Alienação parental e sua conexão com Aristóteles e o mito do amor materno

Alienação parental e sua conexão com Aristóteles e o mito do amor materno

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Dentro na nossa sociedade patriarcal, a mulher desde a Antiguidade já era retratada por Aristóteles como inferior ao homem1 e detentora de grande dificuldade para obedecer ao marido.2 O filósofo chama de “poder marital” o poder que o marido tem em relação à mulher,3 este poder perdurou no Brasil até a entrada da Constituição Federal de 1988 que eliminou a desigualdade parental na administração e cuidados com a família, bem como retirou qualquer tipo de incapacidade relacionada ao gênero.

Se no princípio a filosofia sustentava que a desigualdade familiar era baseada na autoridade do homem sobre a mulher, em virtude de uma “desigualdade natural entre os sexos”, sendo o homem superior a mulher; na atualidade, a desigualdade familiar se sustenta no mito do amor materno, o qual defende ser um instinto natural da mulher despojar das suas aspirações e ambições para atender a todas as necessidades dos filhos de forma altruística.

Nesse sentido, é possível perceber como a dinâmica familiar, ensinada por Aristóteles, entre os anos de 384-322 a.C., é reproduzida com naturalidade ainda hoje.

Essa forma de relacionar-se reverbera nas relações familiares e parentais ainda no sec. XXI, isso porque fica latente, sobretudo, na dissolução do vínculo conjugal, o litígio existente entre gêneros que é alimentando geração após geração, levando a distorções afetivas as quais criam sementes da alienação parental.

Diante de papéis familiares tão engessados, as varas de família (em sua maioria) mantêm a residência dos filhos com as mães, podendo a guarda ser unilateral, com o exercício parental (tomada de decisões), exclusiva da mãe ou ainda a guarda compartilhada com o exercício parental de ambos.

Não podemos deixar de mencionar que uma decisão judicial, estabelecendo a guarda compartilhada, na prática, não assegura o interesse do genitor convivente em ter uma participação mais ativa na vida dos filhos, ou mesmo que o genitor guardião permita de fato essa participação frequente e ampliada.

O grande desafio em relacionamento entre pais, filhos e ex-cônjuges é manter a convivência equilibrada e saudável entre o ex-casal e seus filhos. Desafio este que se deve também à cultura patriarcal, ainda presente, de que o homem é responsável exclusivo pelas despesas da criança, e a mulher a responsável exclusiva pelo afeto e demais cuidados essenciais.

A nova geração de pais não aceita mais o papel engessado de pai provedor, quer participar, principalmente nos cuidados essenciais, na formação moral e afetiva da criança, e as mulheres, em muitos casos, demonstram o desejo de investir em sua carreira profissional, assim surge o conflito entre a família aristotélica, com o patriarca mantenedor e sua mãe natural, e a família na pós-modernidade, com o pai participativo e afetuoso e a mãe titular de uma carreira profissional, o que tem trazido números alarmantes de alienação parental às varas da família.

Afinal, nem sempre o pai aristotélico/provedor aceita que a mãe disponha de mais tempo investindo na sua carreira em detrimento da exclusividade nos cuidados com o filho, isso por si só exigiria que o pai aristotélico/provedor também disponibilizasse maior tempo com os cuidados com o filho. Ou ainda, a mãe que tem a maternidade como grande objetivo também não aceita o pai que deseja a guarda, ou no mínimo passar o final de semana inteiro com o filho em tenra idade, responsabilizando-se pelos cuidados essenciais, essa mãe “natural” não quer abrir mãe do papel principal da maternidade e buscar meios para contribuir economicamente na manutenção das despesas do filho.

A alienação parental nasce do conflito entre o desejo do alienador de assegurar que sua vontade se sobreponha à vontade do genitor alienado, suprimindo completamente a voz do filho e o seu direito de escolha, nesse cenário, de forma cruel, iniciam-se os atos de alienação parental.

Vejamos, os atos de alienação parental vão desde uma campanha difamatória, vinculada ao julgamento moral do que “deveria ser”, na visão do alienado, o pai aristotélico/provedor, ausência do “natural amor materno” da mulher que só pensa no trabalho ou ainda mentiras sobre o abandono afetivo; mentiras estas que repercutem em memórias emprestadas à criança, inclusive chegando à imputação de falsos crimes, cujo objetivo principal do alienador é a punição do genitor alienado pela negativa da realização de seus desejos, transformando a criança em objeto de vingança.

O Art. 2º da Lei da Alienação Parental (12.318/10) a define da seguinte forma:

Lei 12.318/2010 – art. 2º – Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (grifos nossos)

A lei considera atos de alienação parental os atos declarados pelo juiz ou constatados por meio da perícia, por exemplo: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade. Conforme segue ilustrado: “Seu pai não se interessa por você, agora ele tem outra família” ou “sua mãe não cuida de você pois só pensa em trabalho”.

Podemos contribuir com o exemplo da omissão intencional, ao outro genitor, de informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço, a exemplo, pai que tem a guarda do filho e não comunica à mãe informações importantes sobre a saúde da criança, sua situação escolar ou muda de endereço sem comunicar a mãe.

A mais cruel de todas é a apresentação de falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente, por exemplo, genitor que acusa falsamente o outro de crime tais como abuso sexual ou maus-tratos com o intuito de afastá-lo do filho.

Por certo, a lei é necessária para impedir que atos como estes perpetuem na rotina da criança e, assim, quebrem qualquer vínculo afetivo com o genitor alienado, deixando marcas da alienação as quais podem ser repassadas até a três geração, gerando distúrbios psicológicos com efeito de longa duração.

Importante entender as origens da alienação parental para combatê-la de fato, não basta uma lei apresentando um conceito legal e punições para o alienador, para que deixe de existir pessoas que pratiquem tais atos perversos. É fundamental que a sociedade volte para si e perceba que a família aristotélica como única possibilidade de família não existe de forma isolada, a Constituição Federal de 1988 abarcou uma grande variedade de formações familiares.

Ainda, o amor materno não constitui um sentimento inerente à condição de mulher, sendo variável conforme a cultura, as ambições ou as frustrações da mãe, assim como o homem não é mais o provedor absoluto da família.

Deste modo, da mesma forma que a tecnologia evolui e traz uma dinâmica diferente para as rotinas das pessoas (nem sempre benéfica, mas faz parte da evolução), os papéis parentais se modificaram, são mais fluídos, variam de acordo com as flutuações socioeconômicas da família, o que torna inevitável uma releitura sobre a ampliação do papel da mulher para a mãe também como figurante do mercado de trabalho e do pai antes apenas provedor, para o pai participativo dos cuidados domésticos com os filhos.

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Fernanda Las Casas

 

Referências

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1. Aristóteles. A Política. (tradutor) Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 6ª. ed. 2001. p. 33.

2. Aristóteles. A Política. (tradutor) Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 6ª. ed. 2001. p. 35.

3. Aristóteles. A Política. (tradutor) Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 6ª. ed. 2001. p. 16.

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