A Lei 14.713/23, que trouxe modificações no código civil (§ 2º do art. 1.584) e no Código de processo civil (acréscimo do art. 699-A), mal foi publicada e já tem recebido bastante críticas, principalmente por misturar questões conjugais com questões relativas à parentalidade e filiação, e também por acrescentar uma etapa processual nas ações de guarda.
A guarda compartilhada sempre foi a regra no ordenamento jurídico pátrio, sendo a guarda unilateral determinada em casos excepcionalíssimos de acordo com a análise do caso concreto. Sendo assim, a promulgação da lei poderá mudar todo este cenário.
A modalidade da guarda dos filhos é uma das maiores causas de conflitos nos casos de família, primeiro por haver uma grande confusão entre o que é a guarda e o que é direito de convivência, e segundo em razão da ausência de diálogo entre os genitores em razão de animosidades ou até mesmo em razão de violência doméstica/familiar, que acarreta na existência de medida protetiva que proíbe o contato entre eles.
Sem dúvida, a ausência do diálogo entre os genitores causa uma grande dificuldade no exercício do compartilhamento da guarda, principalmente nos casos em que há proibição expressa do contato em razão da existência de medida protetiva.
Pensando nesse cenário, percebe-se que o legislador promulgou a referida lei no intuito de dar mais proteção à criança e ao adolescente, estendendo indiretamente a aplicação das medidas de proteção concedida a genitora à prole.
Dessa forma, a lei modifica o código civil para definir que a guarda compartilhada será deferida quando não haver acordo entre os genitores. No entanto, quando uma das partes não desejar ter a guarda ou for identificado risco de violência, será concedida a guarda unilateral em favor do genitor que desejar ter a guarda ou ao genitor que não for o responsável pela violência ou pela situação de risco.
Para tanto, acrescenta ainda o artigo 699-A no Código de Processo Civil, para determinar que, nas ações de guarda, o juiz, antes de designar a audiência de conciliação que ocorre logo no início da tramitação de ações judiciais da área de Família, deverá perguntar as partes e ao Ministério Público se há risco de violência que envolva o casal ou o filho. Se houver, o Juiz concederá o prazo de 5 dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes.
Sem dúvida, a referida Lei reforça a proteção das crianças, adolescentes e da mulher em casos de violência doméstica, todavia, devido ao texto ser dotado de subjetividades, as alterações no Código Civil trazidas pela Lei causam um grande receio quanto a sua utilização como instrumento alienador, bem como quanto a banalização desse importante instrumento de proteção à mulher que é medida protetiva, no que tange ao aumento de solicitações fraudulentas de medida protetiva com a finalidade exclusiva de deferimento da guarda unilateral do filho. Afinal, não se exige prova cabal par autorizar a concessão da medida protetiva, bastando tão somente a palavra da vítima, elemento extremamente subjetivo, conforme bem destacado que a mera probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar é causa impeditiva do exercício da guarda compartilhada.
Além disso, é importante destacar que não se pode confundir a guarda com o direito de convivência. É plenamente possível haver a determinação da guarda unilateral e a fixação de um regime de convivência visando o melhor interesse do menor.
O artigo 1.583, §1º do Código Civil conceitua guarda como responsabilização, já o artigo 1.589 do mesmo dispositivo dispõe sobre o direito de convivência, afirmando que “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia”. Ou seja, a guarda unilateral não é sinônimo de suspensão do direito de convivência entre o genitor e filho.
O direito de conivência familiar, além de ser um direito fundamental, deriva de um importante princípio norteador do Direito das Famílias, que é o do melhor interesse da criança e do adolescente e não pode ser tolhido por uma questão meramente conjugal sem que a situação possa colocar em risco o menor, ainda mais por algo tão abstrato e subjetivo como a existência de uma “probabilidade de risco”. Dessa forma, independente da modalidade da guarda, deve haver a estipulação de um regime de convivência com ambos os pais.
Outrossim, em uma visão processualista, o acréscimo de mais uma etapa nas ações de guarda, será mais uma barreira contra o princípio da celeridade, causando ainda mais morosidade para o andamento do processo, tendo em vista que somente após a referida aferição, e após exaurido o prazo de 5 dias para a para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes, se for o caso, será designada audiência de conciliação para só então ocorrer o prosseguimento do feito quanto as questões de mérito.
Cada caso deverá ser analisado de forma isolada, de acordo com as suas particularidades e grau de animosidade e violência entre os genitores, prezando sempre pela preservação da saúde física e mental da criança para que seja determinado o modelo de guarda e convivência, como já vem acontecendo antes da promulgação da referida lei.
Referências
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 05 de outubro de 1988. Disponível em: link. Acesso: 9 Nov. 2023.
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Lei nº 14.713, de 30 de outubro de 2023. Altera as Leis nºs 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para estabelecer o risco de violência doméstica ou familiar como causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, bem como para impor ao juiz o dever de indagar previamente o Ministério Público e as partes sobre situações de violência doméstica ou familiar que envolvam o casal ou os filhos. Disponível em: link. Acesso: Acesso: 9 Nov. 2023.
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