As ilegalidades no ICMS Energia são um triste histórico e presente do Brasil

As ilegalidades no ICMS Energia são um triste histórico e presente do Brasil

ICMS-Energia

Não pairam dúvidas de que o fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço essencial nos termos do art. 10º da Lei de Greve e o art. 18-A do Código Tributário Nacional, por consequência, considerando a essencialidade envolvida nesse bem vital, a tributação deveria ser tratada com maior cautela e respeito, haja vista que tanto as empresas quanto as pessoas físicas dependem dela para trabalhar, estudar, se informar e executar as tarefas mais básicas.

Contudo, em que pese a essencialidade desse serviço, é espantoso olhar para os Tribunais e notar a alta diversificação de teses envolvendo os tributos cobrados no fornecimento de energia, em especial no tocante ao ICMS.

No passado inúmeras empresas buscaram o Poder Judiciário para discutir o fato gerador do ICMS apontando-o como a potência efetivamente utilizada, não sendo correto a sua incidência na demanda contratada.

Em 21/08/2008 o STJ afetou a controvérsia no Tema Repetitivo 63, sendo julgada em 11/03/2009 cuja tese fixada foi a seguinte: “É indevida a incidência de ICMS sobre a parcela correspondente à demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada”

Mais adiante, em 23/09/2009, o mesmo Superior Tribunal de Justiça pacificou na Súmula 391 o entendimento de que “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”.

Porém o litígio não se encerrou em 2009, somente no ano de 2020 e no Tema 176 ( Leading Case: RE 593824) foi o momento no qual o Supremo colocou um ponto final na incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada, na ocasião foi fixada a seguinte tese: “A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor”.

Assim sendo, não há dúvidas de que o ICMS incide somente sobre a potência efetivamente utilizada, contudo a litigiosidade envolvendo o ICMS Energia está longe de acabar. Há anos muitas empresas e residências batem no Poder Judiciário requerendo a exclusão das tarifas TUSD e TUST da base de cálculo do ICMS.

O Superior Tribunal de Justiça possuía uma jurisprudência assente no sentido da não inclusão da TUSD/TUST no ICMS, visto que os valores pagos para remunerar o uso do sistema de transmissão e distribuição não são inerentes à energia consumida, logo não deveriam integrar a sua base de cálculo.

É importante registrar que o Superior Tribunal de Justiça afetou a controvérsia inerente à inclusão da TUSD/TUST na base de cálculo do ICMS no Tema Repetitivo 986, até o momento não houve uma decisão final e os processos estão sobrestados, até mesmo nos Juizados.

Evidentemente que defendemos que o ICMS deve ser cobrado somente sobre a energia consumida, sendo certo que ocorre a entrega da energia (tradição) a partir do momento no qual ela passa pelo relógio medidor e é utilizada, sendo esse o limite da responsabilidade da concessionária nos termos da Resolução 1.000/2021 da Aneel, art. 26.

De mais a mais, não se ignora que “(…) o STJ possui entendimento no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.267.162/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 24/08/2012), logo, no mínimo, espera-se a manutenção da jurisprudência e a coerência da Corte, não sendo bem-vinda a alteração do entendimento já pacificado.

Outra controvérsia recente foi a aplicação do princípio da seletividade em função da essencialidade, o Supremo decidiu  no Tema 745 que as alíquotas de energia e telecomunicação não podem ser superiores à geral, o que é coerente e justo.

Em que pese a Corte ter modulado permitindo a restituição somente para as ações ajuizadas até 05/02/2021 (que na sua maioria são dos grandes consumidores), tal decisão resultou em uma redução no preço da energia para o consumidor final pessoa física.

Aqui em São Paulo o consumo acima de 200 Kwh passou a ser tributado com ICMS de 18%, antes pagávamos 25%, mesmo quem não entrou com a ação, hoje paga menos, contudo o cidadão que cruzou os braços deixou de recuperar o retroativo, em partes acertou a Corte, em outras deixou a desejar, principalmente para o contribuinte que não conta com o auxílio recorrente de advogados tributaristas.

