Muito antes de conquistarem o direito de exercer funções remuneradas formalmente, as mulheres desempenharam um papel central na economia, tanto familiar quanto coletiva. Durante períodos como a Revolução Industrial, em que lhes eram negadas posições profissionais em diversos mercados, muitas contribuíam para a renda doméstica costurando para fora, lavando roupas ou realizando outras atividades manuais, enquanto também cuidavam de suas casas e famílias. Esse esforço inicial, invisibilizado pela história oficial, pavimentou o que mais tarde se tornaria a jornada dupla – e muitas vezes tripla – de trabalho das mulheres.
Enquanto a sociedade, controlada por homens brancos, começava a delimitar o que seria considerado “trabalho de mulher”, essas funções foram subalternizadas como atividades menores. Entretanto, eram justamente esses trabalhos que sustentavam a economia da época. Em um período em que a indústria dava seus primeiros passos, trabalhos manuais e artesanais desempenhavam um papel primordial, garantindo a base econômica que permitia o avanço da sociedade. Contudo, a lógica patriarcal relegava essas ocupações a um status inferior.
Essa subvalorização seguiu dois eixos principais: a desqualificação da capacidade física e a desconfiança sobre a inteligência das mulheres para a execução de funções consideradas “masculinas”. Apesar de demonstrarem competência em múltiplas áreas, suas habilidades foram e continuam sendo menosprezadas em favor da figura do homem provedor, o “arrimo de família”. Esse preconceito perpetua uma visão equivocada e hierárquica, na qual o trabalho feminino é visto como secundário.
Profissões predominantemente femininas, como as de cuidadoras, faxineiras, costureiras, enfermeiras e secretárias, exemplificam essa realidade. Essas funções, embora indispensáveis, ainda hoje são vistas como subempregos, recebendo baixa remuneração, pouca atenção de políticas públicas de fortalecimento econômico e pouco prestígio social. Mesmo com o avanço das décadas, essas mulheres enfrentam um ciclo contínuo de desvalorização.
Ainda assim, as mulheres persistem, enfrentando desafios que chegam a ser desumanos. É importante exaltar a resiliência e a capacidade das mulheres de superar as barreiras estruturais do mercado de trabalho, ocupando espaços e liderando mercados, mesmo lutando contra todo o sistema de opressão. Contudo, esse avanço tem um custo emocional e físico altíssimo. O mercado, ao invés de reconhecer e valorizar, frequentemente usa estratégias para perpetuar a exploração da força de trabalho feminina. Termos como “compliance” e “ESG” são aplicados por grupos hegemônicos – majoritariamente brancos e masculinos – como ferramentas de controle, mantendo as desigualdades disfarçadas de equidade.
Exceções inspiradoras existem, como Rachel Maia, a primeira mulher negra a ser CEO de uma multinacional no Brasil, atuando na Pandora entre 2009 e 2018. Tal fato apenas corrobora o quanto a ascensão profissional feminina ainda é uma exceção em um mercado que privilegia poucos, em sua maioria pertencentes a grupos hegemônicos. Para as mulheres negras, a interseccionalidade entre gênero e raça torna essa ascensão ainda mais desafiadora, pois enfrentam preconceitos sobrepostos em um sistema que as marginaliza por sua identidade.
Mas basta olhar para espaços dissidentes como terreiros de candomblé, pequenas empresas e comunidades locais, que inegavelmente sustentam a economia de toda nossa nação, para ver a força de mulheres negras. Essas mulheres têm encontrado maneiras de exercer liderança e transformar suas realidades e a de suas comunidades. Essas posições, embora subestimadas pela lógica mercadológica, têm um impacto social profundo e demonstram que, mesmo diante de opressões múltiplas, essas mulheres encontram formas de resistir e prosperar.
Mulheres negras ocupam o epicentro das mais variadas e múltiplas opressões, mas continuam sendo pilares fundamentais na sociedade, sustentando famílias, negócios e comunidades, mesmo quando o mercado teima em depender delas sem reconhecer suas contribuições.
Patrícia Hill Collins e Angela Davis nos ensinam que a luta pela igualdade requer uma visão interseccional, que compreenda as múltiplas dimensões de opressão enfrentadas por essas mulheres. Para ampliar esse debate, é necessário incluir temas como o apagamento de mulheres trans e travestis, LGBTQIAPN+ e de mulheres acima de 50 anos, frequentemente descartadas pelo mercado enquanto homens da mesma idade são promovidos a cargos de conselheiros e tratados como “sábios”.
Que o debate sobre a presença e o papel da mulher negra no mercado de trabalho continue a crescer. A transformação só será possível com a união e o reconhecimento destas mulheres, enfrentando as barreiras estruturais com ações concretas. A inclusão não deve ser um privilégio, mas um direito para todas.