Assédio organizacional (profissional) ou atos de gestão?

Assédio organizacional (profissional) ou atos de gestão?

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Tenho escutado verdadeiros relatos de atos de gestão em alegações de assédio organizacional, a despeito das características que os definem.

As demandas de serviço no âmbito do contrato de trabalho advém das prerrogativas  do poder diretivo (de gestão). O assédio organizacional tem como característica principal o ‘excesso’. São condutas marcadamente abusivas, desmedidas,  desproporcionais, descabidas, impertinentes, portanto, irrazoáveis.

A questão que deve ser problematizada antes de qualquer enquadramento de conduta é: excesso em relação ao quê? Toda comparação ou medida reclama um paradigma (padrão, referência):

  • a extrapolação frequente de jornada tem por base o limite de jornada de trabalho contratado e o consentimento/disponibilidade do(a) empregado(a);
  • o rigor crítico direcionado a determinada pessoa tem por referência de comportamento ou tratamento atribuído aos demais colegas no ambiente de trabalho;
  • o assédio organizacional ou moral por desvio de função tem o seu enquadramento baseado na análise das atribuições típicas do cargo, da natureza da demanda de gestão bem como da finalidade que ocasionou o suposto desvio de função (para além dos marcadores que definem a conduta).

Nos alegações de desvio de função, o conjunto probatório forçosamente robusto, deve encaminhar à constatação da realização regular das alegadas atividades ‘estranhas’ àquelas contratadas (exercício habitual).

No setor público, a alegação de desvio de função tem sido o argumento utilizado para a não realização de atividades, inclusive aquelas decorrentes de demandas extraordinárias (de caráter transitório).

Por esse exemplo, desejo reforçar que a análise dos casos concretos de assédio demanda cuidadosa consideração dos fatores circunstanciais, requisitos, motivos e abordagens.

 

Figura 1: Checklist para identificação dos marcadores típicos do assédio organizacional por desvio de função

Checklist para identificação dos marcadores típicos do assédio organizacional por desvio de função

Qual a lotação do(a) servidor(a)?

Há quantos anos trabalha no setor ou departamento?

Qual a formação e expertise do servidor ou servidora?

Qual o cargo ocupado?

Quais as atividades típicas do cargo?

Quais atividades desempenha? Com que regularidade? Descrição da rotina.

Quais foram as atividades delegadas ‘estranhas’ a essa rotina descrita ou cargo?

Como se deu a delegação (abordagem e tratamento)?

Como respondeu à solicitação da chefia imediata? Descrição do comportamento, atitude e argumentação utilizada.

Quem presenciou a situação?

Como o servidor ou servidora qualificou ou definiu a sua relação com achefia imediata? E com o seu trabalho?

O servidor ou servidora já experenciou, no âmbito desta relação, tratamento vexatório, discriminatório, manifestação de descortesia ou desapreço? Descrição da situação ou situações.

Antes dessa situação pontual ocorreu algum desentendimento ou divergência ? E caso afirmativo, de qual natureza (profissional ou pessoal)?

Fonte: elaborada pela autora.

 

Repito … É fundamental analisar o fato de modo circunstanciado. Quando o desvio de função é instrumentalizado para a consecução de finalidade persecutória tem-se uma evidência-chave de assédio moral. O desvio de função se insere no rol de atos persecutórios, empreendidos por motivos escusos àqueles profissionais. O propósito de perseguição é revelado pela análise do histórico da relação laboral. Todavia, se constatada a motivação produtivista (impessoal), teremos um indício de ocorrência de assédio moral organizacional. O enquadramento ou não de conduta dependerá da análise de outros requisitos, ilustrados na figura 2.

 

Figura 2 : Marcadores típicos do assédio organizacional por desvio de função

Marcadores típicos do assédio organizacional por desvio de função

 

Habitualidade/regularidade.
Conduta prejudicial (operessora, excessiva, irrazoável).
Intencionalidade do ato, mesmo que não se identifique o objetivo do(a) agente de produzir determinado  resultado.
Dano / repercussão negativa / Prejuízo ao servidor ou servidora.

