Este artigo visa propiciar uma análise histórica e comparativa entre o Estatuto do Estrangeiro e a Lei de Migração (atualmente, vigente no ordenamento jurídico brasileiro e prevista desde 24 de maio de 2017). Inicialmente, se observará o prisma histórico que permeava cada momento legislativo. Em seguida, se abordará, em especial, três aspectos comparativos.
O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) foi assinado pelo General João Figueiredo, trigésimo presidente do Brasil, que governou entre 1979 a 1985. Essa normatização por quase quatro décadas ditou as regras legais da política migratória do país.
Quanto à Lei de Migração (Lei nº 13.445/17), essa se originou a partir do projeto de lei proposto em 2013 pelo então Ministro das Relações Exteriores, Senador à época, Aloysio Nunes (PSDB-SP), o qual apresentou um conteúdo humanitário ao antigo conjunto de leis sancionado pelo General.
O Estatuto do Estrangeiro
Foi instituído em 19 de agosto de 1980 e, inauguralmente, no seu primeiro artigo, é notória a preocupação do país com aspectos de natureza militar, como segurança nacional, por exemplo. Isso se reforça pelo uso da expressão “em tempo de paz”, que atribui uma condição muito específica para que todas as leis do Estatuto do Estrangeiro tivessem validade.
O cenário político de 1980 era conduzido pelos militares, regime que perdurou por 21 anos, entre 1964 a 1985. O Estatuto, à época, objetivava definir a situação política do migrante no país, com vistas, exclusivamente, aos interesses nacionais.
No seu segundo artigo, além de fazer menção, por exemplo, à ”segurança nacional”, o Estatuto do Estrangeiro cita também a “defesa do trabalhador nacional”, como sendo uma das justificativas para a existência de tal instrumento legal.
Desta forma, se depura dos artigos iniciais, a essência defensiva que permeava o Estatuto do Estrangeiro, e que evidentemente motivou sua sanção pelo governo vigente na época. Tal protecionismo é de se esperar tendo havido a marcada presença, nos bastidores do processo legislativo nacional, das Forças Armadas do país.
Por outro lado, as barreiras legais que até então restringiam a liberdade dos imigrantes no Brasil foram revogadas. Isso ocorreu devido em 24 maio de 2017 ser sancionada pela Presidência da República a nova Lei de Migração, a qual regulamenta, atualmente, a vida dos migrantes no Brasil. A nova lei passou a vigorar, efetivamente, em 24 novembro de 2017, ou seja, 180 dias após a sua publicação, conforme a previsão legal.
A Lei de Migração
Primeiramente, é válido destacar que a vigência dos dispositivos legais que compunham o revogado Estatuto do Estrangeiro conflitava, diretamente, com tratados internacionais de Direitos Humanos. Esses tratados, encabeçados, mundialmente, pela ONU (Organização das Nações Unidas), exercem força constitucional nas decisões jurídicas de países signatários. O Brasil, há anos, tem assumido compromissos com a organização internacional, visando, sobretudo, à preservação dos direitos individuais do cidadão.
A preservação desses direitos, em razão da sua importância para o país, é cláusula pétrea, instituída no Art. 60 da Constituição Federal de 1988. Por exemplo, em 2016, inclusive, o Brasil, ao participar da Cúpula de Líderes sobre Refugiados, assumiu o compromisso humanitário de receber refugiados sírios, por meio do, então, Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, presente nesta reunião.
Notoriamente, ademais de recebê-los, o país assumiu também a responsabilidade de incluí-los na sociedade através da assistência de programas sociais e de agências de fomento, como o PRONATEC e o SEBRAE, respectivamente. Essa medida está em total harmonia com o Art. 3º da Lei de Migração, o qual determina a inclusão social e produtiva do imigrante por meio de políticas públicas (inciso X).
Desse modo, o país tem evidenciado à comunidade internacional que deseja estar em consonância com os acordos internacionais e que tem se empenhado, efetivamente, em tratar bem seus imigrantes.
Comparações entre o Estatuto do Estrangeiro e a Lei de Migração
Preliminarmente, tendo observado o contexto histórico, acima citado, nos faz compreender que há inúmeras diferenças entre a Lei de Migração e o Estatuto do Estrangeiro. Obviamente, a essência estrutural ou o espírito de ambas as leis são diametralmente opostos.
