As perdas técnicas e não técnicas não devem compor a base de cálculo do ICMS-Energia

As perdas técnicas e não técnicas não devem compor a base de cálculo do ICMS-Energia

Energia

A energia elétrica é considerada mercadoria e encontra-se sujeita à tributação pelos Estados via ICMS, o aluído imposto tem como fato gerador o efetivo consumo conforme bem destaca o Tema 176 do STF, a Súmula 391 do STJ e o Tema Repetitivo 63 do STJ.

Além dos precedentes mencionados, é assente na própria doutrina jurídica que o fato gerador do ICMS-Energia é “consumir energia”, devendo ser tributado somente a potência que saiu do sistema de distribuição, ingressou no estabelecimento da empresa e foi devidamente consumida, ou seja, transformada em calor, som, luz, movimento e etc. Cito:

Vê-se que o aspecto material do fato gerador do ICMS é a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. E a circulação se pressupõe a entrega da mercadoria, a tradição, consequentemente, no caso da energia elétrica o efetivo consumo. O valor da operação consistente em garantir a potência necessária para o consumidor não pode ser tributado pelo ICMS.

(…)

Segue-se a conclusão inequívoca de que somente incide ICMS sobre a energia elétrica se, de fato, estiverem presentes as circunstâncias materiais, assim entendidas a efetiva circulação da energia elétrica no estabelecimento do consumidor e o efetivo consumo, não apenas o pacto contratual de potência. (DE MELLO, 2020, p.251/252).1

Em sede de recurso repetitivo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou o entendimento sobre o fato jurídico tributário do ICMS – energia “consumir energia”, entendimento que o imposto incide sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, ou seja, a energia for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa. (RETTO, , 2021, p. 196).2

Uma vez compreendido que o fato gerador do ICMS-Energia é o consumo, temos um problema pela frente, porque durante o processo de fornecimento de energia, nas linhas de distribuição e transmissão, ocorrem perdas de origem técnica ou não.

As perdas técnicas, conforme dispõe a Aneel, estão ligadas aos fatores físicos e naturais inerentes à atividade de distribuição, como por exemplo a energia elétrica que acaba se transformando em energia térmica nos condutores (efeito joule), as perdas dielétricas e outras mais de origem física.

Já as perdas não técnicas, essas estão diretamente vinculadas ao fator humano, elas estão associadas à reprovável prática do “gato”, às fraudes nos processos de apuração, os desvios de energia e outras condutas reprováveis.

Devemos igualmente destacar que, economicamente falando, esse prejuízo não fica restrito às distribuidoras, a Aneel autoriza que as concessionárias repassem parte dessa perda aos consumidores regulares, ou seja, o cidadão honesto acaba pagando a conta de quem faz o gato, por isso sempre repudiamos essa prática e cobramos punições severas no âmbito civil e criminal.

Contudo é importante reforçar uma coisa, a potência perdida não ingressou e tampouco transitou no estabelecimento do contribuinte do ICMS-Energia, considerando que o próprio STF nos orienta que somente integra a base de cálculo do ICMS-Energia os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo pelo contribuinte, poderia o Estado incluir as perdas na base do ICMS?

Pois bem, no nosso entender, o Fisco Estadual age de maneira equivocada ao acabar inserindo o valor das perdas na base de cálculo do ICMS-Energia, o que, com o devido respeito aos que pensam o contrário, repudiamos, pois é assente que o fato gerador do ICMS-Energia é o consumo efetivo.

O professor Roque Antônio Carrazza, renomado tributarista, em seus escritos, foi bastante claro em criticar a cobrança do ICMS-Energia sobre os valores inerentes às perdas, sejam elas técnicas ou não técnicas:

A contrario sensu, o ICMS deixa de ser devido nos casos em que a energia elétrica se perde, quer por razões físicas (vazamentos no sistema), quer por motivos de ordem criminal (furto).

É que, inexistindo consumo regular, ausente está pelo menos sob a óptica do Direito Tributário qualquer operação relativa ao fornecimento de energia elétrica.

Do exposto, temos que, havendo tais ocorrências, deixa de existir espaço jurídico para que se cogite, seja a que pretexto for, de nascimento de obrigação de recolher ICMS – Energia Elétrica. (CARRAZZA, 2009, p. 273).3

Seguindo os ensinamentos do professor, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Informativo 503, foi categórico em afirmar a “intributabilidade” das perdas pelo ICMS: “a energia elétrica furtada nas operações de transmissão e distribuição não sofre incidência de ICMS por absoluta ‘intributabilidade’ em face da não ocorrência do fato gerador”.4

Portanto encerro o presente escrito criticando o ato das Fazendas Estaduais consubstanciado em exigir dos contribuintes o ICMS-Energia no tocante às parcelas inerentes às perdas, sejam elas de ordem técnica ou não, visto que o fato gerador do imposto em testilha é o efetivo consumo, que não é visualizado na potência que se perdeu no sistema de distribuição e sequer adentrou no estabelecimento da empresa consumidora de energia elétrica.

 

Referências

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1. DE MELLO, Fátima I. M.Rogério Vaz. Não incidência de ICMS sobre a demanda contratada de potência e sobre as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e de transmissão. Revista Direito de Energia & Áreas Afins, Editora: Synergia, 2020, p.251/252.

2. RETTO, Mauren Gomes Bragança. Benefícios fiscais na geração distribuída a partir de fontes renováveis de energia. Compêndio de Contabilidade e Direito Tributário, Lumen Juris, 2021, p. 196

3. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 273.

4. STJ, REsp 1.306.356-PA, rel. min. Castro Meira, julgado em 28/8/2012.

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