Fonte: elaborada pela autora.

 

No contexto particular do serviço público, é importante incorporar à análise o argumento inescusável da incidência do princípio da supremacia do interesse público.

Em casos remoção, não é incomum observarmos mudanças na rotina de prestação, com a inclusão de novas tarefas (atos de gestão). Ocorre que muitos servidores/servidoras interpretam essa ampliação como assédio organizacional por desvio de função. É necessário analisar aspectos pontuais no caso concreto (figura 3).

 

Figura 3: Aspectos considerados na análise do caso concreto.

assédio organizacional por desvio de função

Fonte: elaborada pela autora.

 

Colacionei algumas decisões que corroboram essa compreensão para refletirmos a respeito.

Apelação Cível. Desvio de função. Exercício de atividades de Assistente Estadual de Fiscalização Agropecuária. Percepção de diferenças salariais. Insuficiência de provas. Assédio moral. Inocorrência. Dano moral indevido. A caracterização do desvio de função consiste no exercício habitual e permanente, pelo servidor, de funções alheias às previstas para o seu cargo, porém definidas em outro cargo para o qual aquele servidor não prestou concurso público. O desempenho de algumas tarefas pertinentes a outro cargo, por si só, não caracteriza o desvio de função, pois no âmbito da Administração Pública é perfeitamente possível que haja semelhança na execução de tarefas por servidores, mesmo que lotados em cargos diversos. A insuficiência de prova do exercício habitual e permanente de funções típicas, inerentes e exclusivas do outro cargo inviabiliza o reconhecimento do desvio de função e, consequentemente, o pagamento de diferenças salariais correspondentes. Evidenciado que a relotação ocorreu ante necessidade de lotação de servidores em unidade recém-criada e verificado não haver desvio de função, não se mostra ilegal e tampouco caracteriza assédio moral a situação dos autos. Apelo não provido. APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 7025764-52.2015.822.0001, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Especial, Relator (a) do Acórdão: Juiz João Adalberto Castro Alves, Data de julgamento: 17/03/2020 (TJ-RO – AC: 70257645220158220001, Relator: Juiz João Adalberto Castro Alves, Data de Julgamento: 17/03/2020)

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE SERVIDOR. AVOCAÇÃO DETERMINADA PELO PLENÁRIO DESTE CNJ. PRELIMINARES DE MÉRITO AFASTADAS. ASSÉDIO MORAL E SEXUAL PROCEDÊNCIA. PENALIDADE. DEMISSÃO. 1) O Requerido, ao se apropriar do cargo de “Diretor Geral de Saúde”, inexistente no organograma do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, transbordando dos poderes do cargo efetivamente por ele ocupado, intimidando e discriminando servidores, contribuiu para criação de um ambiente de trabalho hostil. 2) Além disso, o servidor processado, em diversas oportunidades, tratou servidores e estagiários de forma vexatória, bem como suspendeu de modo aleatório o pagamento de gratificação por atividade pericial e impôs aos médicos o desempenho de atividades em nítido desvio de função, tratando servidores de forma desigual tão somente em razões de apreço ou desapreço 3) Restou comprovada, ainda, a retaliação, por parte do Requerido, àqueles servidores que de algum modo reagiram às condutas irregulares praticadas, dificultando a concessão de férias e licenças. 4) Também restou demonstrado, por meio de depoimentos, que as condutas do Requerido superaram em muito os chistes ou brincadeiras entre colegas de trabalho, dado o claro constrangimento das vítimas e o não consentimento, o que acarretou em profundos abalos sofridos por várias servidoras que relataram as investidas e constrangimentos de natureza sexual praticadas, comprovados por meio do arcabouço fático-probatório colhido nos autos, dentre os quais, atestados médicos, pedidos de licenças-médicas e conversas por aplicativos. 5) Do quanto apurado nos autos, resta fartamente demostrada a prática de assédio moral e sexual contra subordinados, conduta contrária ao disposto na Resolução CNJ 351, de 2020, que instituiu a “Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação”. 6) Condutas que se subsumem ao disposto no art. 303, III, IV, XII, XXX,XXXIX, XLVII, XLVIII e LXIII da Lei Estadual nº 10.460, de 1988, com as agravantes previstas nos incisos II e VIII do § 1º do art. 313 do mesmo diploma legal. 7) Ademais, a prática de assédio moral e sexual é conduta enquadradas nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei nº 8.429/92, indicando terem sido praticados atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública. 8) Procedência. Aplicação da penalidade de demissão, com a proibição de ocupação de cargo em comissão ou função gratificada na esfera da Administração Pública Estadual, pelo período de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 6º, da Lei Estadual nº 18.456/2014. (CNJ – PAD: 00046927120202000000, Relator: ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO, Data de Julgamento: 28/09/2021)

