Novas medidas, se confirmadas e mantidas, podem impactar cronograma de viagens acadêmicas e exigem mais planejamento
Nas últimas semanas, mídias nacionais1 e internacionais2 divulgaram reportagens sobre dois documentos confidenciais do Departamento de Estado dos Estados Unidos (Department of State – DOS) que indicariam mudanças significativas no processo de triagem para emissão de vistos, especialmente para os solicitantes das categorias F (estudantes acadêmicos), M (estudantes vocacionais) e J (pesquisadores e professores intercambistas). O primeiro documento teria determinado a suspensão da realização de entrevistas desses solicitantes. O segundo documento, mais específico, refere-se especificamente a indivíduos com vínculo com a Universidade de Harvard.
Os documentos indicam uma intenção de tornar mais rígido o processo de avaliação de vistos, com foco especial na análise da atividade online e das redes sociais dos solicitantes. Apesar de ainda não terem sido oficialmente confirmados pelo DOS, imagens dos documentos circulam amplamente e são considerados reflexos reais de mudanças em curso na política consular.3
De acordo com a reportagem publicada em 27 de maio de 2025,4 o primeiro documento, intitulado “Action Request: Expanding Screening and Social Media Vetting for Visa Applicants – Part 1” (Solicitação de Ação: Expansão da Triagem e Verificação em Redes Sociais para Solicitantes de Visto – Parte 1), orienta os consulados a revisar e possivelmente restringir a disponibilidade de entrevistas para solicitantes dos vistos F, M e J. As instruções incluiriam: suspender o aumento na capacidade de entrevistas para essas categorias; remover da agenda os horários ainda não marcados até novas orientações; e permitir que as entrevistas já agendadas ocorram conforme as diretrizes atuais. O documento também alerta que ,mesmo solicitantes que já passaram pela entrevista poderiam enfrentar atrasos devido a um novo processo de “triagem administrativa”.
Durante a coletiva de imprensa diária de 27 de maio, a porta-voz do DOS, Tammy Bruce, não confirmou a autenticidade do documento, mas afirmou que o DOS “utiliza todas as ferramentas à disposição para avaliar quem entra no país”.5
O segundo documento, divulgado em 30 de maio de 2025, intitulado “Action Request – Enhanced Vetting for All Nonimmigrant Visa Applicants Traveling to Harvard University” (Solicitação de Ação – Triagem Reforçada para Todos os Solicitantes de Visto Não Imigrante com Destino à Universidade de Harvard), propõe uma abordagem mais específica para estudantes e profissionais que tenham a renomada universidade como destino.
De acordo com o documento disponibilizado pela Associação Americana de Advogados de Imigração, os oficiais consulares já haviam sido instruídos a realizar uma análise mais extensa das redes sociais, o que estaria alinhado às Ordens Executivas 14161 e 14188, cujo objetivo é, respectivamente, proteger os Estados Unidos contra terroristas estrangeiros e outras ameaças à segurança nacional, e adotar medidas adicionais para combater o antissemitismo. No contexto dessas orientações, o novo documento determina que os postos consulares passem a adotar imediatamente medidas adicionais para vetar estrangeiros com destino à Harvard independentemente do propósito da visita (o que incluiria estudantes, pesquisadores e até mesmo palestrantes visitantes). Ainda, esclarece que essas medidas servirão como teste e serão expandidas com o tempo.
O texto argumenta que Harvard falhou em manter o campus livre de atos violentos e antissemitismo e, por isso, as novas orientações têm como objetivo assegurar que os consulados possam identificar solicitantes de visto com histórico de antissemitismo e violência.
A orientação do governo é que os agentes consulares utilizem das informações fornecidas pelo solicitante de visto no seu formulário DS-160 (o formulário com dezenas de perguntas obrigatórias para quem solicita visto não-imigratório para os Estados Unidos). As informações deverão ser conferidas antes e durante a entrevista pelos agentes. Caso o solicitante não informe suas redes sociais ou se tiver redes sociais privadas, o agente consular tem autoridade para avaliar se a ausência de informações, por si só, poderia ser um indicativo de evasividade que levantaria dúvidas sobre a credibilidade da requerente. Ainda, os agentes consulares estão autorizados a negar o visto se não estiverem pessoalmente convencidos da credibilidade do solicitante.
Caso entenda cabível, o agente pode ainda negar o visto e submeter a decisão a uma revisão, mediante o acesso às atividades em mídias sociais e qualquer outra presença online do requerente. Esse segundo escrutínio terá como objetivo identificar se o aplicante estaria envolvido em qualquer atividade incompatível com o tipo de visto que pretende obter.
Implicações e o que esperar nas entrevistas de vistos
A situação reflete a crescente interseção entre política migratória, segurança nacional e vigilância digital nos processos de concessão de vistos para os Estados Unidos. Embora os desdobramentos completos ainda não estejam claros, estudantes, universidades, advogados e demais partes interessadas devem acompanhar de perto as próximas atualizações e documentar experiências concretas. Caso confirmadas e mantidas, essas medidas representarão uma ampliação relevante na abrangência e intensidade da avaliação consular para concessão de vistos a estudantes, pesquisadores e palestrantes. Entre as principais implicações, espera-se atrasos no agendamento de entrevista de visto, exigindo melhor planejamento por parte dos solicitantes que deverão iniciar o processo com maior antecedência e, até mesmo, cogitar um plano pessoal/profissional alternativo caso não seja possível solicitar e obter o visto antes do início das atividades acadêmicas.
Além disso, é importante ter em mente que o não fornecimento de informações sobre redes sociais ou respostas evasivas no formulário DS-160 poderão levar à negativa de visto ou à submissão do processo à revisão, o que aumenta ainda mais o tempo total de processamento. Sendo assim, agora mais que nunca é essencial buscar informações atualizadas antes de iniciar o processo de solicitação de visto e, quando necessário, contar com o apoio de profissionais especializados, a fim de garantir maior segurança e melhores resultados.
Referências
____________________
3. Documento disponibilizado pela Associação Americana de Advogados de Imigração (American Immigration Lawyers Association – AILA) – AILA Doc. No. 25060232.
____________________
Débora Neuenschwander Martins é Advogada de imigração licenciada nos Estados Unidos atuando no escritório Liv Immigration Law. Bacharel pela UFMG e LLM em Direito Internacional e Direitos Humanos pela Universidade do Colorado em Boulder.