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A violência de gênero como forma de violação aos direitos humanos

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INTRODUÇÃO

A violência contra as mulheres é considerada uma das mais graves e marcantes formas de violência a serem enfrentadas. Produto de uma construção histórica e social que atribui ao ser feminino a posição de inferioridade e submissão ao ser masculino, ao longo da história as mulheres vêm sendo vítima das mais diversas formas de violência, comprometendo a efetividade dos direitos humanos pela ausência de equidade entre os sexos.

Entende-se que o gênero (diferente do sexo) é produto de uma construção social e cultural, compondo-se das diferenças construídas entre homens e mulheres, portanto, é possível compreender violência de gênero como qualquer tipo de agressão que decorre da condição de vulnerabilidade da vítima em razão de seu gênero.

Ainda que os direitos a igualdade e dignidade sejam garantidos formalmente, seu pleno exercício pelas mulheres é atravessado pela desigualdade material entre os gêneros. Não se protege as vítimas apenas com direitos formalmente garantidos, a real proteção decorre da concretização dessas garantias no cotidiano.

Nesse ínterim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a violência de gênero contra a mulher como uma forma de violação aos direitos humanos, ocupando-se da análise da figura da mulher na sociedade e dos principais aspectos envoltos na temática dos direitos humanos.

Para tanto, recorreu-se ao método dedutivo, enquadrando-se na vertente técnica jurídico sociológica, tendo como fontes de pesquisa primária o sistema especial de proteção aos direitos das mulheres, composto por tratados e convenções internacionais, a Constituição Federal do Brasil e a legislação nacional, e como fontes secundárias a doutrina e artigos correlatos ao tema.

 

A FIGURA DA MULHER NA SOCIEDADE

Desde o surgimento das relações familiares, as mulheres já nasciam e eram educadas com o perfil de satisfazer e atender aos homens, prevalecendo assim à ideia de superioridade masculina (PEREIRA, 2022). Nessa perspectiva, cabe apontar as ideias de Rousseau quando considera que “toda a educação da mulher deve ser relativa ao homem”, sendo feita “para ceder ao homem e suportar-lhe as injustiças”. (BARROS, 2016, p. 739)

Nem mesmo o movimento da Revolução Francesa que pregava liberdade, igualdade e fraternidade reconhecia a igualdade entre os gêneros. Por motivos de ordem histórico-cultural a mulher se distancia do homem como sujeito de direitos, mantendo-se a margem e subjulgada, relação esta que se mantêm até os dias atuais. A ideia de inferioridade feminina reflete a de posse masculina, situação em que a mulher não é vista como detentora de direitos, mas sim como um bem, uma coisa.

É notória a constante tentativa de se negar direitos as mulheres. No ano de 1789, época em que foi realizada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a ativista Olympe de Gouges, sustentando que a mulher nasce livre e mantém-se igual ao homem no direito, apresentou um projeto de Declaração dos Direitos da Mulher. Infelizmente a defensora da emancipação feminina foi guilhotinada em 3 de novembro de 1793. A partir de então, não só a legislação civil e política subsequentes na Europa reforçaram a inferioridade feminina, mas também foram proibidas todas as organizações de mulheres. (BARROS, 2016)

Analisando criticamente a necessidade de uma Declaração de Direitos da Mulher para resguardar o sexo feminino, evidencia-se a diferença formal e material entre os sexos. Foi necessário delinear um diploma próprio para que as mulheres tivessem resguardados garantias e direitos mínimos.