 

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – ASSÉDIO MORAL – DANOS MORAIS E MATERIAIS – INOCORRÊNCIA – O autor era servidor público e laborou em desvio de função no Departamento de Águas e Esgoto de Ribeirão Preto – DAERP, alegando que, entre os anos de 2006 e 2011, sofreu assédio moral por parte de seu superior hierárquico, o qual, com o motivo de prejudicá-lo, o colocou nas piores lotações e determinou seu retorno à função de origem, causando-lhe prejuízos financeiros e o desenvolvimento de doença ocupacional que levou à sua aposentadoria por invalidez – No entanto, o autor não se desincumbiu de seu ônus probatório (CPC, art. 373, inciso I)– Não restou demonstrado nos autos qualquer circunstância extraordinária nas lotações em que o autor efetivamente desempenhou suas funções, tampouco a existência de desvio de finalidade na conduta do superior hierárquico, tratando-se de condição inerente ao labor – Alegações genéricas de perseguição pessoal, sem qualquer fundamento fático – Ademais, a determinação de retorno do autor à sua função de origem não partiu de seu superior hierárquico, mas da assessoria jurídica do DAERP, com a finalidade de fazer cessar o desvio de função, que é finalidade legítima, inapta a comprovar a existência de perseguição ou de intenção de causar prejuízo pessoal – Laudo médico pericial, produzido sob o crivo do contraditório, constatou a inexistência de nexo causal – Sentença mantida – Recurso desprovido. (TJ-SP – Apelação Cível: 1017945-32.2014.8.26.0506 Ribeirão Preto, Relator: Carlos von Adamek, Data de Julgamento: 11/04/2023, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 11/04/2023)

 

ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000451-90.2016.8.08.0058 APELANTE: MUNICÍPIO DE IBITIRAMA APELADO: JURSAN RODRIGUES RELATOR: DESEMBARGADOR SUBSTITUTO HELIMAR PINTO EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SERVIDOR PÚBLICO – ASSÉDIO MORAL – DESVIO DE FUNÇÃO COMPROVADO – DANO MORAL CONFIGURADO QUANTUM REDUZIDO CORREÇÃO MONETÁRIA IPCA-E. 1. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público está disciplinada no art. 37, § 6º da CF, donde se nota que a Administração Pública responde objetivamente pelos atos praticados por seus agentes, sendo necessária para a sua responsabilização apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano. 2. Para a caracterização do assédio moral é imprescindível a configuração de prática reiterada de atos persecutórios por parte do empregador ou de preposto, sempre observando a ordem hierárquica, com a finalidade de depreciar a imagem e o conceito do empregado perante si e seus colegas de trabalho. 3. Demonstrados abusos e irregularidades cometidos pela Administração Pública em face de servidor municipal, destacando-se o desvio imotivado de função em curto espaço de tempo e o constante constrangimento e humilhação, resta configurado o ato ilícito e, por consequência, o dever de indenizar os danos morais sofridos. 4. A quantificação da indenização deve ser feita com a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a reparar o dano e coibir a reincidência do causador, sem enriquecer a vítima. Indenização reduzida para R$ 8.000,00 (oito mil reais). 5. A indenização por danos morais deve ser corrigida monetariamente pelo IPCA-E a partir da data do julgamento deste recurso e acrescida de juros de mora de 1% (um inteiro por cento) ao mês a partir da citação. 6. Recurso parcialmente provido. Sentença parcialmente reformada de ofício. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, na conformidade da ata e notas taquigráficas, À UNANIMIDADE, DAR PARCIAL provimento ao recurso E, POR IGUAL VOTAÇÃO, DE OFÍCIO, REFORMAR PARCIALMENTE A SENTENÇA, nos termos do voto proferido pelo Eminente Relator. Vitória, 30 de julho de 2019. PRESIDENTE RELATOR (TJ-ES – APL: 00004519020168080058, Relator: FABIO CLEM DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 30/07/2019, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/08/2019)

