O Brasil se prepara para lançar, em agosto de 2025, a consulta pública sobre a faixa de frequência destinada ao 6G. O avanço regulatório e as futuras licitações prometem consolidar o país na vanguarda da nova geração de conectividade. No entanto, esse movimento encontra um desafio menos visível, mas de consequências potencialmente severas: a investigação antidumping em curso sobre as importações de cabos de fibra óptica da China, atualmente único fornecedor com capacidade industrial para atender à demanda brasileira.
Em um momento em que o país precisa ampliar exponencialmente sua infraestrutura digital, medidas comerciais restritivas podem representar um obstáculo crítico ao desenvolvimento tecnológico, à inclusão digital e até provocar risco de desabastecimento.
O 6G deverá operar em faixas milimétricas, oferecendo velocidades inéditas, baixíssima latência e capacidade para conectar bilhões de dispositivos simultaneamente. No entanto, essas promessas tecnológicas exigem mais do que espectro: dependem diretamente da densificação de antenas e da existência de uma infraestrutura de fibra óptica robusta, capilarizada e de baixa latência.
Dados da Anatel, de maio de 2025, revelam que o Brasil possui 52,7 milhões de acessos de banda larga fixa. Desse total, 77,8% já utilizam fibra óptica, o que confirma a tendência irreversível de substituição de tecnologias legadas como o cabo coaxial (15,9%) e o cobre (1,5%). A fibra é, portanto, não apenas o presente da conectividade fixa, mas também o alicerce indispensável para o futuro móvel.
Apesar dessa demanda crescente, as produtoras brasileiras de cabos são capazes de atender, atualmente, cerca de 30% do mercado. Os demais 70% precisam ser supridos por meio de importações, predominantemente da China. Esse dado revela a vulnerabilidade estrutural do Brasil e reforça a urgência de decisões coerentes com os objetivos estratégicos nacionais.
Sem uma rede em escala nacional, o país não conseguirá tirar pleno proveito das redes 5G já licenciadas, tampouco avançar de forma competitiva para o 6G.
Atualmente, está em andamento perante o MDIC uma investigação para apurar a prática de dumping nas exportações da China. A depender do resultado, o governo poderá aplicar medidas antidumping sob a forma de sobretaxas ao imposto de importação, que, no caso dos cabos, já se encontra no teto de 35% permitido pela OMC. Embora tais medidas sejam legítimas e previstas no ordenamento jurídico brasileiro e nos acordos multilaterais, sua aplicação em setores estratégicos exige extrema cautela.
O aumento de custos decorrente de uma medida antidumping pode inviabilizar ou retardar a expansão no Brasil. Mais grave: no cenário atual, há risco real de desabastecimento, já que não há outro país com capacidade de suprir, em curto prazo, o volume, a variedade técnica e os preços exigidos pelo nosso mercado.
As consequências econômicas podem incluir: paralisação ou atraso de projetos de expansão da rede de fibra óptica, elevação de custos, obstáculos ao cumprimento de compromissos regulatórios assumidos nas licitações do 5G, impactos negativos em políticas públicas de inclusão digital e transformação da indústria.
Sob o ponto de vista jurídico e institucional, a medida pode colidir com diretrizes de diversas políticas públicas de conectividade, criando um descompasso entre a política comercial e os objetivos tecnológicos e sociais do país.
Nesse sentido, programas conduzidos pelo Ministério das Comunicações, como o Wi-Fi Brasil, podem ser diretamente impactados. A iniciativa leva internet de alta velocidade, via satélite e fibra óptica, a escolas, postos de saúde, comunidades remotas e áreas rurais. A escassez ou encarecimento dos cabos inviabilizaria a expansão desses pontos de conectividade, restringindo o acesso a serviços digitais essenciais e comprometendo metas de universalização do acesso à internet.
Essa preocupação torna-se ainda mais relevante diante da decisão do Ministério das Comunicações, anunciada em 11 de julho de 2025, de aprovar o repasse de R$ 759 milhões para financiamento de projetos de expansão da conectividade. Segundo o próprio Ministério, o objetivo é conectar regiões remotas, restaurar a conexão em áreas afetadas por desastres naturais e fortalecer a economia digital nacional.
A imposição de um direito antidumping sobre as importações de cabos vai na contramão dos esforços do próprio Governo Federal. Em vez de fortalecer a infraestrutura nacional, a medida pode comprometer a execução de programas em fase de implementação, como os associados ao Wi-Fi Brasil, ao Norte Conectado e à conectividade escolar.
A trajetória do Brasil rumo ao 6G exige uma abordagem integrada entre regulação, infraestrutura e política comercial brasileira. Medidas de defesa da indústria nacional são legítimas, mas não podem colocar em risco o acesso a insumos críticos, nem comprometer a implementação de tecnologias estratégicas.
É necessário garantir segurança jurídica e previsibilidade regulatória, mas também viabilidade econômica, eficiência logística e coerência institucional. O Brasil não pode se dar ao luxo de enfrentar uma crise de abastecimento no momento em que busca liderar a transformação digital na América Latina.