Nessa mesma linha de intelecção, Simone de Beavoir levanta a reflexão acerca do ser feminino como um ser a parte ao elencar que: “A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro” (BEAVOIR, 2016, p. 13)

A violência contra a mulher por muitos anos ficou adstrita à esfera privada, principalmente porque os papeis exercidos por homens e mulheres na sociedade sempre foram muito bem delimitados, cabendo a mulher a manutenção do lar e os cuidados com a prole, enquanto ao homem cabia o sustento da casa. Não bastasse isso, também por questões culturais, a relação entre os gêneros sempre foi desigual, a mulher, em maior ou menor grau, a depender do momento histórico e da sociedade analisada, sempre se apresentou submissa ao homem. (PEREIRA, 2021)

Por todo exposto, infere-se que as distinções entre os sexos são fruto de uma inferioridade presumida vinculada com a função feminina no ambiente familiar e seu papel na sociedade. A violência de gênero se motiva pelo status secundário ocupado pela mulher, imposto pelo patriarcado, mediante a falsa percepção de posse masculina e de serventia feminina, o que provoca uma real e sistemática violação de direitos.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

A dimensão internacional dos direitos humanos se apresenta como fenômeno recente na história mundial, consolidando-se a partir da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, necessário ressaltar que outros processos para a internacionalização de direitos já haviam sido tomados anteriormente, por exemplo, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário, que começaram a flexibilizar a noção de soberania nacional, admitindo intervenções no âmbito internacional em prol da proteção dos direitos humanos. (MONTEBELLO, 2000)

Como sintetiza Flávia Piovesan:

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. (PIOVESAN, 2013, p.191)

Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerados essenciais e indispensáveis para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade.

Tendo em vista que as necessidades humanas variam de acordo com a localidade e contexto histórico e social de uma época, não há um rol predeterminado que fixe um conjunto mínimo de direitos essenciais, sendo continuamente inseridas na lista novas demandas sociais. (RAMOS, 2014)

Primariamente os direitos humanos buscam a garantia da solidariedade, igualdade, fraternidade, liberdade e dignidade. Buscando garantir tal gama de direitos, o Estado Brasileiro materializou na Constituição Federal um modelo de ordenamento jurídico que garanta ao indivíduo o direito de ter sua dignidade respeitada independentemente de sua origem, etnia, raça, convicção econômica, orientação política, classe social, idade, identidade sexual, orientação ou credo religioso.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]. (BRASIL, 1988)

O caput do artigo 5° representa uma das maiores conquistas das mulheres Brasileiras, já que a Constituição de 1988 é a primeira a estabelecer plena igualdade jurídica entre homens e mulheres no Brasil. Apesar de não ser colocado em prática em sua integralidade o texto constitucional mudou o status jurídico das brasileiras, conduzindo importantes avanços uma vez que até 1988 não era reconhecida juridicamente a igualdade de direitos e garantias entre os gêneros.

No detalhamento dos sujeitos de direitos, o sistema internacional passa a formalizar sistemas específicos de proteção destinados a proteção especial às crianças, aos idosos, às mulheres, às vítimas de tortura, às vítimas de discriminação racial e demais indivíduos em situação de vulnerabilidade. (MONTEBELLO, 2000) É precisamente nesse ambiente que são elaboradas convenções internacionais preocupadas em oferecer proteção especial às mulheres e a coibir a violência de gênero.

 

SISTEMA ESPECIAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA MULHER

Os direitos das mulheres passaram a compor as discussões públicas durante o século XVIII. A exigência de liberdade, igualdade e fraternidade, oriunda da Revolução Francesa, impulsionou diversos questionamentos em relação aos direitos civis e políticos da humanidade. (NOVO, 2022) Outrossim o movimento feminista e a tomada de consciência das mulheres foram determinantes para impugnar, criticar e desestabilizar a relação díspar e injusta a que as mulheres são submetidas.

A universalidade dos direitos humanos é comprometida pela ausência do reconhecimento que a humanidade é feita de dois sexos, diferentes e iguais em direitos e deveres. Com a tomada de consciência da comunidade internacional acerca da posição da mulher no mundo, passou-se a conferir especial atenção quanto a igualdade de condições e direitos. (OLIVEIRA, 2023)

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres

 A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 1979, denominada Convenção da Mulher, é o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos humanos da mulher. O documento trata expressamente sobre os direitos humanos das mulheres, tendo como principais parâmetros a eliminação da discriminação e a garantia da igualdade. A elaboração da Convenção da Mulher foi o ápice de décadas de esforços internacionais visando a proteção e a promoção dos direitos das mulheres no mundo.