 

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2125385 – PR (2022/0124857-5) DECISÃO Trata-se de agravo manejado por Rafael Silveira Salomão contra decisão que não admitiu recurso especial, este interposto com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado (fls. 5.756/5.757): 1) DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. OFICIAL JUDICIÁRIO LOTADO EM GABINETE DE DESEMBARGADOR. ALEGADO DESVIO DE FUNÇÃO, POR EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE ASSESSORIA JURÍDICA. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS EM RELAÇÃO AO CARGO DE ASSESSOR JURÍDICO, OU ASSESSOR DE DESEMBARGADOR. IMPOSSIBILIDADE. a) O desvio de função ocorre quando, por ordem do superior hierárquico, o servidor passa a desempenhar funções alheias ao cargo para o qual foi originalmente provido. b) As funções do cargo de Oficial Judiciário não são alheias àquelas desempenhadas nos gabinetes; assim, o auxílio às assessorias, Desembargadores e Juízes, com a apresentação de estudos e propostas de minutas não se equipara, à evidência, a desvio de função para os fins pretendidos. c) É que não pode o ex-Servidor, ignorando a opção que fez por lotação em gabinete, ou o desinteresse na alteração dela, bem como o aprimoramento profissional que buscou e logrou com tal opção, pretender transmudar para desvio de função o desempenho de atribuições que, livremente, buscou ou aquiesceu, por ser de sua conveniência. 2) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados (fls. 5.819/5.821). Nas razões do recurso especial, a parte agravante aponta, além de dissídio jurisprudencial, violação aos arts. 373, I e II, 489, § 1º, IV e 1.022, I e II, do CPC. Sustenta, em síntese, negativa de prestação jurisdicional e a efetiva caracterização do desvio de função, sob a alegação de que “o próprio ora recorrido reconheceu e admitiu que a prova testemunhal indicou o desvio de função. Excelências, que outra prova precisaria ser produzida para que o ora recorrente comprovasse o fato constitutivo do seu direito?” (fls. 5.835) É O RELATÓRIO. SEGUE A FUNDAMENTAÇÃO. A irresignação não merece acolhida. Verifica-se, inicialmente, não ter ocorrido ofensa aos arts. 489, § 1º, IV e 1.022, I e II, do CPC, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos; não se pode, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. Quanto ao mais, colhe-se do acórdão o seguinte trecho, verbis (fls. 5.761/5.763): No caso, o Apelante informa que prestou concurso para o cargo de nível médio ‘Oficial Judiciário’, para o extinto Tribunal de Alçada, sendo nomeado em 22/04/2003, e que as atribuições do cargo eram: ‘Art. 19. Ao Oficial Judiciário e Técnico Judiciário incumbe: I – executar serviços de apoio administrativo e suporte junto às diversas unidades do Tribunal de Justiça; II -auxiliar nas tarefas inerentes à movimentação processual; III – prestar atendimento ao público interno e externo’ (mov. 1.1, fl. 5). Como se observa, tais atribuições bem podem ser desempenhadas em gabinetes de Desembargadores, embora seja fácil observar que o cargo melhor se amolda às Secretarias ou outros setores administrativos. Porém, curiosamente, são frequentes as tentativas de servidores ocupantes de cargos de nível médio, estudantes de Direito ou mesmo já formados, de conseguirem lotações em gabinetes, na expectativa de trabalhar diretamente com os processos e recursos, sob orientação de Juízes, Desembargadores ou Assessores mais experientes, a fim de aprender, consolidar ou expandir os