Por isso o Tema 745 é um importante norte de estudo e reflexão, o ideal é que o consumidor, independentemente do porte, busque levar a sua controvérsia o quanto antes para os Tribunais, principalmente quanto ao ICMS na TUSD/TUST, cujos processos estão sobrestados por decisão do STJ, eu acredito que no caso de vitória dos contribuintes existe de fato o risco de modulação, limitando os retroativos somente para quem ajuizou a ação.

E não paramos aqui, vários consumidores, com fulcro na sua legitimidade ativa exposta no Tema Repetitivo 537 do STJ, estão indo ao Judiciário questionar a inclusão das perdas técnicas e não técnicas na base de cálculo do ICMS, pois, com fulcro no Tema 176 do Supremo, somente a potência efetivamente consumida deve compor a base de cálculo do ICMS, não havendo sentido em incluir as perdas na mencionada base.

Alguns acórdãos do Colégio Recursal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo estão sendo claros em aplicar o entendimento das Cortes Superiores no sentido de que o ICMS incide apenas na potência efetivamente consumindo, afastando os valores das perdas do seu cálculo, vejamos:

ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – BASE DE CÁLCULO – PERDAS TÉCNICAS E NÃO TÉCNICAS – PREJUÍZOS QUE INTEGRAM A TARIFA, COM RESSARCIMENTO EM PARTE PELO CONSUMIDOR, MAS QUE, POR ESSA SUA NATUREZA, NÃO DEVEM COMPOR A BASE DE CÁLCULO DESSE IMPOSTO – ICMS QUE DEVE INCIDIR SOBRE ENERGIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE CONSUMIDA – OBSERVÂNCIA DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E DOS PRECEDENTES DO COLÉGIO RECURSAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP;  Recurso Inominado Cível 1001467-53.2023.8.26.0531; Relator (a): Luiz Fernando Pinto Arcuri – Colégio Recursal; Órgão Julgador: 7ª Turma Recursal de Fazenda Pública; Foro de Santa Adélia – Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 14/12/2023; Data de Registro: 14/12/2023).

Assim sendo, denota-se que o ICMS deve incidir somente sobre o consumo, não tendo sentido e razoabilidade a sua cobrança sobre as perdas técnicas e não técnicas.

Ainda não há afetação em repetitivo quanto à inclusão do ICMS nas perdas, mas nada impede que a discussão seja afetada em um repetitivo e conte com modulações no futuro, o que reforça a importância de ajuizar a ação o quanto antes.

Todas essas controvérsias fiscais no tocante ao ICMS Energia apenas reforçam que o brasileiro paga muito caro por algo essencial, é um abuso que tais tributos ilegais existam, ora a tributação legal já é salgada, se olharmos para a inconstitucional fica indefensável.

Outro ponto a ser levantado é que uma boa parte das controvérsias do ICMS Energia podem ser moduladas caso a Corte declare a ilegalidade da tributação, afinal há verdadeiramente um risco de impacto orçamentário aos Estados, logo o mais coerente é que o retroativo seja pago somente para quem entrou com a ação até o julgamento, como foi feito pelo Supremo no Tema 745.

Contudo, o lado ruim dessas modulações reside no fato de que somente as grandes empresas, por terem acesso aos melhores escritórios de advocacia, tomam conhecimento dessas disputas fiscais, logo apenas elas costumam ajuizar as ações até a data do julgamento para se protegerem de uma eventual modulação, as pessoas físicas e as pequenas empresas, na esmagadora maioria, simplesmente não acabam tendo acesso às teses aqui mencionadas e aos melhores tributaristas, portanto ficam desatendidas, só tomam conhecimento quando os Tribunais julgam e modulam.

No mais, uma crítica crucial há de ser feita: Quem acaba pagando o maior preço dessas ilegalidades é a população, primeiro na sua conta mensal e segundo no aumento dos preços, porque a energia é um importante insumo na fabricação de todos os bens da economia, evidentemente que o fabricante irá repassar o valor gasto ao comprador dos produtos, quanto maior a energia, maior o repasse e mais salgado será o preço final de venda de todas as mercadorias no Brasil.

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