Segundo o artigo 1° compreende-se por discriminação contra a mulher:

(…) qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como efeito ou como objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios, político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro domínio. (ONU, 1979, p.2)

Nas disposições do artigo 4° a Convenção prevê a possibilidade de adoção de “ações afirmativas”, como importante medida a ser adotada pelos Estados na busca por acelerar o processo de igualdade. Trata-se de medidas temporárias especiais e de cunho compensatório, visando remediar as desvantagens históricas entre os sexos, aliviando as desigualdades resultantes de um passado discriminatório.

Entre as previsões da Convenção está a urgência em erradicar todas as formas de discriminação contra as mulheres, a fim de garantir o pleno exercício de seus direitos civis e políticos, como também de seus direitos sociais, econômicos e culturais. Ao ratificar a Convenção, os Estados partes assumem o compromisso de, progressivamente, eliminar todas as formas de discriminação no que tange ao gênero, assegurando a efetiva igualdade entre eles. (PIOVESAN, 2013, p. 270)

A Convenção foi elaborada com duplo fundamento: eliminar a discriminação e assegurar a igualdade, de modo que objetiva não só erradicar a discriminação contra a mulher e suas causas, como também estimular estratégias de promoção a igualdade.

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

Somente no ano de 1993, na Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, em Viena, a violência contra a mulher foi definida formalmente como violação aos direitos humanos, o que foi proclamado, em 1994, pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica. (DIAS, 2018)

Nos termos da Conferência:

18. Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica, social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as formas de discriminação, com base no sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional. (ONU, 1993, p. 5)

36. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta firmemente que as mulheres tenham acesso pleno e igual a todos os direitos humanos e que isto seja uma prioridade para os Governos e as Nações Unidas. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza também a importância da integração e plena participação das mulheres como agentes e beneficiárias do processo de desenvolvimento e reitera os objetivos estabelecidos em relação à adoção de medidas globais em favor das mulheres, visando ao desenvolvimento sustentável e equitativo (…). (ONU, 1993, p.10)

Conhecida como “Convenção Belém do Pará”, se prestou a ampliar a proteção aos direitos humanos das mulheres, verifica-se que

A partir desta convenção surgiram valiosas estratégias para a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, merecendo destaque o mecanismo das petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres em todo o mundo. (NOVO, 2022)

O diploma internacional declara que a violência contra a mulher constitui grave violação aos direitos humanos fundamentais e ofensa à dignidade humana, sendo uma forma de manifestação das relações de poder historicamente desiguais construída entre homens e mulheres. Assim o movimento das mulheres deu à temática da cidadania feminina visibilidade e legitimidade como tema global, e através do reconhecimento formal da diferença sem hierarquia entre os sexos o final do século XX é marcado por um novo patamar civilizatório.

O amplo movimento e articulação das mulheres têm colaborado para aquisição e reconhecimento de direitos. Devido ao crescimento do movimento feminista e a tomada de consciência da disparidade entre os gêneros é que temas como a violência doméstica, direitos sexuais e reprodutivos e direitos sociais específicos tem sido incluídos nas discussões acerca dos direitos humanos e sua efetivação, seja no âmbito internacional ou nacional.

Em que pese os avanços sejam inquestionáveis, a efetivação de tais direitos é constantemente tencionada e desafiada pela realidade de violação a direitos humanos e garantias mínimas existenciais. Ainda é problemática a concretização de direitos formalmente garantidos, uma vez que inúmeras barreiras impedem a efetiva igualdade de gênero e sua implementação na realidade das mulheres.