conhecimentos obtidos na graduação em Direito, já concluída ou ainda em curso. Assim, auxiliam as assessorias e Desembargadores com a apresentação de estudos e propostas de possíveis soluções para os casos, o que, à evidência, não se pode equiparar à desvio de função Não podem, por isso, depois, ignorando a opção que fizeram e o aprimoramento profissional que lograram, pretender transmudar para desvio de função as atribuições que, livremente, buscaram. Observe-se que desde sua nomeação, o Apelante passou a laborar em gabinetes de Desembargadores, não constando nos autos se a lotação decorreu de pedido seu, dos próprios Desembargadores ou se foi por determinação da Presidência da Corte. Ou seja, não obstante as atribuições do cargo de Oficial Judiciário não fossem alheias àquelas necessárias no Gabinete, também não consta nos autos que o então Servidor tenha questionado, na época, sua lotação ou a atribuição que lhe foi dada, tampouco que tenha, em algum momento, tentado obter relotação para setor administrativo ou Secretaria de Câmara por se sentir, de alguma forma, aviltado em seus direitos ou forçado, por seu superior hierárquico, a executar tarefas que, originalmente, considerando o cargo que ocupava, não lhe competiam. Na verdade, o que se vislumbra é que o Autor-Apelante buscou permanecer trabalhando nos Gabinetes a fim de adquirir e consolidar conhecimentos jurídicos, haja vista que, segundo ele mesmo informou, os trabalhos que executava eram sempre conferidos e analisados pelos Desembargadores ou Juízes Substitutos em 2º Grau, lembrando que ingressou no cargo quando ainda era estudante de Direito. Ainda, embora as atribuições do cargo de Oficial Judiciário não sejam estranhas àquelas também desempenhadas nos gabinetes, o fato é que a demanda por serviços puramente administrativos ou de atendimento na recepção é ínfima, não justificando a permanência de um servidor do quadro de efetivos unicamente para isso. É que, pelo princípio da eficiência, não é possível subdimensionar e subaproveitar a força de trabalho do Servidor, permitindo-lhe produzir menos do que as atribuições de seu cargo lhe impõem. Nesse passo, o auxílio à Juízes e Desembargadores não configura, nem de longe, desvio de função, porque essa é a tarefa primordial das equipes que trabalham nos Gabinetes, seja qual for a nomenclatura dos cargos que ocupam. Para além disso, o ex-Servidor recebeu gratificação por função, ou seja, foi remunerado por eventual serviço extra realizado. Assim, a demanda afigura-se como desoladora aventura jurídica, por meio da qual se busca desfigurar as atribuições buscadas pelo próprio Autor-Apelante como se desvio de função fossem, visando injusta vantagem financeira. Nesse contexto, a alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, quanto à suposta caracterização do desvio de função, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. DESVIO DE FUNÇÃO. TÉCNICO E ANALISTA DO SEGURO SOCIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 535, inciso II, do CPC/1973, o julgado recorrido não padece de contradição, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte. 2. Ademais, não assiste melhor sorte à parte recorrente no que tange à arguição de ofensa ao art. 458 do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista que o aresto impugnado se encontra devidamente fundamentado, tratando todos os pontos necessários à resolução do feito. 