O Estatuto que fora aprovado pelos militares aborda o imigrante como um estranho, como uma suposta ameaça à segurança nacional. A nova Lei, por sua vez, zela para que os migrantes sejam tratados com um viés mais humanizado e não sejam vítimas de xenofobia.
A partir dessa premissa, é possível ampliar a compreensão sobre a natureza de ambas as legislações, e sendo assim avançar na análise de algumas diferenças específicas, tais como estas três, a saber:
1) Percepção do indivíduo
O Estatuto do Estrangeiro, com teor nacionalista e conservador, prioriza excessivamente a segurança e restringe a liberdade dos imigrantes em território nacional. Desse modo, eles são percebidos como indivíduos de menor importância em relação aos cidadãos do país.
Quando o Estatuto faz menção ao “Estatuto da Igualdade”, destaca que apenas imigrantes portugueses podem gozar de igualdade de direitos e deveres em relação aos brasileiros, por conta dos valores históricos, culturais, linguísticos e étnicos que unem as duas nações.
No caso da Lei de Migração, a abordagem é mais humanitária, e trata o migrante como um concidadão do mundo, com direitos universais garantidos, todos providos gratuita e legitimamente pelo Estado, em conformidade com a política internacional de Direitos Humanos.
No artigo terceiro da nova lei, está expresso que “igualdade no tratamento” e “igualdade de oportunidades aos migrantes e seus familiares” fazem parte dos princípios e diretrizes que regem a nova política migratória do país (inciso IX).
Desta forma, se observa um grande avanço legislativo migratório, desde 2017, através da nova Lei de Migração, o Brasil ampliou a concessão de diversos direitos migratórios a fim de se harmonizar com os preceitos que regem os Direitos Humanos.
2) A questão da extradição do imigrante
A Lei de Migração, no Art. 83, permite a extradição do migrante em apenas duas hipóteses:
I – ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e
II – estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade.
O Estatuto do Estrangeiro, por sua vez, previa o instituto da extradição por diversas circunstâncias, tais como: “atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais” (Art. 65). Ainda nesse mesmo artigo, no parágrafo único que o compõe, o Estatuto previa a extradição até mesmo para casos de imigrantes em situações de “vadiagem” ou “mendicância”.
No caminho oposto do Estatuto do Estrangeiro, a Lei de Migração é mais acolhedora. Em vez de extraditar, ela garante “acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia serviço bancário e seguridade social” (Art. 3º, inciso XI).
3) Nomenclaturas RNE X RNM
Anteriormente, o imigrante ao se regularizar, documentalmente, no Brasil recebia uma Carteira de identificação com o respectivo registro denominada: Registro Nacional de Estrangeiros (RNE).
Atualmente, com o advento da nova Lei de Migração (2017) houve a mudança de nomenclatura. A Carteira, agora, se denomina: Registro Nacional Migratório (RNM). É o documento que no Brasil atesta a identidade de indivíduos migrantes com residência temporária ou permanente no território da Federação.
À primeira vista, parece ter sido “apenas” uma mudança de nomenclaturas. Mas, na realidade essa alteração terminológica revela a maneira como, atualmente, o Estado Brasileiro percebe o indivíduo.
Antes, ele era um estrangeiro (estranho), aquele olhar mais reservado (hidratado de grandes desconfianças institucionais). Já, a atual Lei de Migração o recepciona como um migrante (expressão bem abrangente), de forma mais humanitária e acolhedora em conformidade com os Direitos Humanos.
Portanto, esse artigo realizou uma análise histórica e comparativa entre as legislações, Estatuto do Estrangeiro (1980) e a Lei de Migração (2017). Constatou-se, significativos avanços normativos e, principalmente, em consonância com os Direitos Humanos.
Referências
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. Disponível em: site. Acesso em: 18 de mar. 2024.
BRASIL. Estatuto do Estrangeiro. Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Brasília. Disponível em: site. Acesso em: 18 de mar. 2024.
BRASIL. Lei de Migração. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Brasília. Disponível em: site. Acesso em: 18 de mar. 2024.