 

A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL COMO FORMA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS HUMANOS

 Inicialmente se faz necessário uma breve diferenciação entre sexo e gênero: ao se falar de sexo trata-se meramente de aspectos físicos e biológicos entre macho e fêmea presentes em todas as espécies; já ao se falar de gênero trata-se unicamente da espécie humana, visto que engloba aspectos sociais, culturais, relacionais, políticos e econômicos, contrapondo-se a ideia de que a diferença entre os gêneros é unicamente biológica e natural.

Conclui-se que o “gênero” é entendido como uma construção cultural, devendo o termo ser utilizado para explicar as diferenças construídas entre homens e mulheres na sociedade. (SILVA; OLIVEIRA, 2019)

Ponderando sobre a construção de gênero, Elainny Albino da Silva e Viviane Braga de Oliveira dispõem no seguinte sentido:

(…) a formação tanto do homem quanto da mulher ocorre de maneira cultural, relacional e processual. Contudo, a formação da mulher possui particularidades, principalmente por estar inserida e, consequentemente, atravessada por uma sociedade que foi e continua sendo patriarcal. Nesse sentido, devido a essa desigualdade entre os gêneros onde o homem é considerado superior e detentor do poder, surge à violência contra a mulher. Vale ressaltar que essa violência percorre desde os tempos mais remotos da humanidade até os dias atuais, mesmo com o advento de leis que protegem as mulheres. (SILVA; OLIVEIRA, 2019, p.7)

Nessa toada, pode-se definir violência de gênero como “qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual.” (SANTOS, 2020, on-line). No que toca a violência de gênero Matlene Neves Strey pondera que a “violência de gênero é aquela que incide, abrange e acontece sobre/com as pessoas em função do gênero ao qual pertencem. Isto é, a violência acontece porque alguém é homem ou é mulher.” (STREY, 2004, p. 13)

Em regra, esse tipo de violência atinge majoritariamente as mulheres, seja em razão de sua força física inferior à do homem, ou ainda pelo subjugo oriundo da cultura machista e patriarcal, acarretando no papel social reduzido de mãe, esposa e dona de casa. Nesse viés a violência de gênero pode ser descrita como sinônimo de violência contra a mulher.

Embora a violência de gênero possa incidir sobre homens e mulheres, os estudos e estatísticas existentes demonstram que grande parte desta violência é cometida sobre as mulheres, por homens, com consequências físicas e psicológicas muito mais graves, severas e daninhas para as mulheres. (STREY, 2004, p. 16)

A violência de gênero como fator estruturante das sociedades latino-americanas é uma realidade que se traduz no Brasil em dados, fatos e dores. Originária de uma colonização que normalizou a hierarquização de pessoas, os corpos femininos são vistos como espaços “públicos” a serem dominados, em que as violências em suas mais diversas formas são autorizadas. (RAMOS, 2021) Por tais razões que Brenda Fernandes e Carla Cerqueira afirmam que a violência contra a mulher não pode ser considerada como uma violência qualquer ou como um ato isolado.  (FERNANDES; CERQUEIRA, 2017)

No âmbito nacional a Lei n° 11.340/06, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, tutela a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo reconhecida internacionalmente como uma das três melhores do mundo em relação ao combate à violência contra as mulheres.

A lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, definindo a conduta como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (artigo 5°), e reconhece que a violência doméstica e familiar contra as mulheres constitui uma forma de violação aos direitos humanos (artigo 6°). (BRASIL, 2006, on-line)

A problemática nacional com relação a violência de gênero é uma questão tão grave e sistêmica que no ano de 2015 a Lei nº 13.104/15 tornou o assassinato de mulheres envolvendo violência doméstica e questões de gênero como uma das formas de homicídio qualificando, transferindo o crime para o rol de crimes hediondos. (BRASIL, 2015)

De acordo com a estimativa global publicada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2017, uma em cada três mulheres em todo o mundo já foram vítimas de violência física ou sexual durante a sua vida.(OLIVEIRA, 2023) Uma pesquisa realizada em parceria com o G1, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), mais de 4.700 feminicídios foram registrados no Brasil durante os cinco anos seguintes a entrada em vigor da lei do feminicídio. (RAMOS, 2020)