3. O Tribunal a quo, com base no contexto fático-probatório dos autos, afastou a ocorrência de desvio de função porque entende: “Portanto, a circunstância de a apelante realizar as atividades indicadas na petição inicial não permite concluir, por si só, que haveria desvio de função” (fl. 191, e-STJ). Conclusão diversa da alcançada pela Corte de origem exige reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado na via estreita do Recurso Especial por força da Súmula 7/STJ. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. ( REsp 1656892/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 02/05/2017) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. OCUPANTE DE CARGO DE TÉCNICO JUDICIÁRIO. ALEGAÇÃO DE DESEMPENHO DA FUNÇÃO DE ANALISTA JUDICIÁRIO. SERVIDOR OCUPANTE DE FUNÇÃO COMISSIONADA. DESVIO DE FUNÇÃO NÃO RECONHECIDO PELA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Ordinária que visa ao reconhecimento de desvio de função, com o recebimento das diferenças remuneratórias, a título de indenização, em razão do suposto exercício irregular de atividades próprias de Analista Judiciário-Especialidade Contador, cargo diverso daquele titularizado pela Recorrente, que é de Técnico Judiciário-Área Administrativa. 2. Na hipótese dos autos, verifica-se que a Corte de Origem, soberana na análise fático-probatória da causa, confirmou a Sentença, julgando improcedente o pedido inicial por entender que não está configurado o desvio de função alegado, uma vez que as atividades desempenhadas pela autora muito mais se assemelham com a descrição do cargo de nível médio do que com aquelas definidas como atribuições dos contadores, as quais são atividades de nível superior que envolvem o acompanhamento da situação patrimonial e financeira da organização e a elaboração orçamentária (fls. 858/859). 3. Além disso, concluiu o Tribunal de origem que a atividade de maior complexidade exercida pela Recorrente foi oriunda do exercício de função comissionada FC-4. 4. Nestes termos, a alteração dessa conclusão, na forma pretendida, demandaria necessariamente o incursão no acervo fático-probatório dos autos, a fim de verificar se a parte Recorrente encontrava-se desviada de função e se a execução do trabalho de maior complexidade decorreu do exercício de função comissionada. Contudo, tal medida encontra óbice na Súmula 7 do STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial. Precedentes: AgRg no AREsp. 675.043/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 4.9.2015; AgRg no AREsp. 640.781/PR, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 23.8.2016; AgRg no REsp. 1.570.382/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 11.3.2016; AgRg no AREsp. 702.414/RN, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 14.12.2015. 5. Agravo Interno da Servidora a que se nega provimento. ( AgInt no AREsp 928.595/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 09/03/2017) Pelos mesmos motivos, segue obstado o recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, sendo certo que não foram atendidas as exigências dos arts. 1.029, § 1º, do CPC e 255, § 1º, do RISTJ. ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao agravo. Levando-se em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, impõe-se à parte recorrente o pagamento de honorários advocatícios equivalentes a 20% (vinte por cento) do valor a esse título já fixado no processo (art. 85, § 11, do CPC). Publique-se. Brasília, 07 de março de 2023. Sérgio Kukina Relator (STJ – AREsp: 2125385 PR 2022/0124857-5, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Publicação: DJ 09/03/2023)

