milhoes-em-ajuda-humanitaria-a-ucrania/

[5] https://br.noticias.yahoo.com/ucranianos-pertencem-a-familia-europeia-diz-ursula-von-der-leyen-135536545.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAAF9qAspZ3324SRY2q4kw8VLaU_g3ILkhLnO8ku__k2y7xf84PXHNxaw_1-ePF6TSGb_3ky9nqkUWKmg6hiyACt3SLU7dlvGkSeQxfn1VRLHQsXuh870UZ68ePTzRM6b_xWyIX5MIxYIlV5k69SE7NMZn-jl_wuUqJEbLXwlWgnAe

[6] Europe’s official, media handling of Ukrainian crisis exposes deep-rooted, racist policy against non-Europeans

https://reliefweb.int/report/ukraine/europes-official-media-handling-ukrainian-crisis-exposes-deep-rooted-racist-policy

[7] “Over one million people sought refuge in the EU in 2015, a fivefold increase from the year before. Several Member States made it clear that irregular and in particular Muslim migrants were not welcome. In its 2015-2016 Shadow Report on racism and discrimination against migrants, the European Network Against Racism (ENAR) highlights that african migrants in need of humanitarian protection, were framed as ‘economic’ or ‘illegal’ migrants without any political assessments of the push and pull factors. In this context, politicians and political and media commentators delivered anti-migrant statements and racist hate speech with impunity.” https://ec.europa.eu/migrant-integration/library-document/racism-and-discrimination-context-migration-europe_en

[8] https://www.acnur.org/portugues/siria/

[9] “Mãos for a do meu hijab: o protesto contra a proposta da proibição do véu na França”.

https://www.publico.pt/2021/05/01/p3/fotogaleria/maos-fora-hijab-protesto-contra-proposta-proibicao-veu-franca-406008

[10] Lei contra terrorismo aprovada na França aumenta tensão e segregação de mulçumanos. https://jornal.usp.br/atualidades/lei-contra-terrorismo-aprovada-na-franca-aumenta-tensao-e-segregacao-de-muculmanos/

[11] Racism and discrimination in the context of migration in Europe. https://ec.europa.eu/migrant-integration/library-document/racism-and-discrimination-context-migration-europe_en

[12] Denmark opens its arms to Ukranians, while trying to send Syrian refugees home. https://edition.cnn.com/2022/03/10/europe/denmark-refugees-ukraine-syrian-intl/index.html

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