Os dados expostos enunciam que a violência de gênero, instalada com naturalidade na cultura brasileira, sai da invisibilidade pela ação de movimentos feministas e de reinvindicações por igualdade de direitos. Apesar de todos os avanços a violência de gênero ainda permeia as relações interpessoais nos mais diversos contextos sociais, constituindo em gravíssima humilhação e negação dos direitos mais básicos de cidadania. (OLIVEIRA, 2023)

Logo não se pode desvincular a violência contra a mulher dos direitos humanos, que são inerentes à pessoa humana, independente de sexo, raça/etnia, classe social, orientação sexual e devem ser resguardados e respeitados como preceitos básicos para garantia de uma vida digna, mas atravessados pela desigualdade entre os gêneros.

A presença do patriarcado ainda presente nos dias atuais institui o sistema de dominação/exploração das mulheres pelos homens. Dessa forma, a sociedade patriarcal reforça a desigualdade de gênero, onde a mulher é colocada como subordinada enquanto o homem é detentor de poder. (SILVA; OLIVEIRA, 2019, p.1-2)

A intensa desigualdade entre os gêneros influi diretamente na crescente e constante violência contra as mulheres. Os casos de violência enfrentados pelas mulheres, em suas diferentes formas, evidenciam como a sociedade coloca a mulher em uma posição de inferioridade, tratando-se de um verdadeiro desrespeito a dignidade humana.

A violência constitui uma das formas de violação aos direitos humanos. Há que se lembrar que o autoritarismo, o machismo e os preconceitos que se manifestam nas relações afetivas e na sexualidade ainda definem a dinâmica de cotidiano de muitas mulheres, crianças e adolescentes, sendo herança inclusive de nossa história de colonização. (SILVA; SILVA, 2016, p.14)

Tratar o ser feminino como inferior atua na legitimação da desigualdade e da submissão da mulher por meio da violência em suas diversas formas: a agressão física, a moral, a deslegitimação, a vitimização, o descredito. O movimento feminista, apesar de todos os entraves, vem realizando conquistas em relação aos direitos das mulheres, razão pela qual se faz cada vez mais necessário manter e fomentar os debates sobre a temática, sendo a visibilidade e a comunicação uma das formas mais eficazes de conscientizar, prevenir e proteger as mulheres.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda a análise se volta para a conclusão de que a violência de gênero é uma forma cruel de violação a direitos humanos, sendo um dos mecanismos para manter a mulher em uma posição de submissão e inferioridade, negando-as direitos básicos e fundamentais para o exercício de uma vida digna.

Através da realização do presente estudo, verificou-se que a subjugação e inferioridade da mulher em relação ao homem é fruto de uma complexa construção social que manteve – e mantem- a mulher nesse status, ocasionando na crescente e constante violação a direitos básicos.

Apesar da existência de instrumentos internacionais e nacionais que positivam a igualdade entre os gêneros e a garantia de direitos básicos, infere-se pelos dados estatísticos apresentados que a violência contra a mulher é uma prática cotidiana.

Devido a toda questão cultural e histórica relacionada, identifica-se que não é possível interpretar a violência de gênero como uma violência qualquer ou um ato isolado, mas sim uma verdadeira violação aos direitos humanos. O exercício pleno de tais direitos é dificultado pela sociedade machista e patriarcal que insiste em manter as mulheres no plano secundário.

A violência contra a mulher viola o princípio constitucional da dignidade humana, viola normas de direito internacional, obstaculiza a realização da democracia e impede a realização dos direitos sociais. São inúmeros os desafios e impasses para que esses direitos sejam implementados, por isso a importância em manter a temática concernente aos direitos das mulheres em evidência, sempre buscando meios para superar os obstáculos, visando o efetivo cumprimento dos direitos e garantias, pois só assim será possível garantir respeito, igualdade de condições e direitos, exigências basilares para o pleno exercício de uma vida digna.

 

Referências

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