 

RECURSO ESPECIAL Nº 2048281 – SE (2023/0016054-0) DECISÃO Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, a e c, da CF) interposto contra acórdão assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. CARGO EFETIVO DE MOTORISTA-D. INOCORRÊNCIA DE DESVIO DE FUNÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. – Transferência do servidor para desempenhar as funções do cargo de motorista-D, em setor diverso, e não mais como motorista de ambulância, o que não caracteriza desvio de finalidade, muito menos nulidade. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. Os dois Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 242-247 e 258-261, e-STJ). A parte recorrente aponta violação dos arts. 11 e 489, § 1º, IV, do CPC; 2º da Lei 4.717/1965; e 20 da Lei 13.655/2018. Aduz: Dessa forma, em que pese todos os esforços para os julgadores motivarem a necessidade ou não de motivação para a Administração praticar o ATO de transferência/remoção, a decisões permaneceram inertes a tal pleito, consignando os argumentos apenas nos relatórios. Foram apresentadas contrarrazões (fls. 325-321, e-STJ). É o relatório. Decido. Os autos foram recebidos neste Gabinete em 30.1.2023. Cumpre asseverar que, ao contrário do que ora se sustenta, não houve violação aos arts. 11 e 489 do CPC/2015, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do acórdão proferido em sede de Embargos de Declaração apreciaram, fundamentadamente e de modo completo, todas as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. Veja-se trecho do voto condutor do acórdão recorrido (fl. 231, e-STJ): Pois bem. Compulsando os autos, depreende-se que restou inconteste que o autor é servidor público municipal, fazendo parte do quadro de servidores, através de concurso público para cargo de motorista-D, não havendo especificidade quanto à atuação deste cargo ser para ambulância, como faz crer o apelante. Veja que o Termo de Posse, no item “DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO CARGO”, dispõe que as atribuições do cargo seriam conduções de todos os tipos, porte e modelo de veículos de carga e transporte de passageiros O desvio de função ocorre quando o servidor público passa a desempenhar atividades diversas das que lhe foram formalmente atribuídas, o que não é o caso dos autos. O que de fato ocorreu, no presente feito, foi a transferência do servidor para desempenhar as funções do cargo de motorista-D, em setor diverso, e não mais como motorista de ambulância, o que não caracteriza desvio de finalidade, muito menos nulidade. Nesse contexto, verifica-se que o acórdão recorrido conta com motivação suficiente e não deixou de se manifestar sobre a matéria cujo conhecimento lhe competia, permitindo, por conseguinte, a exata compreensão e resolução da controvérsia, não havendo falar em descumprimento aos arts. 11 e 489 do CPC/2015. Vale ressaltar, por fim, que não se pode confundir decisão contrária ao interesse da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional. Nesse sentido: STJ, REsp 1.666.265/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/03/2018; REsp 1.667.456/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/12/2017; REsp 1.696.273/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2017. No mais, o Tribunal a quo concluiu que o “desvio de função ocorre quando o servidor público passa a desempenhar atividades diversas das que lhe foram formalmente atribuídas, o que não é o caso dos autos. O que de fato ocorreu, no presente feito, foi a transferência do servidor para desempenhar as funções do cargo de motorista-D, em setor diverso, e não mais como motorista de ambulância, o que não caracteriza desvio de finalidade, muito menos nulidade”. Percebe-se que a Corte originária, com base no conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que não ficou caracterizado o desvio de função. Desse modo, para serem revistas estas circunstâncias, seria necessário o reexame de fatos e provas, o que é vedado nesta via ante o óbice constante na Súmula 7 do STJ. Ante o exposto, conheço parcialmente do Recurso Especial, somente quanto à violação apontada ao art. 489 do CPC/2015, e, nessa extensão, nego-lhe provimento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 07 de fevereiro de 2023. MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator (STJ – REsp: 2048281 SE 2023/0016054-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Publicação: DJ 15/02/2023)

 

Da análise das decisões, depreende-se que para a caracterização do desvio de função não é suficiente o mero exercício episódico de funções estranhas ao cargo ocupado. É essencial a demonstração de exercício  permanente  das funções inerentes a  cargo diverso.

Significa dizer que o exercício eventual de outras atividades,  motivado por demanda transitória, ainda que distintas daquelas  previstas expressamente para o cargo do(a) servidor(a), não configura desvio de função, muito menos assédio organizacional. Algumas indagações são importantes para a configuração (figura 4).

 

Figura 4: Checklist para análise de denúncias de assédio por desvio de função (nos casos de remoção)

Checklist para análise de denúncias de assédio por desvio de função (nos casos de remoção

Quais as atividades e demandas típicas do setor/departamento destino? Elas antecedem à remoção (ingresso do servidor ou servidora)?

A formação e/ou experiência do servidor ou servidora  é incompatível co a prestação (atividades adicionais)?

O servidor ou servidora fez a opção pela unidade de lotação?

Fonte: elaborado pela autora.

 

Os casos de assédio devem ser analisados à luz das peculiaridades do caso concreto e das circunstâncias que ensejaram a sua ocorrência. É crucial discernir atos de gestão das condutas definidas como assédio organizacional ou profissional.

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